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TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 501/2021

ACÓRDÃO N.º 501/2021

 

Processo n.º 440/19

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

 

 

 

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

 

 

I – Relatório

 

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que são recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, os primeiros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), da decisão singular proferida pela Juíza Desembargadora Vice-Presidente daquele Tribunal da Relação em 19 de março de 2019, que indeferiu a reclamação deduzida contra precedente decisão de não admissão do recurso interposto para o TRL pelos ora recorrentes, por extemporaneidade.

 

2. Decorre dos autos sub judice, com relevo para os presentes autos de recurso, o seguinte iter processual:

 

a) Os arguidos A. e B., ora recorrentes, foram condenados, por sentença de 1 de março de 2018 (depositada nesta data na secretaria do Tribunal e notificada aos arguidos em 19 de novembro de 2018), pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – J5, respetivamente, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5, no montante total de € 1.100, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social e na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, no montante total de € 900, pela prática igualmente de um crime de abuso de confiança à Segurança Social (cf. fls. 29-60 dos autos).

b) A primitiva defensora oficiosa pediu «escusa do patrocínio oficioso» em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados em 23 de novembro de 2018, de que deu conhecimento ao Tribunal de 1ª instância (cf. fls. 62 e 63 dos autos).

c) A Ordem dos Advogados nomeou para o patrocínio uma nova defensora em 4 de dezembro de 2018 (cf. fl. 65).

d) Em 12 de dezembro de 2018 a nova defensora nomeada requereu a confiança do processo (fls. 44-47).

O pedido foi deferido em 17 de dezembro de 2018, tendo sido notificado à defensora oficiosa por ofício de 18/12/2018 (cf. fls. 48-49).

e) Em 15 de janeiro de 2019, os arguidos, ora recorrentes, interpuseram recurso da sentença condenatória, para o TRL (cf. fls. 74-80 dos autos). Nesse recurso invocou a defensora oficiosa que o prazo de recurso se interrompeu em 23 de novembro de 2018 com o requerimento de substituição e pedido de escusa da primitiva defensora, tendo o prazo de recurso interrompido sido iniciado em 5 de dezembro de 2018 (na sequência da designação da nova defensora oficiosa), «nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 5, al. b), ex vi artigo 34.º, n.º 2, parte final, ambos da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho» e que o mesmo prazo se suspendeu entre os dias 22 de dezembro e 3 de janeiro (cf. Alegações de recurso para o TRL, II. DA TEMPESTIVIDADE DO PRESENTE RECURSO, 5. e 6., fl. 75).

f) O recurso não foi, porém, admitido por decisão proferida em 1ª instância, com a seguinte fundamentação (cf. fls. 82 frente e verso dos autos):

 

«A sentença objecto de recurso foi proferida e depositada em 01.03.2018 e notificada em 19.11.2018. Deste modo, o prazo de recurso terminou em 19.12.2018.

As motivações de recurso foram apresentadas em 15.01.2019.

Assim, resulta à evidência que o prazo referido se mostra excedido, ainda que se considerasse a prática do acto com o pagamento da respectiva multa e o período de suspensão do prazo por via das férias judiciais.

De resto, os prazos em curso no âmbito do processo penal não se interrompem por via da substituição de defensor nomeado ao arguido, logo não se aplica qualquer interrupção do aludido prazo por via de apresentação do pedido de escusa, conforme requerido.

No mesmo sentido: “[…] I – Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é «inaplicável» à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que decorre dos artigos 42º a 47º deste diploma [DL 387-B/87 de 29-12] e, antes, dos arts. 42º e ss. (“Disposições especiais sobre processo penal”) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de «dispensa do patrocínio»: art. 66º, nº 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, “a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (…)” (arts. 42º, nº 1 da Lei 30-E/2000 e 39º, nº 1 da Lei 34/2004 de 29-07). II. O art. 66º, nºs 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66º, nº 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo “enquanto não for substituído”) e os arts. 42º e ss. da Lei 30-E/2000 (“Disposições especiais sobre processo penal”) e 39º e ss. da Lei 34/2004 (idem) não preveem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso. Pelo contrário, os arts. 42º, nº 3 e 45º, nº 2 da Lei 30-E/2000 e 39º, nº 4 e 42º, nº 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo” e “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”. III. – Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido. […] – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2005, seguido pela demais jurisprudência, de entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 18.12.2013; de 07.12.2016, da Relação de Guimarães de 23.01.2013; de 22.03.2013; de 22.05.2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt e cujo entendimento se subscreve.

Em face do exposto, não se admite o presente recurso, por intempestividade, ao abrigo do disposto no artigo 414º, nº 2 do Código de Processo Penal».

 

g) Os arguidos reclamaram deste despacho para o Presidente do TRL (cf. fls. 1-11, 83-93 dos autos). A reclamação foi admitida por despacho proferido pela Juíza do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, autora do despacho reclamado, em 15 de fevereiro de 2019, com o seguinte teor (cf. fls. 15-17, 96-97 dos autos):

«Com efeito, o presente Tribunal não admitiu o recurso interposto pelos arguidos porquanto o mesmo foi apresentado fora de prazo.

Explicitando

A 01.03.2018, foi proferida sentença nos presentes autos, que consta a fls. 488 a 551.

Tal sentença foi notificada aos arguidos no dia 19.11.2018, conforme certidão de notificação que consta a fls. 584 e 585.

A 23.11.2018 a defensora oficiosa dos arguidos juntou aos presentes autos, a fls. 588 a 590v, o pedido de escusa do patrocínio oficioso.

 A 04.12.2018 foi nomeada uma nova defensora oficiosa aos arguidos, conforme fls. 543.

A 12.12.2018 veio a Ilustre Defensora requerer, a fls. 544 a 553, a confiança do processo, o que foi deferido por despacho de fls. 555.

A 15.01.2019 deu entrada nos presentes autos do recurso apresentado pelos arguidos, que consta a fls. 559 a 567.

Ora, prevê o artigo 411º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o prazo de 30 dias para a interposição de recurso, contados a partir do depósito da sentença.

Sendo a sentença um dos actos que têm de ser notificados pessoalmente aos arguidos, o prazo para a interposição de recurso deve contabilizar-se a partir da notificação dos mesmos – cfr. artigo 113º, nº 10, do referido diploma legal.

No caso, conforme se referiu, os arguidos foram notificados da sentença a 19.11.2018, o que significa que o prazo de 30 dias de que dispunham, para recorrer da mesma, terminou no dia 19.12.2018.

O facto de nesse período de 30 dias ter existido um pedido de escusa por parte da defensora oficiosa nomeada e a nomeação de outra em nada contende com o prazo legal.

Com efeito, determina o artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29.07 que: «[e]nquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo». No mesmo sentido dispõe o art. 66º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Significa isto que, caso os arguidos pretendessem recorrer, poderiam sempre tê-lo feito pois estavam devidamente patrocinados por uma defensora oficiosa, que só veio a ser substituída em 04.12.2018.

E tal pedido de escusa com subsequente substituição da defensora, em nada contende com os direitos dos arguidos, pois, conforme se disse, os mesmos poderiam sempre recorrer a partir do momento em que foram notificados da sentença e estavam acompanhados por defensor, tal como ordena o artigo 61º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

(…)

Com efeito, relativamente à mudança de defensores durante o prazo de recurso, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 487/2018, 22/11 decidiu: «[n]ão julga inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 39º, nº 1, 42º, nº 3, e 44º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, e do artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo de interposição de recurso da decisão depositada na secretaria não se interrompe nem se suspende no caso de, no decurso do mesmo, o arguido apresentar junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do defensor que lhe fora nomeado no processo».

Assim, face a todo o exposto, entende-se ser de manter o despacho de fls. 568, dos autos principais, mas V. Exas. melhor decidirão.»

 

h) A reclamação foi decidida pela Vice-Presidente do TRL, por despacho exarado em 19 de março de 2019 (cf. fls. 103-105 dos autos), nos seguintes termos:

«A questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 1/3/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 – cfr. fls. 61 destes autos.

Tem sido nosso entendimento que o disposto no nº 2, do art. 34º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação ao processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso.

Como se refere no Ac. da RE de 30/6/2015, proferido no âmbito do Proc. 28/8.2GBCCH.E1, em situação idêntica à dos presentes autos, disponível in www.dgsi.pt, “Em matéria penal, como se sabe, atenta a sua especificidade técnica, a interposição de recurso exige a intervenção de um defensor, o que se coaduna com a obrigatoriedade, plasmada nas als. e) e f) do Art. 61º do CPP, de o arguido estar, sempre, em qualquer momento, assistido por defensor, em função de uma garantia constitucional de salvaguarda dos seus direitos, como resulta do Art. 32º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

Como bem se refere no despacho recorrido, em que a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 (Acesso ao Direito e aos Tribunais), a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes.

(…)

E nem se diga que, com este entendimento, se prejudicam os direitos do arguido, pois os mesmos sempre estiveram assegurados, porquanto o ora recorrente, apesar das sucessivas nomeações, nunca deixou de ter defensor, não tendo estado, por isso, impedido de interpor recurso, direito que foi permanentemente assegurado, já que, como muito acertadamente se diz no despacho recorrido, «…os pedidos de escusa sucessivamente formulados pelos defensores oficiosos não interromperam o prazo de interposição do recurso do acórdão, o qual nesta data decorreu».

No mesmo sentido podem consultar-se os Acórdãos da RL de 21/6/2011 e de 9/1/2019, da RC de 18/12/2013, da RP de 4/4/2018, da RG de 25/5/2015 e 24/9/2018 (…).

Também o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão no Acórdão nº 487/2018, no qual se refere:

“Com efeito, não obstante o pedido de substituição, o defensor nomeado continua a poder – e a ter o dever de – exercer a defesa da arguida, sendo certo ainda que tal pedido de substituição, podendo ser tido como um elemento perturbador ou podendo evidenciar uma perturbação na relação entre a arguida e o seu defensor nomeado, não torna, por si só, inviável tal relação, nem impede a continuidade da defesa até que tal incidente se mostre findo. Não se vê, por isso, de que modo tal pedido, em si mesmo, e abstraindo das razões que o possam ter motivado (razões essas que, repete-se, não estão demonstradas nos autos), possa impedir o defensor de cumprir as funções que lhe estão cometidas, inclusivamente recorrendo da sentença proferida em 1.ª instância.

   Por essa razão, não se poderá considerar que a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido exija que, perante um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante a Ordem dos Advogados – e independentemente das razões de tal pedido –, se suspenda ou interrompa o prazo em curso até que se mostrasse decidida a questão respeitante a tal pedido de substituição.

Por outro lado, importa notar que, nas situações em que as razões subjacentes ao pedido de substituição do defensor nomeado sejam de molde a, em concreto, colocar em causa as garantias de defesa do arguido, seja na vertente da proibição de indefesa, seja na garantia do direito ao recurso e do direito a ser assistido por defensor arguido, o regime processual penal permite a ponderação de tais circunstâncias, uma vez que o n.º 3 do artigo 66.º do CPP faculta ao arguido a faculdade de requerer a substituição do defensor nomeado por causa justa. Em tal situação, poderá configurar-se a possibilidade de, tendo em conta as circunstâncias concretas que motivaram o pedido de substituição, a não interrupção ou não suspensão do prazo em curso aquando da formulação do pedido de substituição, poder revelar-se uma solução atentatória das garantias de defesa do arguido, nos termos expostos.

Foi o que se verificou na situação analisada por este Tribunal no Acórdão n.º 159/2004, acima citado. Nesta decisão, contudo, não se entendeu que a contagem ininterrupta do prazo de recurso, quando tenha sido formulado pelo arguido pedido de substituição do seu defensor nomeado, seja por si só violadora de qualquer parâmetro constitucional. Com efeito, nesse caso, estava em questão um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante o tribunal e por este deferido, por se ter considerado existir justa causa para essa substituição, consubstanciada na recusa de interposi­ção do recurso por parte daquele defensor.

Ora, estas específicas circunstâncias, que foram decisivas para o juízo de inconstitucionalidade, não se verificam nos presentes autos: aqui, por um lado, o pedido de substituição não foi dirigido ao tribunal, mas à Ordem dos Advogados; e, por outro, as razões de tal pedido não foram invocadas perante o tribunal, não tendo sido, por isso, objeto de apreciação, seja em primeira instância, seja pelo tribunal da relação, ora recorrido.

(…)

Conclui-se, por isso, que a interpretação normativa aqui objeto de apreciação não viola os direitos constitucionais do arguido à defesa, nomeadamente ao recurso e à assistência por defensor (cf. artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP), nem o princípio do processo equitativo, decorrente do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.”

No presente caso, tendo a sentença sido proferida em 1/3/2018 (data a partir da qual se considera como notificada à primitiva defensora oficiosa dos arguidos) e notificada aos arguidos em 19/11/2018 (fls. 61 destes autos), o prazo de interposição de recurso iniciou-se em 20/11/2018, pelo que, em 15/1/2019 – data em que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à secretaria do tribunal reclamado (fls. 81 destes autos) – há muito se encontrava esgotado o prazo legal de 30 dias.

Acresce que, com o requerimento de recurso não foi invocada qualquer justa causa para a sua apresentação intempestiva, sendo certo que a primitiva defensora oficiosa requereu escusa em 23/11/2018 e aos arguidos foi nomeada nova defensora oficiosa em 4/12/2018, terminando o prazo normal de recurso apenas em 19/12/2018.

Não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes.

Termos em que, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 405º, nº 4, do CPP.».

 

i) É deste despacho de 19/3/2020, proferido pela Vice-Presidente do TRL, que se recorre para o Tribunal Constitucional.

j) Já após a subida dos autos a este Tribunal e a prolação de despacho de aperfeiçoamento e de alegações, vieram os recorrentes, concomitantemente com a apresentação das alegações, apresentar requerimento no qual informam que, no que respeita ao objeto do recurso, apresentaram já, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, queixa contra o Estado português, ao abrigo do artigo 34.º da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais – e ao qual informa ter sido atribuído o número 49229/19 que se encontra pendente (cf. requerimento de fl. 220 e formulário de queixa a fls.221-230).

 

3. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cf. fls. 111-123):

 

«A. e B., Arguidos e Recorrentes melhor identificados nos autos do processo supra referenciado, tendo sido notificados da decisão singular proferida por este Venerando Tribunal, no dia 19 de Março de 2019, da mesma vêm interpor

 

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

 

o que fazem nos termos dos artigos 70.º, n.ºs 1, al. b) e 2, 72.º, n.ºs 1, al. b), e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, e com os fundamentos que se seguem:

 

Colendos Juízes Conselheiros

Tribunal Constitucional

 

Vêm os Recorrentes requerer a apreciação da constitucionalidade material das seguintes normas:

 

1.    As normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio da igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação da garantia de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas, por violação do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

2.    E ainda das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio da igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação da garantia de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas, por violação do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

3.    A norma constante do artigo 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho (Lei do acesso ao direito e aos tribunais), interpretada no sentido de não interromper o prazo que se encontrar em curso em caso de pedido de dispensa de patrocínio formulado pelo defensor de um arguido, representa uma discriminação negativa ao próprio arguido, manifestamente violadora do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o legislador previu, no artigo 34.º do mesmo diploma, para situação idêntica em que se esteja perante um pedido formulado pelo patrono do assistente, a interrupção do mesmo prazo.

 

4.    A referida interpretação do artigo 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho (Lei do acesso ao direito e aos tribunais) é ainda violadora das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, e dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1, 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

5.    A aceitar-se a interpretação contrária, então estaria a aceitar-se, erradamente, que:

 

a)    O defensor que pede dispensa, ou seja, que está objectiva ou subjectivamente impedido de assegurar de forma efectiva a defesa do arguido, ficaria responsável pela prática de um acto cujo prazo termina muito depois dos 5 dias dentro dos quais a Ordem dos Advogados tem que nomear um substituto, nos termos do artigo 42.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho;

b)   O novo defensor, que não acompanhou o processo, nunca teve contacto com o arguido, não esteve presente no julgamento, tem de apresentar o recurso em prazo inferior ao prazo de 30 dias, previsto por lei e considerado razoável pelo legislador, ficando a duração deste dependente da álea e da burocracia do sistema de nomeações oficiosas ser mais ou menos rápido, podendo até a sua nomeação ocorrer no último dia de prazo;

c)    Por outro lado, o assistente que esteja na mesma situação, ou seja, cujo patrono tenha pedido escusa, beneficia da interrupção do prazo para apresentar o recurso da decisão final, o que consubstancia, a manter-se a decisão reclamada, uma violação flagrante do principio da igualdade.

 

6.    Uma qualquer interpretação no sentido que no âmbito do processo penal não se interrompe o prazo que estiver em curso por via da substituição do defensor nomeado ao arguido é, então, violadora das seguintes dimensões:

- Igualdade de armas entre assistente e o arguido;

- Direito à assistência pelo advogado (defesa efectiva).

 

7.    A dimensão igualdade de armas entre assistente e arguido encontra-se manifestamente beliscada, colocando em causa as garantias de defesa do arguido, tal como estão previstas na Lei Fundamental, no seu artigo 32.º, n.º 1, 3 e 5, até privilegiando a posição processual do assistente, na medida em que existe uma norma especial que regula e prevê a interrupção do prazo que se encontrar em curso, nos casos em que tenha existido um pedido de escusa formulado pelo patrono do assistente, contrariamente à solução concedida nas situações em que o pedido de dispensa de patrocínio é formulado pelo defensor do arguido.

 

8.    Relativamente à dimensão do direito à assistência pelo advogado, como consagrada e formulada pelos preceitos normativos nacionais, internacionais e da União Europeia, também ela se encontra visivelmente ameaçada, desde logo porque a assistência por advogado tem de ser efectiva e material.

 

9.    Uma garantia de defesa efectiva, e não apenas meramente aparente ou formal, é essencial para a defesa dos direitos do arguido (sendo, aliás, obrigatória a constituição de advogado em vários momentos do processo, desde logo, o exercício ao direito ao recurso) e pressupõe não só a existência de numa relação de confiança entre arguido e advogado, como deve ser concedido ao advogado os meios e o tempo necessários à formulação de qualquer defesa.

 

10. Mas mais, uma qualquer interpretação no sentido de que no âmbito do processo penal não se interrompe o prazo que estiver em curso por via da substituição do defensor nomeado ao arguido, na hipótese de o antigo defensor não ter garantido a defesa do arguido, praticando o acto cujo prazo se encontra a decorrer, no momento em que o novo defensor é nomeado, tem contacto, pela primeira vez, com o processo, a sua capacidade para cumprir o seu dever de defesa já se encontra manifestamente prejudicada pela redução do prazo que inicial e legalmente teria se tivesse sido nomeado em primeiro lugar, o que é defender uma interpretação abnorme que significa defender a impossibilidade de defesa.

 

11. Suscitam ainda os Recorrentes a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 267.º do TFUE e 7.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 34.º, da Lei 65/2003, de 23/08, na interpretação segundo a qual não é obrigatório o reenvio de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que se trate de questão decisiva, a sua solução não decorra claramente das normas de direito da União em causa, não tenha sido objecto de decisão pelo TJUE, ou a solução para a questão não decorra claramente dessa jurisprudência, constituindo consequentemente a decisão do tribunal de última instância em Portugal um desenvolvimento do direito da União à margem da jurisdição atribuída pelo TJUE pelo artigo 267.º, do TFUE, por violação dos artigos 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa.

 

12. O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa determina que as disposições dos Tratados e do direito da UE são aplicáveis nos termos deste direito, ou seja, no que diz respeito ao reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE, do qual resulta que o juiz natural ou juiz legal, nos termos do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, quando esteja em causa uma questão de interpretação do direito da UE cuja resposta não resulte de forma evidente de jurisprudência já estabelecida e seja determinante para a resolução do litígio a nível nacional, estando este perante tribunal que decida em última instância.

 

13. As referidas inconstitucionalidades foram expressamente suscitadas pelos Recorrentes na reclamação apresentada ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Évora, do despacho que não admitiu a interposição do recurso, conforme infra se transcreve:

 

51. Por todo o supra exposto, suscita-se, desde já, a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, da interpretação conjugada dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio da igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação da garantia de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas.

 

52. Suscita-se, ainda, a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, da interpretação conjugada dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio da igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação da garantia de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas.

 

D.  DA SOLUÇÃO IMPOSTA PELO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA E DO REENVIO PREJUDICIAL PARA O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE)

 

53. Tendo já decorrido o prazo de transposição da Directiva, em 27 de Novembro de 2016, a mesma já entrou em vigor na ordem jurídica da União Europeia e na ordem jurídica portuguesa.

 

54. Assim, as normas de direito interno que caibam no campo de aplicação da Directiva são consideradas normas que “implementam” a Directiva, independentemente de referencia expressa para o efeito.

55. Daí decorre, por força do primado da UE, que os tribunais nacionais estão sujeitos à:

a)   Obrigação de interpretação conforme – ou seja, ao interpretar uma norma interna que interfira com o normativo estabelecido na Directiva, o intérprete é obrigado a escolher o resultado interpretativo que dê execução às obrigações constantes da Directiva;

b)   Obrigação de desaplicar as normas de direito interno que contrariem a Directiva; 

c)   Obrigação de aplicação directa da Directiva – não sendo possível dar efeito às obrigações criadas pela Directiva através da interpretação conforme, deve ser aplicada directamente a norma da Directiva, desde que preenchidos os respectivos pressupostos ( ):

i.    Já ter decorrido o prazo de transposição;

ii.   A norma em causa conferir direitos e o conteúdo da norma ser suficientemente claro, preciso e incondicional, sendo desnecessária a prática de qualquer acto de transposição, quer pelos Estados-Membros, quer pelas instituições da União;

d)   Obrigação (para tribunais de última instância) ou faculdade (para tribunais de cuja decisão caiba recurso interno) de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, sempre que:

i.    Se suscite uma dúvida quanto à interpretação da Directiva;

ii.   Essa dúvida seja essencial e imprescindível para a decisão, i.e., a sua solução tenha impacto útil no processo português.

iii.  A interpretação não for evidente (no caso das Directivas ainda não há decisões do TJUE e há vários conceitos indeterminados que carecem de preenchimento, pelo que nestes casos estará preenchido pressuposto).

56. Conforme vimos, o prazo de transposição da Directiva (UE) 2013/48 já se esgotou. Assim, impõe-se a interpretação das normas dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, em conformidade com o seu art. 3.º, n.º 1, no sentido de se considerar que as normas internas que regulam a dispensa e substituição do defensor oficioso em processo penal têm de ser interpretadas no sentido de o prazo para apresentação de recurso da decisão condenatória se interromper com a apresentação do pedido de dispensa e até à nomeação de novo defensor, porquanto só esta solução dá execução à norma da Directiva que obriga a que os EM consagrem soluções normativas que permitam o exercício em tempo útil e de forma efectiva dos direitos de defesa, nos quais se inclui o recurso.

 

57. Conforme o artigo 3.º, n.º 1 da Directiva n.º 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Outubro de 2013, aplicável em processo penal, a partir do momento em que a pessoa suspeita ou acusada é informada dessa qualidade pelas autoridades competentes e até que “um eventual recurso seja apreciado”, nos termos dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, “os Estados-Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa”.

 

58. A referida Directiva “promove a aplicação da Carta [CDFUE], em especial dos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 47.º e 48.º, com base nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 8.º da CEDH, conforme interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, na sua jurisprudência constante, confirma o direito de acesso a um advogado. Essa jurisprudência prevê, nomeadamente, que a equidade do processo exige que o suspeito ou acusado tenha acesso a toda a gama de serviços especificamente associados com a assistência judiciária. A este respeito, os advogados dos suspeitos ou acusados deverão poder assegurar, sem restrições, os aspetos fundamentais da defesa”, considerando 12 do preâmbulo (nosso negrito e sublinhado).

 

59. Desta forma, as disposições dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, devem ser interpretadas em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1 da Directiva, no sentido de que os Estados-Membros que tenham uma regulamentação como a em causa nos presentes autos, para assegurar que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa, têm de considerar que em caso de pedido de dispensa pelo defensor nomeado, o prazo para interposição de recurso apenas conta a partir da nomeação do novo defensor, pois só assim este poderá garantir o exercício de forma efectiva e em tempo útil do direito ao recurso.

 

60. Esta solução decorre da própria CDFUE e da CEDH, à luz das quais deve ser interpretada aquela norma da Directiva, em particular os artigos 47.º, 48.º, n.º 2 da CDFUE e 6.º n.º 1 e n.º 3, da CDEH.

 

61. A concluir-se que a letra e o espirito das disposições internas supra referidas não permite uma interpretação conforme à Directiva, com aquele sentido, então as normas dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e dos artigos 66.º e 67.º do Código de Processo Penal, deverão ser desaplicadas, sob pena de violação do primado do Direito da União Europeia, e do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

62. Tendo V. Exa. dúvidas sobre a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 da Directiva, deverá submeter a questão à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por meio de reenvio prejudicial, colocando as seguintes questões:

 

a)   A norma do artigo 3.º, n.º 1 da Directiva UE/2013/48 impõe que os artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, sejam interpretados no sentido que em caso de pedido de dispensa pelo defensor nomeado, o prazo para interposição de recurso apenas conta a partir da nomeação do novo defensor, pois só assim este poderá garantir o exercício de forma efectiva e em tempo útil do direito ao recurso?

b)   Em caso de resposta negativa à primeira questão, essa interpretação é conforme aos artigos 47.º e 48.º, n.º 2 da CDFUE?

 

63. As questões interpretativas de direito da União Europeia devem ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por meio de reenvio prejudicial, sob pena de violação do artigo 267.º do TFUE, e em particular o n.º 3, já que o reenvio é obrigatório para o Tribunal de última instância, e do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

 

64. O não reenvio para o TJUE de uma questão de interpretação do direito da União quando existam dúvidas interpretativas sobre o seu conteúdo e esta seja necessária para a decisão de um processo nacional pelo tribunal de última instância e inexistam decisões do TJUE sobre a questão suscitada é inconstitucional, por violação do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e do princípio do primado do direito da UE, e do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, todos conjugados com o artigo 267.º, em particular o n.º 3, do TFUE.

 

65. Neste sentido decidiu o Tribunal Constitucional Federal alemão, por despacho de 19.12.2017, no processo 2 BvR 424/17, disponível em língua inglesa em https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Entscheidungen/EN/2017/12/rs20171219_2bvr042417en.html;jsessionid=840578633B85518ADB1EEA18C0C27FC8.1_cid394).

 

66. Como explica o Tribunal,

“1. No caso de surgirem dúvidas sobre a aplicação ou interpretação do direito da União Europeia, os tribunais comuns devem, antes de mais, reenviar as questões relevantes para o TJUE. O TJUE é o juiz natural [a expressão alemã é “juiz legal”] no sentido do art. 101, n.º 1, segunda parte, da GG nestes casos. Estando preenchidas as condições definidas no art. 267.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é exigido aos tribunais nacionais que reenviem as suas questões ao TJUE ex officio. Se um tribunal alemão não cumprir com o seu dever de reenviar uma questão para decisão prejudicial ou se fizer um pedido de reenvio prejudicial referente a questões para as quais o TJUE não tenha jurisdição, poderá ser violado o direito ao seu juiz natural, garantido à pessoa que procura protecção jurídica nos processos de partida.

a) De acordo com a jurisprudência do TJUE (TJEU, Acórdão de 6 de Outubro de 1982, C.I.L.F.I.T., C-283/81 [...], parágrafo 21), um tribunal nacional contra cujas decisões inexista um meio de impugnação tem de cumprir com o seu dever de reenvio quando uma questão de direito da União Europeia seja suscitada no processo perante si, a não ser que o tribunal tenha estabelecido que a questão não é decisiva, que a disposição de direito da União Europeia já tenha sido interpretada pelo TJUE ou que a aplicação correcta do direito da União Europeia é tão óbvia que não deixa margem para dúvidas razoáveis.

b) No entanto, o Tribunal Constitucional federal apenas intervém no que se refere à interpretação e aplicação de disposições que regem a alocação da jurisdição entre tribunais se as disposições em causa forem interpretadas e aplicadas de forma que não mais possa considerar-se razoável e como tal manifestamente inaceitável quando apreciadas criticamente as noções centrais da Lei Fundamental”

2. Estes princípios também se aplicam à alocação da jurisdição de acordo com o direito da união Europeia no art. 267.º, n.º 3, do TFUE. Por isso, o não cumprimento do dever de reenvio ao abrigo do direito da União Europeia nem sempre constitui violação do art. 101.º, n.º 1, da GG [...] Esta sindicação limitada pelo Tribunal Constitucional federal garante aos tribunais comuns uma margem de apreciação e valoração ao interpretar e aplicar o direito da União Europeia. Esta margem corresponde à margem de apreciação concedida aos tribunais quando aplicam normas de direito ordinário na ordem jurídica alemão. O Tribuna Constitucional federal apenas assegura que os limites desta margem são observados. Não ser como um “supremo tribunal para revisão de reenvios”.

a) O dever de reenvio ao abrigo do art. 267.º, n.º 3, TFUE é aplicado de forma manifestamente inaceitável quando – na perspectiva do tribunal em causa – uma questão de direito Europeu seja decisiva no processo perante um tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação e, apesar disso, o tribunal nem sequer considere um reenvio apesar de ter dúvidas sobre como resolver correctamente a questão decisiva em causa e por isso desenvolva por sua própria autoridade o direito da União Europeia (desrespeito fundamental da obrigação de reenvio). Isto aplica-se mais ainda se o tribunal não pesquisar de forma suficiente o direito (substantivo) relevante. Nesses casos, o tribunal desrespeita generalizadamente a obrigação de reenvio. O mesmo é verdade quando o tribunal não analisa a jurisprudência do TJUE que seja obviamente aplicável. [...].

b) O mesmo se aplica nos casos em que um tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação chegue a uma conclusão que deliberadamente de desvie da jurisprudência do TJUE em questões decisivas, mas ainda assim escolha não requerer uma (novo) decisão prejudicial (desvio deliberado sem reenvio)”

c) Por outro lado, se a questão decisiva de direito da União Europeia ainda não tiver sido decidida pela jurisprudência do TJUE, se parecer parece possível que a jurisprudência existente não trata a questão decisiva exaustivamente ou se um maior desenvolvimento da jurisprudência do TJUE não parece uma possibilidade remota (jurisprudência incompleta), o art. 101.º, n.º 1, segunda parte, da GG, é violado se o tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação excede de forma inaceitável a margem de apreciação que lhe é necessariamente conferida. Por este motivo, ao aplicar e interpretar o direito (substantivo) da União Europeia relevante, o tribunal comum tem de chegar à conclusão razoável de que os standards jurídicos aplicáveis ou são claros desde logo (“acte clair”) ou clarificados para lá da dúvida razoável na jurisprudência do TJUE (“acte éclairé”). Caso a questão não tenha ainda sido inteiramente resolvida, o art. 267.º, n.º 3, TFUE é certamente aplicado de forma inaceitável se o tribunal comum conclui que a situação jurídica é clara desde logo ou está clarificada para lá da dúvida razoável, sem avançar argumentos objectivos que fundamentem a sua conclusão”. (tradução nossa, citações do BVerfGE omitidas)

 

67. No caso em apreço, estavam em causa normas que aplicavam o direito da União, para efeitos do art. 51.º (DQ sobre o Mandado de Detenção Europeu) e o Tribunal era de última instância.

 

68. Esta análise é perfeitamente transponível para o ordenamento jurídico-constitucional português, em particular a propósito dos arts. 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa.

 

69. As questões de direito da União suscitadas são questões essenciais ao desfecho do presente processo – já que determinam a tempestividade do recurso apresentado pelos arguidos da decisão condenatória contra si proferida.

 

70. Mais, sendo questões novas, não decididas pelo TJUE, não resultando claro da jurisprudência existente até à data a resposta que o direito da União daria às mesmas, como interpretado pelo TJUE.

 

71. V. Exa. é última instância neste processo quanto à questão da tempestividade do recurso.

 

72. Assim, é obrigatório o reenvio da questão suscitada, sob pena de violação do artigo 267.º, em particular o n.º 3, do TFUE.

 

73. Sendo inconstitucional, por violação dos artigos 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, interpretação do artigo 267.º do TFUE e do artigo 7.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 34.º, da Lei 65/2003, de 23/08, segundo a qual não é obrigatório o reenvio de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que se trate de questão decisiva, a sua solução não decorra claramente das normas de direito da União em causa, não tenha sido objecto de decisão pelo TJUE, ou a solução para a questão não decorra claramente dessa jurisprudência, constituindo consequentemente a decisão do tribunal de última instância em Portugal um desenvolvimento do direito da União à margem da jurisdição atribuída pelo TJUE pelo artigo 267.º, do TFUE.

 

74. O artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa determina que as disposições dos Tratados e do direito da UE são aplicáveis nos termos deste direito, ou seja, no que diz respeito ao reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE, do qual resulta que o juiz natural ou juiz legal, nos termos do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, quando esteja em causa uma questão de interpretação do direito da UE cuja resposta não resulte de forma evidente de jurisprudência já estabelecida e seja determinante para a resolução do litígio a nível nacional, estando este perante tribunal que decida em última instância.

 

 

14. As referidas inconstitucionalidades foram directa e indirectamente conhecidas, por via do indeferimento da questão principal à qual as inconstitucionalidades estavam associadas, pois, como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, proferido no âmbito do Processo n.º 05P2951, mesmo que não aprecie todos os argumentos invocados pela parte em apoio da sua pretensão, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.

 

15. Em concreto, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a decisão reclamada não é violadora de “quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da EU, designadamente, os invocados pelos reclamantes”, pelo que indeferiu a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 405.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.

 

Termos em que, por terem sido aplicadas normas cuja interpretação normativa é, in casu, patentemente inconstitucional, por violação dos artigos 8.º, n.º 4, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3, 5 e 9, da Constituição da República Portuguesa, e tendo sido tal inconstitucionalidade devidamente suscitada pelos Recorrentes na reclamação apresentada ao Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Évora, do despacho que não admitiu a interposição do recurso, sendo estes parte legítima e o recurso ora interposto legal e tempestivo, se requer a sua admissão, seguindo-se os demais termos até final

 

4. O recurso para este Tribunal foi admitido pelo Tribunal a quo, por despacho de fls. 128., com subida imediata e efeito suspensivo.

 

5. Notificados, após a subida dos autos a este Tribunal,  para, querendo, aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso (cf. despacho de fl. 134) nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC (indicando qual a exata norma ou exatas normas, ou sua dimensão normativa, cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada e, ainda, qual a peça processual em que suscitaram a questão que pretendem ver apreciada), vieram os recorrentes responder (cf. fls. 136-141):

 

«A. e B., tendo sido notificados, nos termos do disposto no art. 75.º-A, n.º 6 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), para aperfeiçoarem o requerimento de interposição de recurso interposto para este Colendo Tribunal, ao abrigo do art. 70.º, n.º 1, al. b), da mesma lei, vêm, muito respeitosamente, apresentar requerimento aperfeiçoado:

I. Enquadramento dos antecedentes processuais ao presente recurso

1.    Os Recorrentes, arguidos no processo n.º 1046/14.7TASXL foram julgados na ausência, tendo sido representados por uma Defensora Oficiosa.

2.    Foram notificados presencialmente da sentença condenatória no dia 19 de Novembro de 2018, porém a Defensora apresentou pedido de dispensa de patrocínio em 23 de Novembro de 2018, juntando no processo o comprovativo respectivo, tendo a ora signatária, Vânia Costa Ramos, sido nomeada em substituição da Colega em 4 de Dezembro de 2018.

3.    Em Janeiro de 2019, a ora signatária Diana Silva Pereira, legitimada por substabelecimento com reserva, apresentou recurso da decisão condenatória para o Tribunal da Relação, recurso que, por decisão do Tribunal da condenação, de 21 de Janeiro de 2019, não foi admitido, por extemporâneo.

4.    Dessa decisão foi apresentada Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art. 405.º, n.º 1, do CPP, a qual foi indeferida por decisão de 19 de Março de 2019. Esta é decisão de última instância, nos termos do art. 405.º, n.º 4, do CPP, da qual foi apresentado o recurso para o Tribunal Constitucional que está na origem dos presente autos, nos termos do disposto nos arts. 70º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e 3, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 75.º-A, n.º 1 e 2, da LTC.

II. As dimensões normativas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

5.    Em primeiro lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, bem como do art. 34.º, do mesmo diploma, e do artigo 66.º, do Código de Processo Penal.

6.    A inconstitucionalidade é suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso.

7.    O art. 39.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, manda aplicar “à nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição” as normas do CPP e do capítulo IV daquela Lei, no que aqui releva.

8.    O art. 42.º refere que o defensor nomeado pode pedir a dispensa de patrocínio invocando fundamento que considere justo, por requerimento dirigido à Ordem dos Advogados, mantendo-se em funções até à sua substituição que deve ser decidida em cinco dias, podendo ser nomeado defensor em caso de urgência.

9.    O art. 34.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, determina que o pedido de escusa formulado mediante requerimento à Ordem dos Advogados interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos autos do respectivo comprovativo.   

10. O art. 66.º, n.º 2, do CPP, prevê também a dispensa de patrocínio, prevendo no n.º 4 que o Defensor mantém-se em funções até à respectiva substituição, neste aspecto sendo idêntico ao artigo 42.º da Lei 34/2004.

11.  Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada daqueles preceitos, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal, a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso.

12. A decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019, aplicou a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e que constitui ratio decidendi:

Aquela decisão afirma que “[o] despacho reclamado, a fls. 82 destes autos, não recebeu o recurso com fundamento em que é extemporâneo, porquanto o prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de substituição de defensor oficioso apresentado no seu decurso, à luz do disposto nos artigos 39.º e 42.º da Lei 34/2004, de 29.07 e artigo 66.º do CPP. [...] “[a] questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 01/03/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 [...]. “Tem sido nosso entendimento que o disposto no n.º 2, do art. 34.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação no processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso”, citando jurisprudência na qual se afirma que “a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 [...], a nomeação do defensor ao arguido são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor para um acto mantêm-se [sic] para os actos subsequentes” (pp. 1-2 da decisão), para terminar concluindo que o prazo (cuja contagem é efectuada pela decisão nos termos do disposto nos artigos 411.º, n.º 1, al. a), do CPP) não se interrompendo já tinha terminado antes da data em que foi apresentado o recurso.

13. Em segundo lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, bem como do art. 34.º, do mesmo diploma, e os artigos 66.º, 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

14. A inconstitucionalidade é suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso.

15. O art. 39.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, manda aplicar “à nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição” as normas do CPP e do capítulo IV daquela Lei, no que aqui releva.

16. O art. 42.º refere que o defensor nomeado pode pedir a dispensa de patrocínio invocando fundamento que considere justo, por requerimento dirigido à Ordem dos Advogados, mantendo-se em funções até à sua substituição que deve ser decidida em cinco dias, podendo ser nomeado defensor em caso de urgência.

17. O art. 34.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, determina que o pedido de escusa formulado mediante requerimento à Ordem dos Advogados interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos autos do respectivo comprovativo.   

18. O art. 66.º, n.º 2, do CPP, prevê também a dispensa de patrocínio, prevendo no n.º 4 que o Defensor mantém-se em funções até à respectiva substituição, neste aspecto sendo idêntico ao artigo 42.º da Lei 34/2004.

19. Do artigo 411.º, n.º 1, alínea a), do CPP, decorre que o prazo de interposição de recurso da decisão condenatória é de 30 dias a contar da notificação da mesma.

20.Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa daqueles preceitos, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso.

21. A decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019, aplicou a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e que constitui ratio decidendi:

Aquela decisão afirma que “[o] despacho reclamado, a fls. 82 destes autos, não recebeu o recurso com fundamento em que é extemporâneo, porquanto o prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de substituição de defensor oficioso apresentado no seu decurso, à luz do disposto nos artigos 39.º e 42.º da Lei 34/2004, de 29.07 e artigo 66.º do CPP. [...] “[a] questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 01/03/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 [...]. “Tem sido nosso entendimento que o disposto no n.º 2, do art. 34.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação no processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso”, citando jurisprudência na qual se afirma que “a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 [...], a nomeação do defensor ao arguido são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor para um acto mantêm-se [sic] para os actos subsequentes” (pp. 1-2 da decisão), para terminar concluindo que o prazo (cuja contagem é efectuada pela decisão nos termos do disposto nos artigos 411.º, n.º 1, al. a), do CPP, pelo que tal norma deve considerar-se implicitamente aplicada) não se interrompendo já tinha terminado antes da data em que foi apresentado o recurso.

22.Em terceiro lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada da norma constante do artigo 7.º do Código de Processo Penal.

23.A inconstitucionalidade é suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que não é obrigatório o reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância, sempre que preenchidos os requisitos de obrigatoriedade estabelecidos no direito da União (no art. 267.º, do TFUE).

24.O art. 267.º do TFUE estabelece a jurisdição exclusiva do TJUE para decidir, a título prejudicial, sobre questões de validade ou de interpretação do direito da União, sendo o reenvio obrigatório para tribunais internos que decidam em última instância. A jurisprudência do TJUE concretiza que sempre que a questão de direito da União se trate de questão decisiva, a sua solução não decorra claramente das normas de direito da União em causa, não tenha sido objecto de decisão pelo TJUE, ou a solução para a questão não decorra claramente dessa jurisprudência, é obrigatório o reenvio.

25.O art. 7.º, n.º 2, do CPP diz que “pode” o Tribunal suspender o processo penal para que uma questão não penal suscitada seja decidida pelo Tribunal competente, não prevendo a obrigatoriedade do reenvio para o TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE, para os Tribunais que decidam em última instância.

26.Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade do art. 7.º, do CPP, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade.

III. Normas e princípios constitucionais violados

27.No que se refere à primeira questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso).

28.No que se refere à segunda questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso).

29.No que se refere à terceira questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural ou legal).

30.A decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019, aplicou as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e que constituem ratio decidendi, ao considerar que “não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes”.

IV. Peça processual em que foi suscitada a questão de inconstitucionalidade

31. As inconstitucionalidades supra referidas foram suscitadas no requerimento de Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, apresentado nos termos do art. 405.º, n.º 1, do CPP, em 4 de Fevereiro de 2019, que esteve na origem da decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019, que indeferiu aquela Reclamação, decidindo em última instância a questão da tempestividade do recurso da decisão condenatória de primeira instância apresentado pelos arguidos.

32.Em concreto, a primeira e segunda questões de constitucionalidade normativa supra identificadas foram suscitadas nos pontos 18, 19, 51 e 52; a terceira questão de constitucionalidade normativa supra identificada foi suscitada no ponto 73; suscitação trazida aos autos de forma adequada, já que colocou a Vice-Presidente do Tribunal da Relação em posição de ter de emitir pronúncia sobre as referidas questões, o que fez afirmando que “não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes”.

 

Termos em que requerem os ora Recorrentes que, considerando o aperfeiçoamento agora apresentado, seja admitido, sendo os Recorrentes notificados para alegar, nos termos do art. 78.º-A, n.º 5, e 79.º da LTC, e conhecidas as questões de constitucionalidade invocadas, decidindo-se pela sua inconstitucionalidade, com os efeitos previstos no art. 80.º da LTC.»

 

6. Tendo os autos prosseguido neste Tribunal, foi proferido pela relatora despacho para a produção de alegações (cf. fl. 143) – circunscrevendo-se o objeto do recurso e notificando-se as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento de parte do objeto do recurso por falta de verificação de pressupostos processuais –, nos seguintes termos:

 

«Atenta a resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso (de fls. 136-141) notifiquem-se as partes para alegar, no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5, e 79.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as advertências e a delimitação do objeto do recurso que de seguida se explicitam.

 

i) Quanto à primeira questão identificada no ponto II, 5 e 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objeto do recurso por a dimensão normativa em causa extraída do arco normativo indicado não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de março de 2019);

 

ii) Quanto à segunda questão identificada no ponto II, 13 e 14 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, delimitando o objecto do recurso ao arco normativo circunscritos aos artigos 39.º, n.º 1, e 42.º (n.ºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de julho e aos artigo 66.º (n.ºs 2 e 4), e 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34.º daquela Lei não constituiu a ratio decidendi da decisão ora recorrida;

 

iii) Quanto à terceira questão identificada no ponto II, 22, da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objeto do recurso por a dimensão normativa em causa alegadamente extraída do artigo 7.º do Código de Processo Penal não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de março de 2019) e não constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade. (...)».

 

7. Ambas as partes apresentaram alegações.

 

7.1 Os recorrentes apresentaram alegações nos seguintes termos (cf. fls. 157-194, reiteradas a fls. 201-219 com verso):

 

«A. e B., tendo sido notificados do teor do despacho proferido pela Exma. Juíza Conselheira Relatora a fls. 144-145 e notificados, nos termos dos artigos 78.º-A, n.º 5 e 79.º, n.ºs 1 e 2 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para alegar de acordo com o determinado no referido despacho, vêm, muito respeitosamente, apresentar as suas alegações:

 

Nota prévia

 

1.    Os Recorrentes foram notificados para alegar quanto às três questões suscitadas, sendo que, quanto à primeira e terceira questões, foram notificados com indicação para se pronunciarem sobre o possível não conhecimento do mérito, por a questão poder não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida e, no caso da terceira questão, também por a questão em si poder não ser susceptível de apreciação de constitucionalidade.

 

2.   Embora a primeira e segunda questões sejam referentes a dimensões normativas diferentes, no entendimento dos Recorrentes, a apreciação da constitucionalidade das mesmas há-de ser feita, quase na sua totalidade, ao abrigo das mesmas disposições constitucionais e considerações a estas subjacentes.

 

3.   Por este motivo, os Recorrentes apresentarão as suas alegações com a seguinte estrutura:

A. Da coincidência da primeira questão de constitucionalidade com a ratio decidendi da decisão recorrida

B. Da inconstitucionalidade material das dimensões normativas subjacentes à primeira e segunda questões de constitucionalidade

C. Da admissibilidade do conhecimento da terceira questão de constitucionalidade

 

4.   Para facilidade de leitura, aqui se transcrevem os preceitos cuja constitucionalidade foi suscitada:

¾  O artigo 39.º (Nomeação de defensor), n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho estatui que A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º”;

¾  O artigo 42.º (Dispensa de patrocínio), n.º 1 e 3, da Lei 34/2004, de 29 de Julho estatui que: “1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados” e que “3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”;

¾  O artigo 66.º (Defensor nomeado), n.ºs 2 e 4 do Código de Processo Penal estatui que “2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa” e que “4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”; e

¾  O artigo 411.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal estatui que “1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se: a) A partir da notificação da decisão”.

 

5.   Apesar de não ser um dos preceitos cuja constitucionalidade é objecto de apreciação no presente recurso, por ser relevante para o juízo de inconstitucionalidade como infra se explicará, transcreve-se ainda o artigo 34.º (pedido de escusa), da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que estatui que “1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos. 2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º 3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior. 4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias. 5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim. 6 - O disposto nos n.os 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes”.

 

A.   Da coincidência da primeira questão de constitucionalidade com a ratio decidendi da decisão recorrida

 

6.    Em primeiro lugar, foram os Recorrentes notificados para alegarem “[q]uanto à primeira questão identificada no ponto II, 5 e 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objecto do recurso por a dimensão normativa em causa extraída do arco normativo indicado não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019)”.

 

7.   Os Recorrentes apresentaram recurso para o Tribunal Constitucional requerendo a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, bem como do artigo 34.º, do mesmo diploma, e do artigo 66.º, do Código de Processo Penal (cf. ponto II, artigo n.º 5 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento).

 

8.   A inconstitucionalidade foi suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso (cf. ponto II, artigo n.º 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento).

 

9.   Em segundo lugar, é fundamental relembrar o que decidiu o Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, na sua decisão de 19 de Março de 2019:

 “[o] despacho reclamado, a fls. 82 destes autos, não recebeu o recurso com fundamento em que é extemporâneo, porquanto o prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de substituição de defensor oficioso apresentado no seu decurso, à luz do disposto nos artigos 39.º e 42.º da Lei 34/2004, de 29.07 e artigo 66.º do CPP. [...] “[a] questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 01/03/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 [...]. “Tem sido nosso entendimento que o disposto no n.º 2, do art. 34.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação no processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso”, citando jurisprudência na qual se afirma que “a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 [...], a nomeação do defensor ao arguido são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor para um acto mantêm-se [sic] para os actos subsequentes” (pp. 1-2 da decisão), para terminar concluindo que o prazo (cuja contagem é efectuada pela decisão nos termos do disposto nos artigos 411.º, n.º 1, al. a), do CPP), não se interrompendo, já tinha terminado antes da data em que foi apresentado o recurso.

 

10.Em terceiro lugar, importa esclarecer e precisar qual o conceito de ratio decidendi, para efeitos de conhecimento, pelo Tribunal Constitucional, da questão de constitucionalidade suscitada.

 

11. Ensinam-nos Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, a este propósito, que “o objecto do recurso interposto ao abrigo da al. b) é a questão de inconstitucionalidade de norma de que a decisão recorrida faça efectiva aplicação” e que “se aplica uma norma quando ela constitui a ‘ratio decidendi’ da decisão, o fundamento normativo do seu próprio conteúdo, ou do julgamento da causa, e não quando é mencionada como simples obiter dictum (acs. 82/92, 116/93, 367/94)” (cf. Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de Constitucionalidade, Jurisprudência, Doutrina, Formulário, Coimbra Editora, Fevereiro, 1997, página 39).

 

12. Aprofundando, referem ainda que “a aplicação da norma pode ser expressa como implícita (acs. 88/86, 47/90, 235/93) e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acs. 114/89, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90, 283/94, 176/88, 763/93, 51/92)” (nosso negrito e sublinhado).

 

13. Deste modo, deve concluir-se que a referida dimensão normativa cuja constitucionalidade foi sindicada nos artigos 5.º e 6.º, do ponto II, da resposta ao convite de aperfeiçoamento, constitui ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019), devendo, por conseguinte, ser conhecido o objecto do presente recurso.

 

14.Na remota hipótese de assim não se entender, o que não se concebe, mas que por mera cautela de patrocínio se conjectura, impõe-se recordar que os Recorrentes suscitaram à cautela – e mantêm – a arguição de constitucionalidade da dimensão normativa indicada no artigo 5.º e 6.º, do ponto II, da resposta ao convite para aperfeiçoamento, porquanto existe jurisprudência deste Colendo Tribunal que considera que, mesmo em casos em que se discute se o pedido de substituição de defensor tem um efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de interposição de recurso da decisão condenatória, tal dimensão normativa não resulta necessariamente da aplicação do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

 

15.Isto por não estar em causa a questão de saber a partir de que momento e de que forma é feito o cômputo do prazo para interposição de recurso (designadamente, se tal prazo se conta a partir do depósito da sentença na secretaria e se se conta ininterruptamente, sendo ou não contínuo), mas antes saber se o pedido de substituição de defensor tem um efeito interruptivo ou suspensivo de tal prazo.

 

16.Além do mais, a dimensão normativa suscitada naquele artigo 5.º e 6.º, do ponto II, da resposta ao convite para aperfeiçoamento, corresponde à dimensão normativa indicada no artigo 13.º e 14.º, do ponto II, mas mais alargada, podendo considerar-se que esta, sendo mais restrita, está contida na primeira.

 

17.Tal não significa, todavia, que deva considerar-se que esta dimensão mais alargada não tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida que considerou, como fundamento de decisão, que o pedido de substituição de defensor nunca interrompe o prazo que esteja em curso, no qual se inclui o prazo de interposição de recurso.

 

18.Razão pela qual deverá conhecer-se do objecto do presente recurso, no que respeita à questão indicada nos artigos 5.º e 6.º, do ponto II, da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, conhecendo do seu mérito, nos termos em que se exporá de seguida.

 

 

B.  Da inconstitucionalidade material das dimensões normativas subjacentes à primeira e segunda questões de constitucionalidade

 

19.Recordemos que foram os Recorrentes notificados para alegarem “[q]uanto à primeira questão identificada no ponto II, 5 e 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento […]”.

 

20.                        Os Recorrentes apresentaram recurso para o Tribunal Constitucional requerendo a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, bem como do artigo 34.º, do mesmo diploma, e do artigo 66.º, do Código de Processo Penal (cf. ponto II, artigo n.º 5 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento).

 

21. A inconstitucionalidade foi suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso (cf. ponto II, artigo n.º 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento).

 

22.                        Os Recorrentes admitem, também aqui, a delimitação do objecto do recurso ao arco normativo circunscrito aos artigos 39.º, n.º 1 e 42.º (n.ºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66.º (n.ºs 2 e 4), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34.º daquela lei poderá não constituir ratio decidendi da decisão ora recorrida (muito embora seja relevante para o juízo de inconstitucionalidade, como infra se aduzirá).

 

23.                        Os Recorrentes foram ainda notificados para alegarem “[q]uanto à segunda questão indicada no ponto II, 13 e 14 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, delimitando o objecto do recurso ao arco normativo circunscrito aos artigos 39.º, n.º 1 e 42.º (n.ºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66.º (n.ºs 2 e 4), e 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34.º daquela lei não constitui ratio decidendi da decisão ora recorrida”.

 

24.                        Por referência ao ponto II, artigos 13.º e 14.º, da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, os Recorrentes requereram a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, bem como do artigo 34.º, do mesmo diploma, e os artigos 66.º, 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

 

25.                        A inconstitucionalidade foi suscitada, conforme já aludido, no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso.

 

26.                        Foram os arguidos notificados para se pronunciarem relativamente à questão supra identificada, delimitando o objecto do recurso ao arco normativo circunscrito aos artigos 39.º, n.º 1 e 42.º (n.ºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66.º (n.ºs 2 e 4), e 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34.º daquela lei poderá não constituir ratio decidendi da decisão ora recorrida.

 

27.                        Os Recorrentes admitem a delimitação do objecto do recurso ao arco normativo circunscrito aos artigos 39.º, n.º 1 e 42.º (n.ºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66.º (n.ºs 2 e 4), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34.º daquela lei poderá não constituir ratio decidendi da decisão ora recorrida (muito embora seja relevante para o juízo de inconstitucionalidade, com infra se aduzirá).

 

28.                        Importa verificar e decidir se as normas ou dimensões normativas aplicadas como ratio decidendi pela decisão recorrida importam, ou não, um encurtamento constitucionalmente inadmissível das garantias de defesa do arguido que redunde na sua inconstitucionalidade material.

 

29.                        Entendem os Recorrentes que, no caso sub judice, verifica-se, claramente, um tal encurtamento, que se manifesta, em concreto, na preterição das garantias de defesa do arguido, no processo penal, maxime, no que diz respeito ao recurso de uma decisão final e condenatória.

 

30.                        Os parâmetros de constitucionalidade que devem fundar a decisão no sentido da inconstitucionalidade andam em torno de dois núcleos essenciais:

i) a inconstitucionalidade per se, das dimensões normativas subjacentes à decisão recorrida, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal, concretizado no direito constitucional de defesa em processo penal, composto de um núcleo complexo de garantias, nas quais se incluem o direito ao recurso, o direito de assistência por Advogado, e o direito a dispor de tempo razoável para preparação da defesa, em particular no referente ao direito ao recurso (artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa);

 

ii) a inconstitucionalidade das dimensões normativas subjacentes à decisão recorrida, por violação do princípio da igualdade e do direito à igualdade de armas no processo penal, tendo em conta o tratamento diferente e injustificado dos efeitos do pedido de escusa do defensor do arguido (não interrompendo o prazo que se encontre em curso), face ao pedido idêntico do patrono do assistente (interrompendo o prazo que se encontre em curso), que resulta dessa dimensão normativa, conferindo discriminação prejudicial do arguido no respeito aos seus direitos constitucionais à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal, concretizado no direito constitucional de defesa, composto de um núcleo complexo de garantias, nas quais se incluem o direito ao recurso, o direito de assistência por Advogado, e o direito a dispor de tempo razoável para preparação da defesa, em particular no referente ao direito ao recurso  (artigos 13.º, 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5  da Constituição da República Portuguesa).

 

Vejamos,

 

31.A interposição de recurso depende obrigatoriamente da assistência de um defensor legalmente habilitado para subscrever, em nome do arguido, o requerimento de interposição e a respectiva motivação de recurso (cf. artigo 64.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal), não podendo o arguido, sozinho, redigir e submeter tais peças processuais.

 

32.                        Assim, sempre que exista a formulação de um pedido de substituição, vulgo “escusa”, por parte do defensor oficioso nomeado, fica o arguido evidentemente impedido de se defender perante um Tribunal superior e à mercê da nova nomeação de defensor e consequente assistência efectiva daquele.

 

33.                        Deste modo, a contagem do prazo para recorrer de decisão final não pode, nem deve, ser alheia a tal vicissitude, sob pena de a intervenção de um novo defensor nomeado ficar prejudicada por extemporaneidade e, com isso, frustrada a garantia material de interposição de recurso pelo arguido.

 

34.                        No presente caso, a defensora oficiosa dos arguidos, ora Recorrentes, recusou-se a interpor o recurso, tendo apresentado junto da Ordem dos Advogados, o seu pedido de substituição, em 23/11/2018, requerendo a junção aos autos do respectivo comprovativo, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, do qual decorre que “o pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º”.

 

35.                        Na sequência de tal pedido, veio a ora signatária, Vânia Costa Ramos, a ser nomeada para assistir os arguidos nos actos processuais subsequentes, em 4/12/2018. No ofício de nomeação não constava qualquer endereço de contacto dos arguidos, tendo a signatária então recorrido às moradas disponíveis no portal da OA e no registo comercial para envio de cartas aos arguidos. Apenas no dia 11/12/2018 a defensora conseguiu contacto com os arguidos, data em que lhe comunicaram pretender recorrer, tendo incumbido uma Colega de escritório de representar os Recorrentes, por se encontrar no estrangeiro (cf. documentos juntos com a Reclamação contra a não admissão do recurso, com a Ref.ª CITIUS 21770427).

 

36.                        Ora, em face do concreto pedido de substituição da defensora nomeada, ficaram os arguidos, ora Recorrentes, obviamente impossibilitados de interporem recurso da sentença que os condenou, enquanto não contassem com a assistência efectiva (e não meramente aparente) de um novo defensor.

 

37.                        Conforme bem salienta o Acórdão n.º 159/2004 do Tribunal Constitucional, apesar do artigo 66.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, afirmar que “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”, é preciso evidenciar que, embora se reconheça que a ratio normativa deste preceito tenha, nas palavras da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, um “cunho marcadamente garantístico”, de forma a evitar uma situação de “vazio” na assistência ao arguido, é fundamental que não se faça uma interpretação normativa que, assentando no cumprimento literal do preceito, desconsidere o facto de o arguido estar efectivamente sem defesa e impedido de recorrer, e determine a contagem ininterrupta do prazo para a interposição de recurso em termos que, quando a decisão é notificada ao novo defensor já não existir qualquer possibilidade de sindicar o decidido pela 1.ª instância (ou, acrescentamos nós, apenas possibilidade de o fazer de forma inadequada, por o prazo ser menor do que o legal, prazo esse considerado pelo legislador como o prazo razoável ou adequado, para o efeito).

 

38.                        De notar que, no referido Acórdão, foi decidido pelo Tribunal Constitucional “julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 66.º, n.º 4, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da decisão na Secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição foi requerida, o que foi deferido por o tribunal a quo considerar existir justa causa para essa substituição”.

 

39.                        Para tanto, fundamentou o Tribunal Constitucional que “no que concerne especificamente ao direito de acesso ao direito e aos tribunais – artigo 20.º, n.º 1, da Constituição – parâmetro constitucional igualmente invocado no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, é de concluir que a norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra enferma igualmente de inconstitucionalidade, na medida em que, como supra se referiu, desconsiderando a recusa por parte da defensora substituída de interpor recurso e carecendo o arguido de defensor para o interpor, determina a contagem ininterrupta do prazo, impossibilitando o recurso ao Tribunal da Relação como via de sindicância da decisão condenatória proferida em 1.ª instância”.

 

40.                        Assim, uma eventual interpretação das normas sindicadas que expressamente considere que a interrupção do prazo que se encontre em curso, nomeadamente para recurso de decisão condenatória não se aplica ao pedido de substituição de defensor, é manifestamente violadora dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, que aludem e consagram o direito de acesso ao direito e aos tribunais, a representação por Advogado e o direito a um processo justo e equitativo, as garantias de defesa em processo penal e a estrutura acusatória do processo, a garantia de assistência efectiva por Advogado e a garantia do direito ao recurso.

 

41.Além do mais, as dimensões normativas cuja constitucionalidade é sindicada, no sentido de não interromper o prazo que se encontrar em curso, incluindo o prazo para recurso de decisão condenatória, em caso de pedido de dispensa de patrocínio formulado pelo defensor de um arguido, representa uma discriminação negativa ao próprio arguido, manifestamente violadora do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade de armas inerente à estrutura acusatória do processo, conjugadas com as demais garantias referidas no ponto antecedente, constantes do artigo 20.º, n.º 1 e 4 e 32.º, n.º 1, 3 e 5 da CRP, uma vez que o legislador previu, no já aludido artigo 34.º da Lei n.º 34/2004 de 29/07, para situação idêntica em que se esteja perante um pedido formulado pelo patrono do assistente, a interrupção do mesmo prazo.

 

42.                        A aceitar-se a interpretação contrária, então estaria a aceitar-se, erradamente, que:

 

a)    O defensor que pede dispensa, ou seja, que está objectiva ou subjectivamente impedido de assegurar de forma efectiva a defesa do arguido, ficaria responsável pela prática de um acto cujo prazo termina muito depois dos 5 dias dentro dos quais a Ordem dos Advogados tem que nomear um substituto, nos termos do artigo 42.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho;

b)   O novo defensor, que não acompanhou o processo, nunca teve contacto com o arguido, não esteve presente no julgamento, tem de apresentar o recurso em prazo inferior ao prazo de 30 dias, previsto por lei e considerado razoável pelo legislador, ficando a duração deste dependente da álea e da burocracia do sistema de nomeações oficiosas ser mais ou menos rápido, podendo até a sua nomeação ocorrer no último dia de prazo;

c)    Por outro lado, o assistente que esteja na mesma situação, ou seja, cujo patrono tenha pedido escusa, beneficia da interrupção do prazo para apresentar o recurso da decisão final, o que consubstancia, uma violação flagrante do principio da igualdade.

 

43.                        A dimensão igualdade de armas entre assistente e arguido encontra-se manifestamente beliscada, colocando em causa o direito ao processo equitativo e de acesso aos tribunais, do artigo 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e as garantias de defesa do arguido, tal como estão previstas na Lei Fundamental, no seu artigo 32.º, n.º 1, 3 e 5, até privilegiando a posição processual do assistente, na medida em que existe uma norma especial que regula e prevê a interrupção do prazo que se encontrar em curso, nos casos em que tenha existido um pedido de escusa formulado pelo patrono do assistente, contrariamente à solução concedida nas situações em que o pedido de dispensa de patrocínio é formulado pelo defensor do arguido.

 

44.                        No que diz respeito ao princípio da igualdade de armas, já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de pronunciar-se sobre o mesmo, no seu Acórdão n.º 27/2006.

 

45.                        Apesar de o caso subjacente ao referido Acórdão não conter os mesmos contornos que o caso em análise nos presentes autos, ainda assim importa atender à argumentação aí utilizada, na medida em que se debruça sobre a igualdade de armas.

 

46.                        Naquele caso, o Procurador-Geral Adjunto veio requerer, nos termos do disposto nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 82.º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da “norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, quando dele decorre – conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal – um prazo mais curto para o recorrente, em processo contra-ordenacional, motivar o recurso”.

 

47.                        Na sua argumentação, refere que aquela interpretação normativa foi julgada inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, no Acórdão n.º 462/2003 e nas decisões sumárias n.ºs 284/2004 e 318/2005.

 

48.                        Estava em causa o prazo de que o arguido em processo contra-ordenacional dispunha para interpor recurso da decisão proferida na impugnação judicial de uma decisão de aplicação de uma coima, que a versão inicial do Decreto-Lei n.º 433/82 fixava em 5 dias.

 

49.                        Nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo 74.º, “o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma”.

 

50.                        Em virtude daquela aplicação subsidiária das regras de processo penal, “o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado (...)”, como resulta do n.º 3 do artigo 411.º do Código de Processo Penal.

 

51.No Acórdão n.º 462/2003, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82 e no artigo 411.º do Código de Processo Penal “quando deles decorre (...) um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso”, do que o prazo de resposta.

 

52.                        No mesmo sentido declarou o Acórdão n.º 1229/96, afirmando que “da posição do recorrente decorre ainda a afirmação de que a existência de dois prazos processuais (o de cinco dias, do artigo 74.º, n.º 1, e o de dez dias, ‘para os sujeitos processuais afectados pela interposição de recurso, que resulta do Código de Processo Penal’) ‘viola o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas’, à luz do artigo 13.º da Constituição, na medida em que são prazos distintos para motivar e para responder no processo de contra-ordenação”.

 

53.                        Na opinião daquele Acórdão, “tudo está em saber se a pretensa diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, ou é materialmente infundada, e é este aspecto que releva para aferir a violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio” (nosso negrito e sublinhado).

 

54.                        Referiu aquele Tribunal que “a aceitar-se um regime distinto para os actos processuais, como não pode deixar de aceitar-se, por aplicação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 74.º (o n.º 4 manda seguir ‘a tramitação de recurso em processo penal’), conjugados com os artigos 411.º e 413.º do Código de Processo Penal, tem de dizer-se que, sendo assim, ocorre afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada, não valendo argumentar que o legislador se move no quadro de valores constitucionais, tais como os da celeridade da eficácia da justiça e da eficácia do sistema contra-ordenacional”.

 

55.                        Acrescentando que “não pode também argumentar-se com a ideia de que uma coisa é o acto de interposição do recurso à disposição do arguido, que tem de ser motivado (cfr. artigo 411.º do Código de Processo Penal), e outra é a resposta ao recurso, por aplicação do artigo 413.º do mesmo Código, pois a igualdade de armas no mesmo processo supõe iguais mecanismos à disposição dos sujeitos processuais (igualdade que estava assegurada à data em que foi editado o Decreto-Lei nº 433/82, pois vigorava então o Código de Processo Penal de 1929, à face do qual a fase da motivação do recurso era posterior à sua interposição e era o mesmo o prazo para alegar e contra-alegar: artigos 645.º, 649.º e 651.º daquele Código)” (nosso negrito e sublinhado).

 

56.                        Concluiu aquele Tribunal que “o prazo mais encurtado para a motivação do recurso da parte do recorrente envolve ofensa do princípio da igualdade, tal como ela vem pelo recorrente delineada (cfr. os acórdãos deste Tribunal Constitucional nº 208/93 e 263/93, com identificação de mais arestos, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24º, págs. 527 e 655)”, pelo que decidiu que “o artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411º, do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da Constituição” (nosso negrito e sublinhado).

 

57.                        Em consequência, foi decidido no Acórdão n.º 27/2006 “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição” (nosso negrito e sublinhado).

 

58.                        Relativamente à dimensão do direito à assistência pelo Advogado, como consagrada e formulada pelos preceitos normativos nacionais, internacionais e da União Europeia, também ela se encontra visivelmente ameaçada, desde logo porque a assistência por Advogado tem de ser efectiva e material.

 

59.                        Uma garantia de defesa efectiva, e não apenas meramente aparente ou formal, é essencial para a defesa dos direitos do arguido (sendo, aliás, obrigatória a constituição de Advogado em vários momentos do processo, desde logo, o exercício ao direito ao recurso) e pressupõe, não só a existência de uma relação de confiança entre arguido e Advogado, como a concessão ao Advogado dos meios e do tempo necessários à formulação de qualquer defesa.

 

60.                        Mais, uma qualquer interpretação no sentido de que no âmbito do processo penal não se interrompe o prazo que estiver em curso por via da substituição do defensor nomeado ao arguido, na hipótese de o antigo defensor não ter garantido a defesa do arguido, praticando o acto cujo prazo se encontra a decorrer, tem como consequência que, no momento em que o novo defensor é nomeado e tem contacto, pela primeira vez, com o processo, a sua capacidade para cumprir o seu dever de defesa já se encontra manifestamente prejudicada pela redução do prazo inicial que legalmente teria para exercer os direitos de defesa, nomeadamente, o de recurso da decisão condenatória, se tivesse sido nomeado anteriormente, o que é defender uma interpretação abnorme que significa defender a impossibilidade de defesa, ou a sua dificuldade excessiva e injustificada.

 

61.O Tribunal Constitucional tem jurisprudência firmada sobre o direito e as garantias de defesa em processo penal, quer na vertente do direito ao recurso, quer na vertente do direito a ser assistido por defensor, enquanto manifestações concretas da cláusula geral consagrada no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

 

62.                        A propósito das garantias de defesa do arguido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de n.º 337/86, ao referir que “o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável das possibilidades de defesa do arguido” (nosso negrito e sublinhado).

 

63.                        No mesmo sentido, o Acórdão n.º 314/2007, ao referir que: “o direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente proclamado, é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias explicitadas nos diversos números do artº 32º, da C.R.P., mas também todas as demais que decorram da necessidade de efetiva defesa do arguido. Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve atuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (nosso negrito e sublinhado).

 

64.                        Refere também este Acórdão que “de modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, delas recorrendo. Mas, para que esta possibilidade seja efetiva, é necessário que as normas processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz desse seu direito. Neste domínio, entrelaça-se a aplicação de um outro direito constitucional processual penal, que é o direito do arguido a ser assistido por defensor (artº 32º, nº 3, da C.R.P.). Na verdade, atentas as especiais exigências técnico-jurídicas que presidem à decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso e à elaboração da sua motivação, a assistência do arguido por defensor tecnicamente habilitado nesta fase é um elemento do núcleo essencial do seu direito de defesa que deve ser assegurado pelo legislador ordinário, o que sucede no artº 64º, nº 1, d), do C.P.P. Ponderadas estas considerações gerais, poderá dizer-se que estes direitos constitucionais se mostrarão violados sempre que não se conceda um prazo razoável ao arguido em processo penal para impugnar decisão relevante que o afete, devendo nesse período encontrar-se ininterruptamente assistido por defensor tecnicamente habilitado”. (nosso negrito e sublinhado).

 

65.                        Também neste sentido, escreveu-se no Acórdão n.º 109/99 que: “este Tribunal tem sublinhado, em múltiplas ocasiões, que o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), no qual o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, atue com respeito pela pessoa do arguido (maxime, do seu direito de defesa), de molde, designadamente, a evitarem-se condenações injustas. A absolvição de um criminoso é preferível à condenação de um inocente. Tal como se escreveu no Acórdão n.º 434/87 (publicado no Diário da República, II série, de 23 de janeiro de 1988), o processo penal, para além de assegurar ao Estado ‘a possibilidade de realizar o seu ius puniendi, tem que oferecer aos cidadãos ‘as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta’” (nosso negrito e sublinhado).

 

66.                        A propósito do direito ao recurso, escreveu o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 8/1987, que “(…) ao arguido é reconhecida constitucionalmente não só a faculdade de recorrer, como também a possibilidade de escolher entre a interposição e a não interposição de recurso, o que consequência a concessão de um período de tempo mínimo de informação e reflexão o acusado, reza o artigo 6º, nº 3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem direito a ‘dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa’. É que não basta garantir ao acusado, no plano puramente formal a faculdade de recorrer; os seus direitos têm de ser materialmente assegurados, sob pena de aquela garantia se revelar despojada de sentido e de alcance concreto”.

 

67.                        Com efeito, as dimensões normativas da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso são violadoras do direito a um processo equitativo, como previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante abreviadamente designado CEDH).

 

68.                        Em concreto, nas modalidades de:

 

¾  Igualdade de armas, prevista no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH;

¾  Exigência da disposição de tempo e de meios necessários para preparação da defesa, prevista no artigo 6.º, n.º 3, b), da CEDH; e,

¾  Assistência efectiva por defensor, prevista no artigo 6.º, n.º 3, c), da CEDH.

 

69.                        Em primeiro lugar, decorre das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (doravante abreviadamente designado TEDH) nos acórdãos Eftimov v. the Former Yugoslav Republic of Macedonia, proc. 59974/08, de 2.07.2015, §38 e Öcalan v. Turkey [Câmara Grande], proc. 46221/99, de 12.05.2005, §140, que o princípio da igualdade de armas – corolário do direito a um processo equitativo – impõe que a cada parte seja dada uma oportunidade razoável para apresentar o seu caso em condições, impondo igualmente que não sejam colocadas em situação de desvantagem substancial, quando comparadas com o seu oponente.

 

70.                        Tanto à acusação (no nosso caso, não na perspectiva do Ministério Público, mas na perspectiva da defesa do assistente) como à defesa, deve ser dada oportunidade de ter o tempo suficiente para conhecer adequadamente tudo o que consta do processo, de modo a que seja possível exercer condignamente o contraditório.

 

71.A lei nacional deve garantir o cumprimento deste requisito de forma a assegurar que ambas as partes conseguem, com o mesmo grau de oportunidade, responder com tempo e conhecimento aos argumentos tecidos contra elas – neste sentido, a decisão do TEDH, Öcalan v. Turkey [Câmara Grande], proc. 46221/99, de 12.05.2005, §146.

 

72.                        A dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso geram uma clara desigualdade entre as partes, colocando um arguido em situação objectivamente injusta e distinta relativamente a um assistente nas mesmas circunstâncias, na medida em que não confere ao primeiro o tempo e a oportunidade de preparar a defesa com vista ao exercício dos seus direitos, nomeadamente o direito ao recurso da decisão condenatória, acabando por preterir o exercício do direito ao recurso, daquele primeiro.

 

73.                        Isto porque, ao contrário do que é estabelecido para o defensor nomeado ao arguido, o patrono do assistente que tenha formulado um pedido escusa, beneficia da interrupção do prazo para apresentar o recurso da decisão final, nos termos do artigo 34.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004 de 29/07.

 

74.                        Ou seja, prevê a lei duas soluções manifestamente opostas e incoerentes entre si, para duas questões muito semelhantes, uma no que diz respeito ao Advogado nomeado ao arguido (defensor), outra no que diz respeito ao Advogado nomeado ao assistente (patrono).

 

75.                        Assim, a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso são, nos termos supra desenvolvidos, violadoras do direito a um processo equitativo na sua vertente da igualdade de armas, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.

 

76.                        Em segundo lugar, cumpre especificar em que termos a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso, são violadoras do artigo 6.º, n.º 3, b) e c), da CEDH, nas dimensões de exigência de disposição de tempo e de meios necessários para preparação da defesa, e da assistência efectiva por defensor.

 

77.                        O artigo 6.º, n.º 3, b), da CEDH, prevê que a actividade de defesa abranja tudo o que é “necessário” para preparar um julgamento (defesa).

 

78.                        Conforme decorre das decisões proferidas pelo TEDH nos casos Gregačević v. Croatia, proc. 58331/09, de 10.07.2012, §§49 e ss, e Connolly v. the United Kingdom, proc. 27245/95, de 26.06.1996,, deve ser dada, a todo e qualquer arguido, a oportunidade de organizar a sua defesa de uma forma apropriada e sem restrições à possibilidade de tecer todos os argumentos relevantes de forma a poder ter influência no desenrolar dos procedimentos, podendo inclusivamente uma situação de tratamento igual constituir violação da Convenção.

 

79.                        Como o TEDH enuncia no acórdão Gregačević v. Croatia, proc. 58331/09, de 10.07.2012, §§49 e ss. (realces nossos):

49. [...] o princípio fundamental que rege a aplicação do artigo 6.º é o da equidade. O direito a um julgamento justo ocupa um lugar tão proeminente numa sociedade democrática que não pode haver justificação para interpretar restritivamente as garantias do Artigo 6 § 1 da Convenção (ver Moreira de Azevedo v. Portugal, 23 de Outubro de 1990, § 66, Série A no. 189, e A.B. v. Eslováquia, no. 41784/98, § 54, 4 de Março de 2003).

51. [...] o Artigo 6 § 3 (b) garante ao arguido "tempo e meios adequados para a preparação da sua defesa" e, por conseguinte, implica que a actividade de defesa material em seu nome pode incluir tudo o que é “necessário” para preparar o julgamento principal. O arguido deve ter a oportunidade de organizar a sua defesa de forma adequada e sem restrições quanto à capacidade de apresentar todos os argumentos de defesa relevantes perante o tribunal de primeira instância e, assim, influenciar o resultado do processo (ver Mayzit v. Rússia, n.º 63378/00, § 78, 20 de Janeiro de 2005; Connolly v. Reino Unido (dez.), nº 27245/95, 26 de Junho de 1996; Can v. Áustria, nº 9300/81, relatório da Comissão de 12 de Julho de 1984, Série A nº 96, § 53; e Moiseyev v. Rússia, nº 62936/00, § 220, 9 de Outubro de 2008). Ao avaliar se o arguido dispunha de tempo suficiente para preparar a sua defesa, há que ter especialmente em conta a natureza do processo, bem como a complexidade do processo e da fase do processo (ver X. v. Bélgica, n.º 7628/76, decisão da Comissão de 9 de Maio de 1977, decisões e relatórios (DR) 9, p. 172, e Albert e Le Compte v. Bélgica, 10 de Fevereiro de 1983, § 41, série A n.º 58).”

 

80.                        Estas considerações são também aplicáveis em fase de recurso já que, não contendo o artigo 6.º, n.º 1, um direito ao recurso, é jurisprudência firme do TEDH que, quando os Estados consagrem um tal direito, têm de o regulamentar de forma que respeite igualmente as exigências do artigo 6.º, n.º 1 e 3, da CEDH – cf. Correia de Matos v. Portugal [Câmara Grande], proc. n.º 56402, de 04.04.2019, §135, citando jurisprudência adicional: “na sua jurisprudência firme, o Tribunal, por sua parte, considerou que apesar do Artigo 6.º da Convenção não obrigar os Estados Contratantes a estabelecer tribunais de apelação ou de revista, quando tais tribunais existam, as garantias do Artigo 6.º têm de ser respeitadas, por exemplo garantindo às litigantes um acesso efectivo ao tribunal” (ver, entre outrosBrualla Gómez de la Torre v. Spain, 19 Dezembro 1997, § 37, Reports of Judgments and Decisions 1997‑VIII, e Andrejeva v. Latvia [GC], nº. 55707/00, § 97, ECHR 2009, com referências adicionais).

 

81. A dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso, ao não conferir a um arguido tempo suficiente para preparar o seu recurso e ao preterir as garantias de defesa efectiva daquele, são violadoras do direito a um processo equitativo, tal como consagrado no artigo 6.º, n.º 1 e 3, b), da CEDH, e na esteira do entendimento que tem vindo a ser sustentado pelo TEDH.

 

82.                        A dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso, são também violadoras do artigo 6.º, n.º 1 e 3, c), da CEDH, relativo à dimensão do direito à assistência por Advogado, desde logo porque a assistência por Advogado tem de ser efectiva e material, e não meramente aparente, o que acontece, por exemplo, nos casos em que apenas resta ao defensor nomeado em substituição de um outro, um curto espaço de tempo para preparação do recurso.

 

83.                        É jurisprudência firme do TEDH que a assistência por Advogado tem de ser material e efectiva, devendo distinguir-se a “nomeação” da verdadeira “assistência” por Advogado.

 

84.                        Por exemplo, no acórdão Falcão dos Santos c. Portugal, proc. n.º 50002/08, de 3.7.2012, ao requerente, arguido em processo por denúncia caluniosa, tinha sido nomeado defensor oficioso com a dedução de acusação. Notificado da data de julgamento, o Advogado não apresentou a contestação, tendo pedido escusa em 30.03.2005 por não considerar estar em condições éticas de defender os arguidos tendo em conta os factos de que era acusado.

 

85.                        Solicitado novo defensor, no primeiro dia de audiência este ainda não tinha sido indicado. Adiado o julgamento e após nova nomeação, o novo defensor apresentou, em 16.06.2005, contestação oferecendo o merecimento dos autos e sem indicar testemunhas. O requerente solicitou que não fosse dado efeito à contestação e pede novo defensor, o qual, após nomeado, apresenta, entre outros, contestação, em 24.11.2005 indicando 11 testemunhas e 9 peritos.

 

86.                        O juiz não admitiu as contestações, considerando que o prazo tinha expirado em 5.04.2005, sublinhando “a este respeito que o prazo de 20 dias para a apresentação de tal contestação não se tinha suspendido durante o período em que se aguardava a designação de um novo defensor oficioso. Cabia ao Advogado oficioso em então funções [o que pedira escusa] assegurar a defesa do requerente até à nomeação do seu substituto e apesar do pedido de escusa” (§15, realce nosso).

 

87.                        O arguido viria a ser julgado, pedindo nova substituição de defensor, a qual foi autorizada sem que fosse adiada a audiência de julgamento, não tendo sido ouvida qualquer das testemunhas por si indicadas, e sem que o Advogado tivesse qualquer intervenção activa. O requerente viria a ser condenado (tendo novo defensor sido nomeado na véspera da leitura de sentença), condenação confirmada em recurso.

 

88.                        O TEDH salientou nessa decisão, recordando a sua jurisprudência, que (realces nossos):

“42. [...] as exigências do n.º 3 do artigo 6.º podem ser analisadas sob vários ângulos do direito a um processo equitativo garantido pelo n.º 1 (Van Geyseghem c. Bélgica [CG], n.º 26103/95, § 27, TEDH 1999-I). Convém por isso examinar as queixas do requerente no âmbito da alínea c) do n.º 3, combinado com os princípios inerentes ao n.º 1.

43. [...] os princípios que emanam da sua jurisprudência relativos ao apoio judiciário. Tem mencionado, várias vezes, que a Convenção tem por finalidade proteger direitos não teóricos ou ilusórios, mas concretos e efectivos, sendo que a designação de um Advogado não garante por si só a efectividade do da assistência a prestar ao arguido. Todavia, não poderia imputar-se a um Estado a responsabilidade de qualquer falha de um defensor oficioso. Da independência dos Advogados face ao Estado decorre que a conduta da defesa é matéria que compete no essencial ao acusado e ao seu Advogado, nomeado ao abrigo do apoio judiciário ou remunerado pelo seu cliente. O art. 6 § 3 c) não obriga as autoridades nacionais competentes a intervir a não ser quando as falhas do defensor oficioso sejam manifestas ou se for informado destas por qualquer outro meio (Czekalla c. Portugal, n.º 38830/97, §60, CEDH 2002-VII.”

Observando as circunstâncias do caso, o TEDH concluiu que “46. [...] as autoridades não reagiram todavia de forma a garantir ao requerente uma verdadeira “assistência” ao invés de uma simples “nomeação” de Advogado, como é exigido pela jurisprudência constante do Tribunal (Artico c. Itália, 13 de Maio de 1980, §36, séria A n.º 37; Imbrioscia c. Suíça, 24 de Novembro de 1993, §38, série A n.º 275; Daud c. Portugal, 21 de Abril de 1998, §38, Recueil 1998-II). [...] Em primeiro lugar parece contraditório aceitar a substituição do primeiro defensor oficioso [...] mas exigir que este apresente mesmo assim, por estar ainda em funções e ainda não ter sido substituído, a contestação em nome e por conta do requerente. Convém recordar neste ponto que, durante o decurso do prazo de apresentação da contestação [...] tinha pedido escusa porque a sua ética profissional o impedia de assegurar a defesa do requerente, pedido que foi aceite pelo tribunal.”

O Tribunal considerou assim, no seu conjunto, que tendo as insuficiências resultado num impedimento de apresentação dos meios de prova e de defesa, era incompatível com o princípio do processo equitativo, o que consubstanciaria violação não só da al. c), mas também das al. b) e d), e do n.º 1, do art. 6.º da CEDH.

 

89.                        As considerações a respeito do segmento indicado, transpostas para o presente caso, não podem deixar de levar às mesmas conclusões.

 

90.                        De salientar que também no presente processo a defensora oficiosa requereu escusa no decurso do prazo para recorrer (isto apesar de já há vários meses conhecer o teor da sentença). Não são conhecidas as razões, porquanto as mesmas estão cobertas por segredo profissional, não sendo permitido ao defensor revelá-las no processo. Porém, a concessão de escusa pela Ordem dos Advogados importa sempre a indisponibilidade do Advogado requerente para o exercício de funções, seja por motivos objectivos ou subjectivos e, como tal, a sua recusa em praticar o acto cujo prazo se encontra a decorrer. Os deveres deontológicos e profissionais do Advogado, ao contrário de impor, nestes casos, um dever de actuar, impõem um dever de não actuar, já que um Advogado ou advogada que pede escusa não está por definição em condições de assegurar de forma adequada o patrocínio, pelo que resultam sempre diminuídas as garantias de defesa.

 

91.Mais, as consequências no presente processo são ainda mais graves, já que está em causa prazo para o exercício do direito ao recurso da decisão condenatória relativamente a arguido julgado na ausência, residente no estrangeiro, que apenas tomou conhecimento do Acórdão (mas já não do teor da prova produzida) e que apenas estabeleceu contacto com o novo defensor, já o prazo de recurso inicial ia avançado.

 

92.                        É imprescindível compreender que muito embora a defesa em processo penal tenha uma componente técnica, o defensor não pode exercer o seu múnus de forma material e efectiva sem inteirar-se totalmente do teor do processo, inclusivamente da prova gravada (a qual tem de transcrever nas motivações de recurso caso pretenda impugnar a matéria de facto) e sem estabelecer contacto com o cliente, de forma a discutir com este a pertinência e viabilidade do exercício dos meios de defesa, em particular o recurso (por exemplo, aspecto essencial in casu, a validade da realização do julgamento na ausência).

 

93.                        O prazo adequado para o fazer, mesmo nos processos em que não houve julgamento na ausência e em que o defensor nomeado já conhecia o processo tendo acompanhado o mesmo anteriormente, é de trinta dias. Pelo que, evidentemente, é necessário, pelo menos, prazo idêntico para o novo defensor. De salientar que da jurisprudência dos nossos Tribunais a nomeação durante o respectivo decurso do prazo para recorrer não é considerada “justo impedimento” e nem sequer é fundamento da prorrogação do prazo, já que esta só é permitida em casos de “especial complexidade” (nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do CPP).

94.                        Ora, in casu, como indicado a seu tempo, apesar do requerimento apresentado após a nomeação, em 12/12/2018 (cf. requerimento com a Ref.ª CITIUS 21213335, dado que a defensora apenas conseguiu o contacto com os arguidos que moram fora de Portugal, e cuja morada não houvera sido fornecida à nova defensora oficiosa, em 11/12/2018, data em que lhe comunicaram pretender recorrer – cf. supra ponto 35 e documentos juntos com a Reclamação contra a não admissão do recurso, com a Ref.ª CITIUS 21770427), no sentido de lhe ser confiado o processo para exame fora da secretaria, o Tribunal apenas deferiu o mesmo em 17/12/2018, tendo elaborado a notificação do deferimento desse pedido a 18/12/2018, notificação que se considera efectuada no terceiro dia seguinte, no dia 21/12/2018 (nos termos e para os efeitos do disposto 113.º do Código de Processo Penal).

 

95.                        Ou seja, de acordo com o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo – que considera que o prazo para interposição do recurso terminara a 19/12/2018 (cf. despacho de 15/02/2019 do Tribunal a quo, sob a Ref.ª CITIUS n.º 384346202) – uma vez que legalmente se considera que a ora signatária, Vânia Costa Ramos, apenas foi notificada da decisão que defere o pedido de confiança do processo no dia 21/12/2018, é de concluir que já tinham decorrido dois dias após o terminus do prazo para interposição de recurso (a defensora procedeu à recolha dos elementos em 20/12/2018, ou seja, na tese da decisão recorrida, já um dia depois do terminus do prazo).

 

96.                        Mais, a anterior defensora juntou aos autos requerimento nos termos do artigo 34.º da Lei 34/2004, cf. fls. 588 e ss., cujo teor implicava a interrupção do prazo, e o Tribunal, perante tal requerimento, não proferiu qualquer despacho contrariando tal conclusão.

 

97.                        Na decisão proferida pelo TEDH, no Caso Bogumil v. Portugal, processo n.º 35228/03, de 7.10.2008, aquele Tribunal condenou o Estado Português pelo facto de a defensora oficiosa, designada no próprio dia da audiência, ter tido um intervalo de pouco mais de cinco horas para preparar a defesa, sendo que este tempo foi, na realidade, demasiado curto, atenta a gravidade do caso, o qual poderia culminar numa pesada condenação.

 

98.                        Sendo casos diferentes, a ratio é também aplicável neste caso: o tempo conferido para exercer os direitos processuais incluídos no conjunto do direito de defesa não pode ser excessivamente encurtado, o que sucedeu no caso aqui em apreço, tendo em conta as circunstâncias suscitadas.

 

99.                        Também no caso Panasenko c. Portugal, proc. 10418/03, de 22.07.2008, o TEDH pronunciou-se em situação relevante para os presentes autos, com as devidas adaptações. Estava em causa um processo em que, entre outros, o requerente, aí arguido, pretendia recorrer do acórdão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

 

100.                    O defensor nomeado foi notificado do acórdão e não recorreu, tendo pedido escusa. Durante o prazo para interpor recurso, foi nomeado novo defensor. O arguido viria queixar-se que este nunca o tinha contactado e declarara pretender interpor recurso. Posteriormente, junta procuração, mas o recurso interposto pelo defensor mandatado foi considerado extemporâneo, por se ter iniciado o prazo na data da notificação do acórdão ao arguido. O TEDH realça, na decisão (§50) que “[…] é forçoso concluir que o resultado pretendido pelo n.º 3 do artigo 6.º não foi alcançado. Com efeito, não se poderá considerar que o requerente beneficiou de apoio jurídico efectivo no período que se seguiu à prolação do acórdão do Tribunal da Relação. O Tribunal observa que se tratava de um momento crucial do processo, tendo em conta o desejo do requerente de interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Durante este período, se é verdade que o requerente foi acompanhado formalmente por dois defensores oficiosos sucessivos, estes não tomaram nenhuma medida na qualidade de defensores para verdadeiramente ‘assistir’ o arguido”.

 

101.                     Mais, é entendimento da jurisprudência do TEDH que, embora seja importante conduzir os procedimentos judiciais a uma velocidade razoável, esse objectivo não pode ser atingido à custa da preterição de direitos processuais das partes. Neste sentido, atente-se à decisão proferida no caso Oao Neftyanaya Kompaniya Yukos v. Russia, proc. n.º 14902/04 , de 20.09.2011, §540): “o Tribunal considera que ainda que seja sem dúvida importante conduzir o processo a uma boa velocidade, tal não pode ser feito a expensas dos direitos processuais de uma das partes, especialmente tendo em conta a duração relativamente curta do processo na sua totalidade para um caso de tal magnitude e complexidade.

 

102.                    No caso em apreço, poderá ser feito um raciocínio com o mesmo fundamento, devidamente adaptado: assim, num processo que se iniciou em 2014 e cujo julgamento decorreu em 2018, preteriu-se o direito essencial ao recurso com fundamento numa norma que não é, de todo, justificada por considerações de celeridade processual (e que, pelo contrário, é uma norma que foi consagrada para assegurar que o arguido não fica indefeso!).

 

103.                    Assim, na esteira do defendido pelo TEDH, deve ser concedido às partes tempo suficiente para interpor recurso, o que implica a interrupção do prazo respectivo quando o defensor nomeado peça escusa.

 

104.                    Na decisão do caso Miminoshvili v. Russia, proc. 20197/03, de 28.07.2011, § 141, o TEDH considerou que ainda que a defesa esteja familiarizada com o caso, após determinadas ocorrências processuais, nomeadamente estar em curso prazo para interposição de recurso, deve ser concedido tempo adicional à defesa para a sua preparação (realces nossos):

“141. O Tribunal observa que a instrução do processo prosseguiu durante mais de um ano, pelo que, de um modo geral, o recorrente dispôs de tempo suficiente, após ter sido notificado da decisão de acusação, para preparar a sua defesa e desenvolver os seus contra-argumentos (Padin Gestoso contra Espanha (dec.), nº. 39519/98, de 8 de Dezembro de 1998). No entanto, o Tribunal não deve perder de vista a dinâmica do processo de julgamento. O Tribunal não exclui que, mesmo que a defesa esteja familiarizada com o processo, lhe deva ser concedido um prazo suplementar após certos acontecimentos do processo, a fim de adaptar a sua posição, preparar um pedido, interpor recurso, etc. Tais “ocorrências” podem incluir, por exemplo, alterações na acusação (como em Pélissier e Sassi v. França [GC], nº 25444/94, §§ 60 e seguintes, CEDH 1999-II), adopção de uma decisão do tribunal de primeira instância (Hadjianastassiou v. Grécia (16 de Dezembro de 1992, § 34, Série A nº 252), introdução de novas provas pela acusação (G.B. v. França, nº 44069/98, §§ 60 e seguintes, CEDH 2001-X), ou uma alteração súbita e drástica da opinião de um perito durante o julgamento (ibid, §§ 64 e seguintes)”.

 

105.                    Em qualquer caso, a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso não podem ser justificadas por motivos de celeridade processual, pois solução igual não foi prevista na lei para os casos de pedido de substituição do patrono do assistente.

 

106.                    A única justificação, fundada no artigo 66.º do CPP, na manutenção em funções do defensor primitivo, é a de assegurar que o arguido não fica sem defesa, em cumprimento do mandato do artigo 32.º, n.º 3, da CRP.

 

107.                    Ora, retirar daí a consequência de que o prazo que esteja em curso, e em particular o prazo para recurso da decisão condenatória, não se interrompe com o pedido de escusa do defensor, significa fundar numa norma que dá corpo a um mandato constitucional que visa assegurara uma defesa efectiva uma solução que redunda em, precisamente, retirar ao arguido o direito a beneficiar de tal defesa, já que o novo defensor apenas terá ao seu dispor um prazo reduzido para o exercício do direito em causa, em particular o direito ao recurso.

 

108.                    Pelo exposto, é de concluir que tanto a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso como a dimensão normativa da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso conduzem a uma solução inequivocamente desnecessária, desadequada e desproporcional que não tem qualquer justificação ou finalidade processual atendível, por se impor à parte que se veja privada de exercer em condições adequadas e suficientes o seu direito fundamental ao recurso.

 

109.                    Assim, a dimensão normativa da qual decorre da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso e aqueloutra da qual decorre que o pedido de dispensa de patrocínio apresentado por Defensor Oficioso não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória que se encontre em curso são violadoras do artigo 6.º, n.º 1 e 3, b) e c) da CEDH.

 

110.                     Os Recorrentes convidam assim o Tribunal Constitucional a adoptar uma interpretação dos direitos constantes da Constituição da República Portuguesa, em particular dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5, idêntica à adoptada pelo TEDH para as disposições homólogas da CEDH, em particular o artigo 6.º, n.º 1 e 3, als. b) e c), tornando assim os direitos consagrados na Lei Fundamental direitos “práticos e efectivos” e não “teóricos ou ilusórios”.

 

111.                      E, em consequência, considerar que as referidas dimensões normativas são inconstitucionais, por violação dos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

112.                     Igualmente, os Recorrentes convidam o Tribunal a interpretar as protecções constitucionais em causa em consonância com as protecções homólogas decorrentes do direito da União, em particular dos arts. 47.º e 48.º, n.º 2, da CDFUE, dos quais decorre que a equidade do processo exige que o suspeito ou acusado tenha acesso a toda a gama de serviços especificamente associados com a assistência judiciária e que, a este respeito, os advogados dos suspeitos ou acusados deverão poder assegurar, sem restrições, os aspectos fundamentais da defesa; e do art. 3.º, n.º 1 da Directiva n.º 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Outubro de 2013, segundo o qual “os Estados-Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um Advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa”.

 

113.                     Tendo este Colendo Tribunal dúvidas sobre o sentido do direito da União, deverá submeter a questão à apreciação do TJUE por meio de reenvio prejudicial, porquanto a conclusão sobre o sentido interpretativo dessas normas é essencial e imprescindível para a decisão do presente recurso, a solução não decorre claramente do texto normativo que é composto de conceitos abertos e indeterminados, e inexiste jurisprudência do TJUE sobre as questões suscitadas.

 

C. Da admissibilidade do conhecimento da terceira questão de constitucionalidade

 

114.                     No que diz respeito à terceira questão cuja constitucionalidade foi suscitada, foram os Recorrentes notificados para alegarem “Quanto à terceira questão identificada no ponto II, 22, da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objecto do recurso por a dimensão normativa em causa extraída do artigo 7.º do Código de Processo Penal não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019) e não constituir objecto idóneo de um recurso de constitucionalidade”.

115.                     Os Recorrentes requereram a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa da norma constante do artigo 7.º do Código de Processo Penal (suficiência do processo penal).

 

116.                     Estabelece aquele artigo que: “1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa. 2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. 3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova. 4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal”.

 

117.                     A inconstitucionalidade é suscitada no que se refere à dimensão normativa da qual decorre que não é obrigatório o reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância, sempre que preenchidos os requisitos de obrigatoriedade estabelecidos no direito da União (no artigo 267.º, do TFUE).

 

118.                     O art. 267.º do TFUE estabelece a jurisdição exclusiva do TJUE para decidir, a título prejudicial, sobre questões de validade ou de interpretação do direito da União, sendo o reenvio obrigatório para tribunais internos que decidam em última instância. A jurisprudência do TJUE concretiza que sempre que a questão de direito da União se trate de questão decisiva, a sua solução não decorra claramente das normas de direito da União em causa, não tenha sido objecto de decisão pelo TJUE, ou a solução para a questão não decorra claramente dessa jurisprudência, é obrigatório o reenvio.

 

119.                     O art. 7.º, n.º 2, do CPP diz que “pode” o Tribunal suspender o processo penal para que uma questão não penal suscitada seja decidida pelo Tribunal competente, não prevendo a obrigatoriedade do reenvio para o TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE, para os Tribunais que decidam em última instância.

 

120.                    Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade do art. 7.º, do CPP, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade.

 

121.                     Os Recorrentes invocaram como parâmetro de constitucionalidade os artigos 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural ou legal).

 

122.                    A decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019, aplicou as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e que constituem ratio decidendi, ao considerar que “não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes” (realce nosso).

 

123.                    Conforme supra referido, a ratio decidendi da decisão corresponde ao “fundamento normativo do seu próprio conteúdo, ou do julgamento da causa, e não quando é mencionada como simples obiter dictum (acs. 82/92, 116/93, 367/94)”, podendo a aplicação da norma pode ser expressa como implícita (acs. 88/86, 47/90, 235/93) e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acs. 114/89, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90, 283/94, 176/88, 763/93, 51/92)” (cf. GUILHERME DA FONSECA E INÊS DOMINGOS, Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de Constitucionalidade, Jurisprudência, Doutrina, Formulário, Coimbra Editora, Fevereiro, 1997, página 39).

 

124.                    Ora, observando a Reclamação apresentada, e conjugando a mesma com a decisão do Vice-Presidente do TRL, consideram os Recorrentes que a dimensão normativa cuja constitucionalidade se suscitou foi fundamento normativo da decisão, senão expresso (na frase lacónica referida supra no ponto 120), certamente implícito.

 

125.                    Os Recorrentes indicaram, nos pontos 53 a 74 da Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação, todos os elementos necessários para fundamentar: i) a aplicabilidade do direito da UE ao caso, em particular da Directiva 2010/48/UE e dos artigos 47.º e 48.º, n.º 2, da CDFUE; ii) a obrigatoriedade do reenvio prejudicial de interpretação para o Tribunal de Justiça da UE, por força das disposições conjugadas do art. 267.º do TFUE e do art. 8.º, n.º 4, da CRP, e a inconstitucionalidade da recusa de reenvio obrigatório, com fundamento no art. 7.º do CPP, por violação deste preceito constitucional, bem como por violação do art. 32.º, n.º 9, da CRP.

 

126.                    Tal invocação foi aduzida de forma a colocar o Tribunal ad quem na obrigatoriedade de emitir pronúncia sobre aqueles aspectos, o que este fez, afirmando “não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes” (realce nosso).

 

127.                    Sendo manifesta a relevância dos instrumentos de direito da União para o caso sub judice bem como a essencialidade das interpretação das soluções normativas destes decorrentes para a solução da questão decidenda, bem como manifesta a inexistência de jurisprudência do TJUE, é um dado objectivo e manifesto que estavam previstos os pressupostos para o reenvio prejudicial, pelo que a decisão recorrida adoptou como fundamento normativo, um fundamento objectiva e manifestamente violador do art. 8.º, n.º 4, da CRP, já que não respeitou o comando constitucional do qual decorre a obrigatoriedade de conferir primado ao direito da UE.

 

128.                    E, igualmente, violou o art. 32.º, n.º 9, da CRP, pois subtraiu a decisão sobre a interpretação da Directiva 2010/48/UE e dos artigos 47.º e 48.º, n.º 2, da CDFUE ao juiz natural, neste caso o TJUE.

 

129.                    Esta recusa de reenvio apenas pode considerar-se fundamentada no art. 7.º do CPP, preceito cuja inconstitucionalidade foi suscitada na Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.

 

130.                    Essa inconstitucionalidade foi sindicada face ao próprio art. 8.º, n.º 4, da CRP (e não face aos normativos de direito substantivo do direito da União, ainda que o art. 267.º seja relevante apenas na parte em que determina qual o Tribunal competente in casu para conhecer da questão de interpretação do direito da União) e face ao próprio art. 32.º., n.º 9, da CRP (e não face aos normativos de direito substantivo do direito da União, ainda que o art. 267.º seja relevante apenas na parte em que determina qual o Tribunal competente in casu para conhecer da questão de interpretação do direito da União).

131.                     Assim, não se aplica in casu o decidido, por exemplo, no Acórdão 841/2017, de 13.12.2017, desta 3.ª Secção (§12):

 

“(…) Independentemente do reconhecimento constitucional do primado do direito da UE – n.º 4 do artigo 8.º da CRP – a desconformidade de norma legislativa interna com as normas comunitárias, de direito originário ou derivado, não constitui um problema de constitucionalidade que se integre na esfera cognitiva deste Tribunal (Acórdãos nºs 326/98, 621/98, 164/2001, 466/2003, 598/2004, 717/2004 e 569/2016). Apenas nas situações expressamente previstas nos artigos 70.º, n.º 1, alínea i) e 71.º n.º 2 da LTC, o Tribunal Constitucional tem competência para fiscalizar a compatibilidade do direito interno com o direito da UE (Acórdão n.º 371/91).» Em especial, no Acórdão nº 569/2016, o Tribunal Constitucional, retomando jurisprudência anterior (Acórdão nº 371/91, em especial quanto ao contexto da introdução da alínea i) do nº 1 do artigo 70º da LTC) onde se considera firmado o entendimento de que «por questões de constitucionalidade, “apenas se podem entender as de inconstitucionalidade direta, e já não as que só indireta ou consequentemente se podem colocar” afirma em seguida que “se a contrariedade de uma norma legislativa interna com uma convenção internacional, incluindo os tratados constitutivos da União Europeia, não pode relevar como questão de inconstitucionalidade para efeitos de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional, por maioria de razão não reveste tal natureza a questão da contrariedade de norma constante de ato legislativo interno com norma de direito derivado da União Europeia (nesse sentido v., por exemplo, os Acórdãos nºs 326/98, 621/98, 93/2001, 164/2001 e 598/2004)” (cfr. II – Fundamentação, n.º 12 e, posteriormente, ainda o Acórdão n.º 103/2017, II – Fundamentação, 2.3.2)

 

132.                    Nem se aplica o decidido no Acórdão 667/2019, de 13.11.2019, desta 3.ª Secção (§12), no qual se considerou que a norma que integrava a questão de constitucionalidade não tinha sido objeto de aplicação implícita e no qual era colocada a questão de conformidade de uma norma do TFUE com a Constituição.

 

133.                    Estando no nosso caso em causa a conformidade de dimensão normativa de norma de direito interno com a Constituição (e não com uma norma de direito internacional ou da União), e não estando em causa a constitucionalidade da própria norma do direito da UE, parece aos Recorrentes que a mesma é susceptível de constituir objecto de recurso de constitucionalidade.

 

134.                    Assim, os Recorrentes convidam o Tribunal a declarar a inconstitucionalidade da dimensão normativa suscitada sustentada no preceito do art. 7.º, n.º 2, do CPP, nos mesmos termos do decidido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, por despacho de 19.12.2017, no processo 2 BvR 424/17, disponível em língua inglesa em https://www.bundesverfassungsgericht.de/SharedDocs/Entscheidungen/EN/2017/12/rs20171219_2bvr042417en.html;jsessionid=840578633B85518ADB1EEA18C0C27FC8.1_cid394).

 

135.                    Como explica o Tribunal,

 

“1. No caso de surgirem dúvidas sobre a aplicação ou interpretação do direito da União Europeia, os tribunais comuns devem, antes de mais, reenviar as questões relevantes para o TJUE. O TJUE é o juiz natural [a expressão alemã é “juiz legal”] no sentido do art. 101, n.º 1, segunda parte, da GG nestes casos. Estando preenchidas as condições definidas no art. 267.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é exigido aos tribunais nacionais que reenviem as suas questões ao TJUE ex officio. Se um tribunal alemão não cumprir com o seu dever de reenviar uma questão para decisão prejudicial ou se fizer um pedido de reenvio prejudicial referente a questões para as quais o TJUE não tenha jurisdição, poderá ser violado o direito ao seu juiz natural, garantido à pessoa que procura protecção jurídica nos processos de partida.

 

a) De acordo com a jurisprudência do TJUE (TJEU, Acórdão de 6 de Outubro de 1982, C.I.L.F.I.T., C-283/81 [...], parágrafo 21), um tribunal nacional contra cujas decisões inexista um meio de impugnação tem de cumprir com o seu dever de reenvio quando uma questão de direito da União Europeia seja suscitada no processo perante si, a não ser que o tribunal tenha estabelecido que a questão não é decisiva, que a disposição de direito da União Europeia já tenha sido interpretada pelo TJUE ou que a aplicação correcta do direito da União Europeia é tão óbvia que não deixa margem para dúvidas razoáveis.

 

b) No entanto, o Tribunal Constitucional federal apenas intervém no que se refere à interpretação e aplicação de disposições que regem a alocação da jurisdição entre tribunais se as disposições em causa forem interpretadas e aplicadas de forma que não mais possa considerar-se razoável e como tal manifestamente inaceitável quando apreciadas criticamente as noções centrais da Lei Fundamental”

 

2. Estes princípios também se aplicam à alocação da jurisdição de acordo com o direito da união Europeia no art. 267.º, n.º 3, do TFUE. Por isso, o não cumprimento do dever de reenvio ao abrigo do direito da União Europeia nem sempre constitui violação do art. 101.º, n.º 1, da GG [...] Esta sindicação limitada pelo Tribunal Constitucional federal garante aos tribunais comuns uma margem de apreciação e valoração ao interpretar e aplicar o direito da União Europeia. Esta margem corresponde à margem de apreciação concedida aos tribunais quando aplicam normas de direito ordinário na ordem jurídica alemão. O Tribuna Constitucional federal apenas assegura que os limites desta margem são observados. Não ser como um “supremo tribunal para revisão de reenvios”.

 

a) O dever de reenvio ao abrigo do art. 267.º, n.º 3, TFUE é aplicado de forma manifestamente inaceitável quando – na perspectiva do tribunal em causa – uma questão de direito Europeu seja decisiva no processo perante um tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação e, apesar disso, o tribunal nem sequer considere um reenvio apesar de ter dúvidas sobre como resolver correctamente a questão decisiva em causa e por isso desenvolva por sua própria autoridade o direito da União Europeia (desrespeito fundamental da obrigação de reenvio). Isto aplica-se mais ainda se o tribunal não pesquisar de forma suficiente o direito (substantivo) relevante. Nesses casos, o tribunal desrespeita generalizadamente a obrigação de reenvio. O mesmo é verdade quando o tribunal não analisa a jurisprudência do TJUE que seja obviamente aplicável. [...].

 

b) O mesmo se aplica nos casos em que um tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação chegue a uma conclusão que deliberadamente de desvie da jurisprudência do TJUE em questões decisivas, mas ainda assim escolha não requerer uma (novo) decisão prejudicial (desvio deliberado sem reenvio)”

 

c) Por outro lado, se a questão decisiva de direito da União Europeia ainda não tiver sido decidida pela jurisprudência do TJUE, se parecer parece possível que a jurisprudência existente não trata a questão decisiva exaustivamente ou se um maior desenvolvimento da jurisprudência do TJUE não parece uma possibilidade remota (jurisprudência incompleta), o art. 101.º, n.º 1, segunda parte, da GG, é violado se o tribunal contra cujas decisões inexiste meio de impugnação excede de forma inaceitável a margem de apreciação que lhe é necessariamente conferida. Por este motivo, ao aplicar e interpretar o direito (substantivo) da União Europeia relevante, o tribunal comum tem de chegar à conclusão razoável de que os standards jurídicos aplicáveis ou são claros desde logo (“acte clair”) ou clarificados para lá da dúvida razoável na jurisprudência do TJUE (“acte éclairé”). Caso a questão não tenha ainda sido inteiramente resolvida, o art. 267.º, n.º 3, TFUE é certamente aplicado de forma inaceitável se o tribunal comum conclui que a situação jurídica é clara desde logo ou está clarificada para lá da dúvida razoável, sem avançar argumentos objectivos que fundamentem a sua conclusão”.

     (tradução nossa, citações do BVerfGE omitidas)

 

136.                    No caso em apreço perante o Tribunal Constitucional alemão, estavam em causa normas que aplicavam o direito da União, para efeitos do art. 51.º da CDFUE (Decisão-Quadro sobre o Mandado de Detenção Europeu) e o Tribunal era de última instância.

 

137.                    Esta análise é perfeitamente transponível para o ordenamento jurídico-constitucional português, em particular a propósito dos arts. 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa.

 

138.                    Assim não sendo, a obrigação de reenvio seria uma obrigação não dotada de coercibilidade e, ademais, o direito ao juiz natural, quando esse juiz seja o TJUE, não estaria coberto pela protecção constitucional do art. 32.º, n.º 9, da CRP, o que redundaria, por seu turno, na falta de tutela jurisdicional efectiva para os cidadãos vitimados por recusas de reenvio prejudicial em matéria penal, já que não dispõem de qualquer outro mecanismo efectivo para fazer valer a aplicação do direito da União (não dispondo de acesso directo ao TJUE, e não podendo considerar-se que um processo por infracção dos Tratados constitua meio efectivo de remediar a situação de indivíduo que viu, num processo penal, ser recusado o reenvio prejudicial para que fosse decidida questão interpretativa essencial de direito da União).

 

139.                    A CRP consagra o princípio do juiz natural ou do juiz legal ao dispor no n.º 9 do art. 32.º que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.

 

140.                    Não é recente, porém, a consagração entre nós do princípio jurídico-constitucional do juiz natural. Na verdade, a Constituição de 1822, ao proibir os “privilégios do foro nas causas cíveis ou crimes” (artigo 9º), e ao atribuir o poder judicial exclusivamente aos juízes (art. 176.º), iniciou uma tradição constitucional mantida até aos dias de hoje, apenas interrompida durante a vigência da Constituição política de 1933.

 

141.                     O princípio de que ora nos ocupamos tem uma inequívoca dimensão generalista, enquanto garante da aplicação não dirigida, justa e imparcial de medidas sancionatórias de natureza criminal ou privativas da liberdade e, desse modo, é a base da negação da escolha concreta do juiz e da afirmação dos inalienáveis direitos fundamentais da pessoa humana.

 

142.                    São hoje diversas as normas de direito internacional que não dispensam a consagração da garantia de um poder judicial independente e imparcial, como dimensão dos direitos humanos. Assim estabelece o art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda a pessoa tem o direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial, que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”; o art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, respeitante ao “Direito a um processo equitativo” (“Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”); o art. 14.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (“Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil”); ou o art. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, respeitante ao direito à acção e a um tribunal imparcial (“Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei”).

 

143.                    O princípio do juiz natural ou do juiz legal traduz-se, essencialmente, na predeterminação, assente em critérios aleatórios, objectivos e abstractos, do tribunal competente, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou de excepção, ou a atribuição da competência a tribunal diverso, ou a magistrado judicial ou juiz diverso, do que era legalmente competente à data dos factos: “designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juíz(es) chamado(s) a dizer o Direito.” (Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 614/2003).

 

144.                    Posto isto, temos que o princípio do juiz natural obsta à atribuição post factum de competência a um dado tribunal, implicando que essa competência seja atribuída aleatoriamente segundo regras pré-definidas a tribunais pré-constituídos e impedindo, por um lado, a criação de tribunais de excepção ou compostos ad hoc em função do julgamento de casos concretos, e, por outro, o desaforamento, seja por desafectação discricionária de uma causa do foro que para ele seria competente segundo aquelas regras, seja por alteração arbitrária da própria composição do tribunal de acordo com as conveniências e contingências do momento.

 

145.                    A exigência de determinabilidade do tribunal competente tem por objectivo impedir a intromissão no processo de determinação do juiz ou tribunal competente por parte de terceiros externos ou internos à organização judiciária e é condição para a confiança no sistema judiciário – constituindo o dever de criação de regras suficientemente determinadas para definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas a dimensão positiva do princípio do juiz natural.

 

146.                    Desta forma, a dimensão normativa preconizada violou claramente a proibição constitucional de “desaforamento” decorrente do princípio constitucional do juiz natural consagrado no art. 32.º, n.º 9, da CRP.

147.                    Os Recorrentes requerem assim a este Colendo Tribunal se digne conhecer do mérito da terceira questão e, em consequência, considerar que à dimensão normativa assente no art. 7.º, n.º 2, do CPP, da qual decorre que não é obrigatório o reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância, sempre que preenchidos os requisitos de obrigatoriedade estabelecidos no direito da União (no artigo 267.º, do TFUE) é inconstitucional, por violação dos arts. 8.º, n.º 4 e 32.º, n.º 9, da CRP.

 

Termos em que requerem os ora Recorrentes que sejam conhecidas as questões de constitucionalidade invocadas, decidindo-se pela inconstitucionalidade das dimensões normativas sindicadas, com os efeitos previstos no art. 80.º da LTC.».

 

7.2 O recorrido Ministério Público contra-alegou, no sentido do não conhecimento da primeira e da terceira questões de constitucionalidade enunciadas pelos recorrentes e no sentido da não inconstitucionalidade da norma enunciada na segunda questão de constitucionalidade colocada (no requerimento aperfeiçoado) e pela improcedência do recurso nesta parte. Isto, nos seguintes termos (cf. fls. 345-375):

 

«I. Da reclamação apresentada pelos arguidos para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e da decisão que sobre ela recaiu

 

Nos presentes autos, os arguidos A. e B., foram oportunamente condenados, por sentença de 1 de Março de 2018, pelo Juízo Local Criminal de Lisboa – J5 (cfr. fls. 29-60 dos autos):

a) o primeiro arguido, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5, no montante total de € 1.100, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social;

b) a segunda arguida, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, no montante total de € 900, pela prática igualmente de um crime de abuso de confiança à Segurança Social.

 

Inconformados, interpuseram os arguidos recurso desta decisão, em 15 de Janeiro de 2019, para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 74-80 dos autos).

 

O recurso não foi, porém, admitido pela digna magistrada judicial, com a fundamentação seguinte (cfr. fls. 82 frente e verso dos autos):

A sentença objecto de recurso foi proferida e depositada em 01.03.2018 e notificada em 19.11.2018. Deste modo, o prazo de recurso terminou em 19.12.2018.

As motivações de recurso foram apresentadas em 15.01.2019.

Assim, resulta à evidência que o prazo referido se mostra excedido, ainda que se considerasse a prática do acto com o pagamento da respectiva multa e o período de suspensão do prazo por via das férias judiciais.

De resto, os prazos em curso no âmbito do processo penal não se interrompem por via da substituição de defensor nomeado ao arguido, logo não se aplica qualquer interrupção do aludido prazo por via de apresentação do pedido de escusa, conforme requerido.

No mesmo sentido: “[…] I – Se, em geral, a nomeação de patrono se inclui no âmbito do apoio judiciário, já o correspondente regime geral é «inaplicável» à nomeação de defensor ao arguido, dispensa e substituição de patrono no âmbito do processo penal, dada a especialidade que decorre dos artigos 42º a 47º deste diploma [DL 387-B/87 de 29-12] e, antes, dos arts. 42º e ss. (“Disposições especiais sobre processo penal”) da Lei 30-E/2000 de 20-12. E o mesmo se diga do pedido de escusa (ou, em processo penal, de «dispensa do patrocínio»: art. 66º, nº 2 do CPP) do defensor nomeado. Com efeito, “a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio, substituição e remuneração são feitas nos termos do Código de Processo Penal (…)” (arts. 42º, nº 1 da Lei 30-E/2000 e 39º, nº 1 da Lei 34/2004 de 29-07). II. O art. 66º, nºs 2 e 3 do CPP (que prevê a dispensa do defensor a pedido deste e a substituição do defensor a pedido do arguido), o art. 66º, nº 4 do mesmo diploma (que determina que o defensor nomeado se mantenha para os actos subsequentes do processo “enquanto não for substituído”) e os arts. 42º e ss. da Lei 30-E/2000 (“Disposições especiais sobre processo penal”) e 39º e ss. da Lei 34/2004 (idem) não preveem, no âmbito do incidente de substituição do defensor, a interrupção dos prazos em curso. Pelo contrário, os arts. 42º, nº 3 e 45º, nº 2 da Lei 30-E/2000 e 39º, nº 4 e 42º, nº 3 da Lei 34/2004 dispõem, especialmente, que, em processo penal, “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo” e “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”. III. – Daí que não suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido. […] – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2005, seguido pela demais jurisprudência, de entre outros, os acórdãos da Relação de Coimbra de 18.12.2013; de 07.12.2016, da Relação de Guimarães de 23.01.2013; de 22.03.2013; de 22.05.2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt e cujo entendimento se subscreve.

Em face do exposto, não se admite o presente recurso, por intempestividade, ao abrigo do disposto no artigo 414º, nº 2 do Código de Processo Penal».

 

Inconformados, os arguidos reclamaram do despacho em causa para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. fls. 1-11, 83-93 dos autos).

 

A digna juíza do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, autora do despacho reclamado, por novo despacho, agora de 15 de Fevereiro de 2019, admitiu a reclamação, mas entendeu, de qualquer forma, de esclarecer o seguinte, quanto à tramitação dos autos (cfr. fls. 15-17, 96-97 dos autos):

Com efeito, o presente Tribunal não admitiu o recurso interposto pelos arguidos porquanto o mesmo foi apresentado fora de prazo.

Explicitando

A 01.03.2018, foi proferida sentença nos presentes autos, que consta a fls. 488 a 551.

Tal sentença foi notificada aos arguidos no dia 19.11.2018, conforme certidão de notificação que consta a fls. 584 e 585.

A 23.11.2018 a defensora oficiosa dos arguidos juntou aos presentes autos, a fls. 588 a 590v, o pedido de escusa do patrocínio oficioso.

 A 04.12.2018 foi nomeada uma nova defensora oficiosa aos arguidos, conforme fls. 543.

A 12.12.2018 veio a Ilustre Defensora requerer, a fls. 544 a 553, a confiança do processo, o que foi deferido por despacho de fls. 555.

A 15.01.2019 deu entrada nos presentes autos do recurso apresentado pelos arguidos, que consta a fls. 559 a 567.

Ora, prevê o artigo 411º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o prazo de 30 dias para a interposição de recurso, contados a partir do depósito da sentença.

Sendo a sentença um dos actos que têm de ser notificados pessoalmente aos arguidos, o prazo para a interposição de recurso deve contabilizar-se a partir da notificação dos mesmos – cfr. artigo 113º, nº 10, do referido diploma legal.

No caso, conforme se referiu, os arguidos foram notificados da sentença a 19.11.2018, o que significa que o prazo de 30 dias de que dispunham, para recorrer da mesma, terminou no dia 19.12.2018.

O facto de nesse período de 30 dias ter existido um pedido de escusa por parte da defensora oficiosa nomeada e a nomeação de outra em nada contende com o prazo legal.

Com efeito, determina o artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29.07 que: «[e]nquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo». No mesmo sentido dispõe o art. 66º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Significa isto que, caso os arguidos pretendessem recorrer, poderiam sempre tê-lo feito pois estavam devidamente patrocinados por uma defensora oficiosa, que só veio a ser substituída em 04.12.2018.

 

E tal pedido de escusa com subsequente substituição da defensora, em nada contende com os direitos dos arguidos, pois, conforme se disse, os mesmos poderiam sempre recorrer a partir do momento em que foram notificados da sentença e estavam acompanhados por defensor, tal como ordena o artigo 61º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

(…)

Com efeito, relativamente à mudança de defensores durante o prazo de recurso, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 487/2018, 22/11 decidiu: «[n]ão julga inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 39º, nº 1, 42º, nº 3, e 44º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, e do artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo de interposição de recurso da decisão depositada na secretaria não se interrompe nem se suspende no caso de, no decurso do mesmo, o arguido apresentar junto da Ordem dos Advogados pedido de substituição do defensor que lhe fora nomeado no processo».

Assim, face a todo o exposto, entende-se ser de manter o despacho de fls. 568, dos autos principais, mas V. Exas. melhor decidirão.

 

Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, veio a Ilustre Vice-Presidente deste tribunal superior, por despacho de 19 de Março de 2019 (cfr. fls. 103-105 dos autos), considerar o seguinte:

A questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 1/3/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 – cfr. fls. 61 destes autos.

 

Tem sido nosso entendimento que o disposto no nº 2, do art. 34º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação ao processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso.

Como se refere no Ac. da RE de 30/6/2015, proferido no âmbito do Proc. 28/8.2GBCCH.E1, em situação idêntica à dos presentes autos, disponível in www.dgsi.pt, “Em matéria penal, como se sabe, atenta a sua especificidade técnica, a interposição de recurso exige a intervenção de um defensor, o que se coaduna com a obrigatoriedade, plasmada nas als. e) e f) do Art. 61º do CPP, de o arguido estar, sempre, em qualquer momento, assistido por defensor, em função de uma garantia constitucional de salvaguarda dos seus direitos, como resulta do Art. 32º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

Como bem se refere no despacho recorrido, em que a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 (Acesso ao Direito e aos Tribunais), a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes.

(…)

E nem se diga que, com este entendimento, se prejudicam os direitos do arguido, pois os mesmos sempre estiveram assegurados, porquanto o ora recorrente, apesar das sucessivas nomeações, nunca deixou de ter defensor, não tendo estado, por isso, impedido de interpor recurso, direito que foi permanentemente assegurado, já que, como muito acertadamente se diz no despacho recorrido, «…os pedidos de escusa sucessivamente formulados pelos defensores oficiosos não interromperam o prazo de interposição do recurso do acórdão, o qual nesta data decorreu».

No mesmo sentido podem consultar-se os Acórdãos da RL de 21/6/2011 e de 9/1/2019, da RC de 18/12/2013, da RP de 4/4/2018, da RG de 25/5/2015 e 24/9/2018 (…).

Também o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão no Acórdão nº 487/2018, no qual se refere:

“Com efeito, não obstante o pedido de substituição, o defensor nomeado continua a poder – e a ter o dever de – exercer a defesa da arguida, sendo certo ainda que tal pedido de substituição, podendo ser tido como um elemento perturbador ou podendo evidenciar uma perturbação na relação entre a arguida e o seu defensor nomeado, não torna, por si só, inviável tal relação, nem impede a continuidade da defesa até que tal incidente se mostre findo. Não se vê, por isso, de que modo tal pedido, em si mesmo, e abstraindo das razões que o possam ter motivado (razões essas que, repete-se, não estão demonstradas nos autos), possa impedir o defensor de cumprir as funções que lhe estão cometidas, inclusivamente recorrendo da sentença proferida em 1.ª instância.

   Por essa razão, não se poderá considerar que a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido exija que, perante um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante a Ordem dos Advogados – e independentemente das razões de tal pedido –, se suspenda ou interrompa o prazo em curso até que se mostrasse decidida a questão respeitante a tal pedido de substituição.

Por outro lado, importa notar que, nas situações em que as razões subjacentes ao pedido de substituição do defensor nomeado sejam de molde a, em concreto, colocar em causa as garantias de defesa do arguido, seja na vertente da proibição de indefesa, seja na garantia do direito ao recurso e do direito a ser assistido por defensor arguido, o regime processual penal permite a ponderação de tais circunstâncias, uma vez que o n.º 3 do artigo 66.º do CPP faculta ao arguido a faculdade de requerer a substituição do defensor nomeado por causa justa. Em tal situação, poderá configurar-se a possibilidade de, tendo em conta as circunstâncias concretas que motivaram o pedido de substituição, a não interrupção ou não suspensão do prazo em curso aquando da formulação do pedido de substituição, poder revelar-se uma solução atentatória das garantias de defesa do arguido, nos termos expostos.

 

 

Foi o que se verificou na situação analisada por este Tribunal no Acórdão n.º 159/2004, acima citado. Nesta decisão, contudo, não se entendeu que a contagem ininterrupta do prazo de recurso, quando tenha sido formulado pelo arguido pedido de substituição do seu defensor nomeado, seja por si só violadora de qualquer parâmetro constitucional. Com efeito, nesse caso, estava em questão um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante o tribunal e por este deferido, por se ter considerado existir justa causa para essa substituição, consubstanciada na recusa de interposi­ção do recurso por parte daquele defensor.

Ora, estas específicas circunstâncias, que foram decisivas para o juízo de inconstitucionalidade, não se verificam nos presentes autos: aqui, por um lado, o pedido de substituição não foi dirigido ao tribunal, mas à Ordem dos Advogados; e, por outro, as razões de tal pedido não foram invocadas perante o tribunal, não tendo sido, por isso, objeto de apreciação, seja em primeira instância, seja pelo tribunal da relação, ora recorrido.

(…)

Conclui-se, por isso, que a interpretação normativa aqui objeto de apreciação não viola os direitos constitucionais do arguido à defesa, nomeadamente ao recurso e à assistência por defensor (cf. artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP), nem o princípio do processo equitativo, decorrente do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.”

 

No presente caso, tendo a sentença sido proferida em 1/3/2018 (data a partir da qual se considera como notificada à primitiva defensora oficiosa dos arguidos) e notificada aos arguidos em 19/11/2018 (fls. 61 destes autos), o prazo de interposição de recurso iniciou-se em 20/11/2018, pelo que, em 15/1/2019 – data em que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à secretaria do tribunal reclamado (fls. 81 destes autos) – há muito se encontrava esgotado o prazo legal de 30 dias.

Acresce que, com o requerimento de recurso não foi invocada qualquer justa causa para a sua apresentação intempestiva, sendo certo que a primitiva defensora oficiosa requereu escusa em 23/11/2018 e aos arguidos foi nomeada nova defensora oficiosa em 4/12/2018, terminando o prazo normal de recurso apenas em 19/12/2018.

Não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes.

Termos em que, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 405º, nº 4, do CPP.

 

II. Da interposição de recurso de constitucionalidade pelos arguidos e da redefinição do respectivo objecto

 

Inconformados, os arguidos interpuseram, em 4 de Abril de 2019, recurso deste despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 111-123 dos autos), suscitando a apreciação das seguintes questões de inconstitucionalidade:

1. As normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66º, 67º, 411º, nº 1, alínea a), 333º, nº 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio da igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação da garantia de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas, por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

2. E ainda das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66º, 67º, 411º, nº 1, alínea a), 333º, nº 5 e 6 do Código de Processo Penal, por si só ou individualmente consideradas, conjugadas entre si ou com qualquer outra norma, quando interpretadas no sentido de que o pedido de dispensa de patrocínio, formulado pelo defensor do arguido, não interrompe o prazo de recurso da decisão condenatória, que se encontrar em curso, porquanto representa uma violação das garantias de defesa e da estrutura acusatória do processo, por um lado, por constituir discriminação negativa da posição processual do arguido face à do assistente, violadora do princípio de igualdade de armas e da estrutura acusatória do processo, por outro lado, por constituir violação das garantias de assistência efectiva por advogado, integrante das garantias de defesa em processo penal e, em particular, da garantia do direito ao recurso, e bem ainda constituindo violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e do processo justo e equitativo, pelos motivos e nas dimensões já supra expostas, por violação do disposto nos artigos 13º, 20º. 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

 

3. A norma constante do artigo 42º da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho (Lei do acesso ao direito e aos tribunais), interpretada no sentido de não interromper o prazo que se encontrar em curso em caso de pedido de dispensa de patrocínio formulado pelo defensor de um arguido, representa discriminação negativa ao próprio arguido, manifestamente violadora do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o legislador previu, no artigo 34º do mesmo diploma, para situação idêntica em que se esteja perante um pedido formulado pelo patrono do assistente, a interrupção do mesmo prazo.

 

4. A referida interpretação do artigo 42º da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho (Lei do acesso ao direito e aos tribunais) é ainda violadora das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nºs 1, 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, e dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nºs 1, 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

Subidos os autos a este Tribunal Constitucional, entendeu a Ilustre Conselheira relatora, compreensivelmente, proferir despacho, em 30 de Setembro de 2019, convidando os recorrentes a proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso (cfr fls. 134 dos autos):

- “indicando qual a exata norma ou exatas normas (ou sua dimensão normativa) cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que este Tribunal aprecie, como impõe o nº 1 do artigo 75º-A da LTC;

 

- indicando qual a peça processual em que os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade das normas que pretendem ver apreciadas, conforme impõe o nº 2 do artigo 75º-A da LTC.

 

Em resposta, vieram os arguidos apresentar requerimento aperfeiçoado (cfr. fls. 136-141 dos autos), em 14 de Outubro de 2019, em que suscitaram, então, as seguintes três questões de constitucionalidade:

 

Primeira questão de constitucionalidade:

5. Em primeiro lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e do artigo 66º do Código de Processo Penal.

(…)

11. Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada daqueles preceitos, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal, a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso.

(…)

27. No que se refere à primeira questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso).

 

Segunda questão de constitucionalidade:

13. Em segundo lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e os artigos 66º, 411º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal.

(…)

 

20. Os Recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa daqueles preceitos, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso.

(…)

28. No que se refere à segunda questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso).”

 

Terceira questão de constitucionalidade:

22. Em terceiro lugar, os Recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa conjugada da norma constante do artigo 7º do Código de Processo Penal.

(…)

26. Os recorrentes pretendem assim a apreciação da constitucionalidade do art. 7º do CPP, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio da questão do direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade.

29. No que se refere à terceira questão de inconstitucionalidade, consideram os Recorrentes existir violação dos artigos 8º, nº 4, e 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural ou legal).

 

10º

Neste Tribunal Constitucional, a Ilustre Conselheira relatora, por despacho de 22 de Outubro de 2019, veio, relativamente ao requerimento aperfeiçoado apresentado pelos arguidos, determinar a notificação das partes para alegar, “com as advertências e a delimitação do objecto do recurso que de seguida se explicitam (cfr. fls. 144-145 dos autos):

 

i) Quanto à primeira questão identificada no ponto II, 5 e 6 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objecto do recurso por a dimensão normativa em causa extraída do arco normativo indicado não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019);

 

ii) Quanto à segunda questão identificada no ponto II, 13 e 14 da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, delimitando o objecto do recurso ao arco normativo circunscritos aos artigos 39º, nº 1, 42º (nºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66º (nºs 2 e 4), e 411º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34º daquela Lei não constituiu a ratio decidendi da decisão ora recorrida;

 

iii) Quanto à terceira questão identificada no ponto II, 22, da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, advertindo as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de não se conhecer do objecto do recurso por a dimensão normativa em causa alegadamente extraída do artigo 7º do Código de Processo Penal não constituir a ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019) e não constituir objecto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

 

11º

Ora, crê-se que assiste inteira razão à Ilustre Conselheira relatora, quanto à primeira questão de constitucionalidade suscitada pelos arguidos, relativa às «normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e os artigos 66º, 411º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal».

 

Com efeito, como referido anteriormente, foi claro entendimento do despacho recorrido, da Ilustre Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019 (cfr. supra nº 6 das presentes contra-alegações) (destaques do signatário):

Tem sido nosso entendimento que o disposto no nº 2, do art. 34º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação ao processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso.

 

Como se refere no Ac. da RE de 30/6/2015, proferido no âmbito do Proc. 28/8.2GBCCH.E1, em situação idêntica à dos presentes autos, disponível in www.dgsi.pt, “Em matéria penal, como se sabe, atenta a sua especificidade técnica, a interposição de recurso exige a intervenção de um defensor, o que se coaduna com a obrigatoriedade, plasmada nas als. e) e f) do Art. 61º do CPP, de o arguido estar, sempre, em qualquer momento, assistido por defensor, em função de uma garantia constitucional de salvaguarda dos seus direitos, como resulta do Art. 32º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.

 

Como bem se refere no despacho recorrido, em que a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 (Acesso ao Direito e aos Tribunais), a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes.”

 

Não houve, pois, aplicação das disposições da Lei 34/2004, mas sim do Código de Processo Penal, à matéria dos autos.

 

Nessa medida, a primeira questão de constitucionalidade não deverá ser conhecida por este Tribunal Constitucional.

 

12º

Da mesma forma, crê-se que assiste inteira razão à Ilustre Conselheira Relatora, quanto à terceira questão de constitucionalidade agora suscitada pelos arguidos, relativa à «norma constante do artigo 7º do Código de Processo Penal».

 

Com efeito, a decisão recorrida, do Tribunal da Relação de Lisboa, limitou-se a dizer, sem qualquer referência ao art. 7º do Código de Processo Penal (cfr. supra nº 6 das presentes contra-alegações:

Não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes.

 

Julga-se, pois, que esta terceira questão de constitucionalidade também não deverá ser conhecida por este Tribunal Constitucional.

 

13º

Acresce ser jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, relativamente à sua competência para conhecer da incompatibilidade entre normas nacionais e normas de direito da União Europeia (cfr. por exemplo, Acórdão 569/16):

 

 

Problemática foi, ao invés, a questão da eventual competência do Tribunal Constitucional para conhecer da incompatibilidade entre normas nacionais e normas de direito da União Europeia, sobretudo tendo em atenção o artigo 8.º, n.º 4, da Constituição. Mas, sobre a mesma já o Tribunal Constitucional se pronunciou por diversas ocasiões, em termos que agora se reiteram.

 

Na leitura que o Tribunal Constitucional tem feito das suas competências, apenas lhe é permitido fiscalizar a compatibilidade do Direito Interno com o Direito Internacional Convencional, ou com o Direito (primário) da União Europeia, nas situações expressamente previstas na alínea i) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC – apenas (i) decisões negativas ou de recusa de aplicação; (ii) de normas constantes de ato legislativo; (iii) fundadas na sua contrariedade com uma convenção internacional (cfr. Acórdão n.º 371/91, onde se detalha o panorama jurisprudencial que conduziu à introdução dessa alínea, no quadro decorrente da Lei Constitucional n.º 1/89 e da Lei n.º 85/89, firmando o entendimento que, por questões de constitucionalidade, “apenas se podem entender as de inconstitucionalidade direta, e já não as que só indireta ou consequentemente se podem colocar”). Em consonância, o artigo 71.º, n.º 2, da LTC autonomiza claramente, com referência expressa à citada alínea do artigo 70.º, n.º 1, as questões de natureza jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida, das questões de natureza jurídico-constitucional.

 

O Tribunal Constitucional tem, por outro lado, recorrentemente entendido, que a violação do direito da União Europeia por entidades nacionais não se traduz numa violação da própria Constituição (cfr. por exemplos, a este propósito, os Acórdãos 326/98, 621/98, 164/01, 466/03, 598/04, 717/04, 273/07, 335/10, 166/11, 6/12, 857/13, 526/14, 569/16, 519/18, bem como as Decisões sumárias 291/06, 121/12, 651/13, 730/13 e 103/16).

 

14º

Deste modo, as presentes contra-alegações apenas se debruçarão sobre a segunda questão de constitucionalidade suscitada pelos arguidos, tal como redefinida pela Ilustre Conselheira Relatora deste Tribunal Constitucional:

arco normativo circunscritos aos artigos 39º, nº 1, 42º (nºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66º (nºs 2 e 4), e 411º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que o invocado artigo 34º daquela Lei não constituiu a ratio decidendi da decisão ora recorrida”.

 

 

III. Apreciação do thema decidendum e conclusões

 

15º

  Ora, julga-se que a questão de constitucionalidade em apreciação já foi devidamente ponderada e respondida pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 487/18, de 4 de Outubro (Relator: Conselheiro Pedro Machete), o qual foi devidamente referido e serviu de fundamento à decisão recorrida.

 

Refere-se, com efeito, no mesmo Acórdão (destaques do signatário):

17. Embora nunca tenha sido confrontado com questão idêntica à dos presentes autos, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade se apreciar situações com alguma similitude, em que estavam em causa, seja para efeitos de contagem do prazo em curso, seja no que respeita à notificação e efetivo conhecimento de atos processuais, vicissitudes respeitantes à intervenção do defensor do arguido.

Assim, no Acórdão n.º 378/2003, o Tribunal pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 373.º, n.º 3, do CPP, conjugada com a do artigo 113.º, n.º 7, do mesmo Código, ambos na redação resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido.

Em sentido semelhante, no Acórdão n.º 489/2008, o Tribunal formulou um juízo no sentido da não inconstitucionalidade das normas dos artigos 373.°, n.° 3, e 113.°, n.° 9, do CPP, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado.

Nestes dois arestos, o Tribunal considerou, enquanto fator relevante para os juízos negativos de inconstitucionalidade formulados, a circunstância de o arguido ter estado devidamente representado na leitura da sentença, bem como de ter sido notificado da data designada para a mesma, o que permite presumir o seu conhecimento, a coberto dos deveres de representação que impendem sobre o defensor, realçando que o argumento de que o arguido não havia tomado conhecimento pessoal da censura penal decorrente da condenação «só poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, como, corretamente, se sublinhou nos citados acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99» (cf. Acórdão n.º 378/2003).

A este respeito, acrescentou-se ainda o seguinte, no Acórdão n.º 489/2008:

«Retomando considerações presentes na jurisprudência anterior deste Tribunal, designadamente nos Acórdãos n.ºs 378/03 e 111/07, para emissão de um tal juízo há que ter em conta os deveres funcionais e deontológicos a que fica sujeito o defensor nomeado e a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo, no termo do qual pode ser sancionado com uma pena privativa de liberdade.

Quanto ao primeiro vetor, pode admitir-se que a ausência do primitivo defensor da audiência em que foi lida a sentença torna mais dificilmente operante uma das vias de a interessada ficar ciente de uma informação cabal a este respeito.

 

Mas tal não importa um bloqueio, nem sequer uma dificultação intolerável, do acesso ao conteúdo e sentido da sentença. Há que atentar em que o primitivo defensor esteve presente na audiência em que foi marcada a data da leitura da sentença, tendo a mesma sido depositada na secretaria do tribunal. Fácil lhe seria, em cumprimento de um dever elementar, tomar conhecimento da decisão e comunicá-la, em tempo útil, ao seu representado.

E esse dado tem que ser conjugado com a conduta da própria arguida. Na verdade, mesmo que se entenda que o mecanismo de representação não é bastante, nesta matéria, para imputar o desconhecimento da sentença à esfera de responsabilidade da interessada em recorrer, a conduta desta revela um desinteresse e uma inércia em informar-se que justificam a afirmação da sua autorresponsabilidade. 

Com efeito, tendo estado presente à primeira audiência de julgamento, onde tomou pessoalmente conhecimento da data de realização da segunda (onde foi agendada a leitura da sentença), a arguida alheou-se depois, por completo, do seguimento do processo e do seu desfecho, o que, não tendo sido invocado qualquer impedimento, traduz negligência grosseira na gestão dos seus próprios interesses.».

 

Por sua vez, no Acórdão n.º 36/2004, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma n.º 1 do artigo 411º do CPP, interpretada no sentido de que, quando os arguidos e um defensor nomeado estão presentes à leitura de sentença, mas o advogado constituído falta e é posteriormente notificado dela, o prazo de interposição de recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria.

Em todos estes casos, não obstante as vicissitudes aí existentes, o Tribunal atribuiu relevância à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso, tendo ponderado, por um lado, a possibilidade de acesso pessoal do arguido, atuando com a diligência devida, ao conteúdo da decisão proferida, bem como tendo em consideração a existência de deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor.

Mais recentemente, no Acórdão n.º 314/2007, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º do Código de Processo Civil, enquanto aplicável subsidiariamente ao processo penal, com a interpretação de que a renúncia de mandatário constituído do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende a contagem deste com a notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa contagem com a constituição de novo mandatário. Considerou o Tribunal que, em tal situação, não se mostravam violados os direitos constitucionais do arguido à defesa, nomeadamente ao recurso e à assistência por defensor (artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP), com base na seguinte fundamentação:

«Da aplicação subsidiária do artº 39º, do C.P.C., ao processo penal, face à inexistência de regulamentação específica, resulta que a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído pelo arguido não tem como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do man­datário para com o seu cliente (artº 39º, nº 1, do C.P.C.), mantendo-se o dever do mandatário renunciante prestar assistência ao mandante, o qual tem de ser “pontual e escrupulosamente” cumprido, como impõe o artº 83º, do E.O.A..

Nos termos do nº 2, do artº 39º, do C.P.C., a renúncia só produz efeitos, extinguindo a relação de mandato, com a sua notificação ao mandante, pelo que só a partir da receção da declaração de renúncia pelo arguido, cessam os deveres do mandatário renunciante para com o seu cliente.

Assim, não se pode considerar que o arguido, entre a declaração de renúncia e a sua receção pelo destinatário, ficou desprovido de defensor. E, não constando da declaração de renúncia as razões de tal atitude, também não é possí­vel ponderar se, a partir da emissão dessa declaração, a assistência ao arguido ficou enfraquecida, de modo a considerar-se que deixou de estar assegurado o seu direito a defender-se.

Após a constituição de novo mandatário pelo arguido é inequívoco que este passou novamente a estar assistido por defensor, pelo que também a contagem do prazo de recurso após este ato não ofende o direito de defesa do arguido.

 

Conclui-se, pois, que durante os dois períodos que a decisão recorrida contabilizou, somando-os, para considerar decorrido o prazo de recurso, o arguido esteve sempre devidamente assistido por defensor.

Resta agora saber se, tendo-se verificado uma mudança de defensor no decurso do prazo de recurso, a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido se satisfaz com a concessão de um único prazo de recurso, a repartir pelos sucessivos defensores, como sustentou a decisão recorrida.

Se, para assegurar um efetivo direito de defesa, é necessário que o arguido esteja assistido por um defensor na fase de recurso, já não se revela um requisito do núcleo essencial desse direito que a pessoa do defensor seja a mesma durante o decurso do prazo de recurso.

A ponderação da decisão de recorrer e a elaboração da motivação do recurso, com a inerente escolha das questões a suscitar, é um labor que, apesar de ter um cunho pessoal, permite a transmissão pelo primitivo defensor para o novo defensor do trabalho intelectual e material já desenvolvido.

O prazo para a interposição do recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efetivo direito ao recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distin­tos quantos os defensores que se sucedam na assistência ao arguido.

Se a mudança da pessoa do defensor, no decurso do prazo de recurso, é suscetível de causar alguma perturbação ao exercício do respetivo direito, não se pode dizer, numa visão geral e abstrata, que a manutenção, nesses casos, do prazo único previsto na lei (15 dias) para a dedução do recurso penal, põe em causa, de modo inadmissível, a possibilidade do arguido recorrer das decisões que o afetam.

 

E se, no caso concreto, essa perturbação assumir uma dimensão tal que ponha em causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime processual penal permite que o arguido invoque a figura do justo impedimento (artº 107º, nº 2, do C.P.P.), para que possa exercer de modo efetivo o seu direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual desprotegida.».

 

Entendeu o Tribunal, neste aresto, que em caso de renúncia de mandato, entre o momento da declaração de renúncia e a produção de efeitos da mesma (com a sua receção pelo destinatário), não se pode considerar que o arguido tenha ficado desprovido de defensor. Considerou ainda o Tribunal que, por não constarem da declaração de renúncia as razões de tal atitude, não ser «possível ponderar se, a partir da emissão dessa declaração, a assistência ao arguido ficou enfraquecida, de modo a considerar-se que deixou de estar assegurado o seu direito a defender-se».

Diferentemente, num caso em que se encontravam demonstradas e aceites pelo tribunal a quo as razões em que se tinha fundado um pedido de substituição de defensor nomeado, no Acórdão n.º 159/2004, foi julgada inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 66.º, n.º 4, e 411.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual o prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da decisão na secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição foi requerida, o que foi deferido por o tribunal a quo considerar existir justa causa para essa substituição.”

 

16º

E o Acórdão 487/18 refere também, logo em seguida (destaques do signatário):

18. Regressando ao caso dos autos, importa salientar, em primeiro lugar, que tendo a própria arguida apresentado um requerimento em que informou ter pedido a substituição do defensor nomeado – sem referir as razões desse pedido de substituição –, requerendo a suspensão do prazo, que estava em curso, para interpor recurso da sentença proferida, o tribunal de primeira instância limitou-se apreciar o requerido quanto à “suspensão” do prazo, indeferindo tal pretensão. Esta decisão veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, pelos fundamentos acima referidos. Ou seja, o tribunal a quo entendeu que este pedido de substituição do defensor nomeado não tinha qualquer efeito interruptivo ou suspensivo do prazo em curso, considerando que, enquanto o defensor nomeado não fosse substituído, se mantinha para os atos subsequentes do processo, por força do disposto no artigo 66.º, n.º 4, do CPP. Daí que o mesmo tribunal tenha considerado que, não obstante a apresentação do pedido de substituição do defensor nomeado, a arguida não ficou desprovida de defensor, uma vez que aquele que se encontrava nomeado continuava a sê-lo para todos efeitos, inclusive para a eventual interposição de recurso.

Na verdade, estando em causa nos autos, conforme se referiu, por parte da arguida, um requerimento no sentido de ser suspenso o prazo de recurso, que estava em curso, em virtude de aquela ter solicitado a substituição do defensor junto da Ordem dos Advogados e não constando do requerimento em questão as razões do pedido de substituição (designadamente, que tal se devia à existência de divergências quanto à interposição do recurso), não é possí­vel concluir que esse pedido de substituição tenha subjacente qualquer fundamento do qual decorra que a assistência à arguida tenha ficado enfraquecida, a ponto de se poder entender que tenha deixado de estar assegurado o seu direito a defender-se (cf., neste mesmo sentido, no caso de renúncia não motivada do mandatário do arguido, o citado Acórdão n.º 314/2007). Com efeito, mesmo após o pedido de substituição do defensor nomeado, é inequívoco que a arguida continuou a estar assistida por defensor, pelo que a circunstância de tal pedido não ter qualquer efeito suspensivo ou interruptivo da contagem do prazo de recurso, não ofendeu o seu direito de defesa, designadamente na vertente do direito ao recurso, uma vez que tal direito continuava a poder ser exercido.

 

A recorrente sustenta que o facto de o defensor não ter interposto recurso e ter pedido escusa, após o pedido de substituição, demonstra a existência de uma divergência entre este e a arguida quanto à interposição de recurso. Contudo, conforme se disse, não está demonstrado nos autos, perante as instâncias infraconstitucionais, a existência de tal divergência, nem que tenha sido essa a razão do pedido de substituição, pelo que não se pode extrair qualquer conclusão a esse respeito. Daí que se possa afirmar, como faz o tribunal a quo, que durante o prazo para interposição de recurso a arguida esteve sempre devidamente assistida por defensor.

Por outro lado, da circunstância de a arguida ter pedido, junto da Ordem dos Advogados, a substituição do seu defensor nomeado, não decorre necessariamente uma diminuição das garantias de defesa, seja na vertente do direito ao recurso, seja na do direito a ser assistido por defensor.

E isto porque, não obstante a existência de um pedido de substituição, importa ter em linha de conta que o defensor nomeado, enquanto se mantiver nessa qualidade, fica sujeito a um conjunto de deveres funcionais e deontológicos, conforme já salientou este Tribunal a propósito de outras situações em que foi chamado a apreciar questões em que estava em causa a eventual violação das garantias de defesa do arguido, na vertente do direito ao recurso, bem como do direito a ser assistido por defensor (cf., entre outros, os citados Acórdãos n.ºs 378/2003 e 489/2008). Deste modo, embora se possa admitir que o pedido de substituição de defensor tenha por base um quadro de insatisfação ou de discordância da arguida em relação ao desempenho ou às opções tomadas por aquele (sendo certo, no entanto, que em momento algum foram manifestadas nos autos as razões de tal pedido), a verdade é que daí não decorre necessariamente que a arguida se deva considerar desprovida do direito a ser assistida por defensor.

 

Com efeito, não obstante o pedido de substituição, o defensor nomeado continua a podere a ter o dever deexercer a defesa da arguida, sendo certo ainda que tal pedido de substituição, podendo ser tido como um elemento perturbador ou podendo evidenciar uma perturbação na relação entre a arguida e o seu defensor nomeado, não torna, por si só, inviável tal relação, nem impede a continuidade da defesa até que tal incidente se mostre findo. Não se vê, por isso, de que modo tal pedido, em si mesmo, e abstraindo das razões que o possam ter motivado (razões essas que, repete-se, não estão demonstradas nos autos), possa impedir o defensor de cumprir as funções que lhe estão cometidas, inclusivamente recorrendo da sentença proferida em 1.ª instância.

   Por essa razão, não se poderá considerar que a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido exija que, perante um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante a Ordem dos Advogados – e independentemente das razões de tal pedido –, se suspenda ou interrompa o prazo em curso até que se mostrasse decidida a questão respeitante a tal pedido de substituição.

Por outro lado, importa notar que, nas situações em que as razões subjacentes ao pedido de substituição do defensor nomeado sejam de molde a, em concreto, colocar em causa as garantias de defesa do arguido, seja na vertente da proibição de indefesa, seja na garantia do direito ao recurso e do direito a ser assistido por defensor arguido, o regime processual penal permite a ponderação de tais circunstâncias, uma vez que o n.º 3 do artigo 66.º do CPP faculta ao arguido a faculdade de requerer a substituição do defensor nomeado por causa justa. Em tal situação, poderá configurar-se a possibilidade de, tendo em conta as circunstâncias concretas que motivaram o pedido de substituição, a não interrupção ou não suspensão do prazo em curso aquando da formulação do pedido de substituição, poder revelar-se uma solução atentatória das garantias de defesa do arguido, nos termos expostos.

 

Foi o que se verificou na situação analisada por este Tribunal no Acórdão n.º 159/2004, acima citado. Nesta decisão, contudo, não se entendeu que a contagem ininterrupta do prazo de recurso, quando tenha sido formulado pelo arguido pedido de substituição do seu defensor nomeado, seja por si só violadora de qualquer parâmetro constitucional. Com efeito, nesse caso, estava em questão um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante o tribunal e por este deferido, por se ter considerado existir justa causa para essa substituição, consubstanciada na recusa de interposi­ção do recurso por parte daquele defensor.

Ora, estas específicas circunstâncias, que foram decisivas para o juízo de inconstitucionalidade, não se verificam nos presentes autos: aqui, por um lado, o pedido de substituição não foi dirigido ao tribunal, mas à Ordem dos Advogados; e, por outro, as razões de tal pedido não foram invocadas perante o tribunal, não tendo sido, por isso, objeto de apreciação, seja em primeira instância, seja pelo tribunal da relação, ora recorrido.

(…)

Conclui-se, por isso, que a interpretação normativa aqui objeto de apreciação não viola os direitos constitucionais do arguido à defesa, nomeadamente ao recurso e à assistência por defensor (cf. artigo 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP), nem o princípio do processo equitativo, decorrente do disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.”

 

17º

Crê-se que uma tal argumentação se aplica igualmente ao caso dos autos.

 

Estamos, com efeito, perante uma situação em que a sentença condenatória de primeira instância foi proferida e depositada em 1 de Março de 2018, tendo sido notificada aos arguidos em 19 de Novembro do mesmo ano (cf. supra nºs 3, 5 das presentes contra-alegações).

 

A primitiva defensora oficiosa dos arguidos requereu, em 23 de Novembro de 2018, ao tribunal de 1ª instância, nos termos do art. 34º da Lei 34/2004, escusa de patrocínio oficioso, mediante requerimento dirigido ao presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, da mesma data (cfr. fls. 62-63 dos autos e supra nº 5 das presentes contra-alegações).

 

Não foram invocadas razões para essa escusa.

 

18º

A digna magistrada judicial determinou, assim, em 27 de Novembro de 2018, que se solicitasse informação ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados competente sobre a indicação de novo defensor nomeado aos arguidos (cfr. fls. 64, 69 dos autos).

 

Em 4 de Dezembro de 2018, a Ordem dos Advogados designou a nova (e actual) defensora oficiosa dos arguidos (cfr. fls. 65 dos autos).

 

Ora, o prazo de recurso apenas terminou no dia 19 de Dezembro de 2018, ou seja, 2 semanas depois desta última designação.

 

19º

É bem certo que a nova defensora oficiosa veio requerer, em 12 de Dezembro de 2018, a confiança do processo (cfr. fls. 66-67 dos autos), o que foi deferido por despacho judicial de 17 de Dezembro do mesmo ano (cfr. fls. 71 dos autos).

 

Mas também é verdade que a sua designação como defensora data de 4 de Dezembro, tendo decorrido 8 dias sem que a ilustre defensora tenha tomado qualquer iniciativa relativa aos autos, perdendo, pois, um tempo precioso para a eventual apresentação do requerimento de recurso, que acabou por ser entregue extemporaneamente.

 

20º

Temos, pois, que a sentença condenatória de primeira instância, de 1 de Março de 2018, foi devidamente notificada aos arguidos, em 19 de Novembro do mesmo ano.

 

Os arguidos dispunham, na altura, de defensora oficiosa, que se manteve em funções até ser substituída, o que ocorreu apenas em 4 de Dezembro de 2018.

 

A nova defensora oficiosa teve, por outro lado, pelo menos 15 dias para apresentar requerimento de recurso, ou seja, até ao final do prazo legalmente definido para o efeito, 19 de Dezembro de 2018.

 

Contudo, o requerimento de recurso apenas foi entregue em 15 de Janeiro de 2019, quase um mês depois desse prazo.

 

21º

Não há, pois, dúvidas que os arguidos sempre estiveram, durante todo este período, assistidos por defensor e, por isso, com possibilidade, se o quisessem, de recorrer atempadamente.

 

Estamos, assim, perante o que este Tribunal Constitucional designou de «deveres de representação que impendem sobre o defensor», ou «os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido», bem como perante «a diligência exigível a quem tem conhecimento de que contra si corre um processo no termo do qual pode ser sancionado com uma pena privativa de liberdade».

 

Não houve, pois, nenhuma «dificultação intolerável do acesso ao conteúdo e sentido da sentença» por parte dos arguidos.

 

E, ao contrário do que agora é alegado pelos recorrentes, houve sempre uma «efectiva possibilidade de exercício do direito ao recurso», quer por parte da primitiva, quer da actual defensora dos arguidos, durante todo o prazo legal previsto para o efeito.

 

22º

Com efeito, como se viu, o prazo para a interposição do recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efectivo direito ao recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distin­tos quantos os defensores que se sucedam na assistência ao arguido.

 

Se a mudança da pessoa do defensor, no decurso do prazo de recurso, é susceptível de causar alguma perturbação ao exercício do respectivo direito, não se pode dizer que a manutenção, nesses casos, do prazo previsto na lei para a dedução do recurso penal, sem qualquer efeito interruptivo ou suspensivo, ponha em causa, de modo inadmissível, a possibilidade de o arguido recorrer das decisões que o afectam.

 

Aliás, uma vez que não foram explicitadas as razões que levaram à apresentação do pedido de escusa por parte da primeira defensora oficiosa dos arguidos, não é possível concluir que a assistência aos arguidos tenha ficado enfraquecida, a ponto de se poder entender que tenha deixado de estar assegurado o seu direito a defender-se.

 

Acresce o facto de o regime processual penal permitir que o arguido invoque a figura do justo impedimento, o que, no caso dos autos, não aconteceu.

 

23º

Assim, por todas as razões invocadas ao longo das presentes contra-alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá:

 

a) negar provimento ao recurso de constitucionalidade interposto, nos presentes autos, pelos arguidos A. e B.;

 

b) não julgar, nessa medida, inconstitucional o «arco normativo circunscritos aos artigos 39º, nº 1, 42º (nºs 1 e 3) da Lei 34/2004, de 29 de Julho e aos artigos 66º (nºs 2 e 4), e 411º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso»;

 

c) confirmar, em consequência, o despacho recorrido, da Ilustre Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Março de 2019

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

II – Fundamentação

 

A) Da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso e da delimitação do objeto do recurso

                                                  

8. Cumpre começar por fixar o objeto do recurso, em consonância com o indicado no despacho para a produção de alegações. 

 

8.1 Os recorrentes pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional três questões de constitucionalidade, de acordo com o requerimento de interposição de recurso aperfeiçoado (supra transcrito em I, 5.). Assim:

 

- A primeira questão de constitucionalidade reporta-se à «interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e do artigo 66º do Código de Processo Penal», «na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal, a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso», invocando a violação «dos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso)»;

- A segunda questão de constitucionalidade é dirigida à «interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e os artigos 66º, 411º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal», na interpretação «da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso», por violação «dos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso)»;

- A terceira questão de constitucionalidade é reportada à interpretação da «norma constante do artigo 7º do Código de Processo Penal», na «dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio da questão do direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade», considerando-se «existir violação dos artigos 8º, nº 4, e 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural e legal)».

 

8.2 Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade dos recursos apresentados nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como sucede in casu, depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

 

8.3 Nos autos foram as partes ouvidas sobre a possibilidade de não conhecimento da primeira e da terceira questão, por falta de verificação de alguns pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso; e sobre a redelimitação do arco normativo a que se reporta a segunda questão colocada.

Quanto à primeira questão, foram as partes ouvidas sobre a possibilidade de não conhecimento da mesma por não se mostrar verificado o pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade relativo à ratio decidendi.

Quanto à segunda questão, foram as partes ouvidas sobre a necessidade da respetiva redelimitação, de modo a não incluir, no respetivo enunciado, a referência ao artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, por não ter sido a mesma norma legal convocada no critério decisório adotado nas instâncias.

Quanto à terceira questão, foram as partes advertidas para a possibilidade de não conhecimento da questão colocada, por não se mostrarem verificados os pressupostos de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade relativos à ratio decidendi e ao objeto normativo.

Cumpre por isso aferir do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso quanto às  questões colocadas pelos recorrentes e, ainda, precisar a delimitação do objeto do recurso.

 

A1) Terceira questão de constitucionalidade

 

9. Começando pela terceira questão – referente à interpretação do artigo 7.º do Código de Processo Penal (CPP), na «dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio da questão do direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade», por alegada violação «dos artigos 8º, nº 4, e 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural e legal)», tenha-se presente que assim dispõe o artigo 7.º do CPP:

 

«Artigo 7.º

Suficiência do processo penal

1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.

2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.

3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova.

4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a ação não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal.»

 

No despacho da relatora para produção de alegações pelas partes foi feita a advertência no sentido de a questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes a propósito de uma pretensa interpretação conferida pelo Tribunal a quo a esta norma do CPP não poder ser conhecida no âmbito do presente recurso de constitucionalidade, por não se mostrarem verificados os pressupostos de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta relativos à ratio decidendi e ao objeto normativo.

 

9.1 Vêm os recorrentes, em sede de alegações de recurso (supra transcritas em I, 7.1), defender que a «norma» sindicada foi efetivamente aplicada pelo Tribunal a quo e que a mesma constitui um objeto idóneo para a requerida fiscalização da constitucionalidade no âmbito do presente recurso.

Para o efeito, chamam à colação o disposto no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), quanto à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para decidir, a título prejudicial, sobre questões de validade ou de interpretação do direito da União, Europeia (DUE) prevendo as situações em que a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal do Luxemburgo  é obrigatória.

Segundo os recorrentes, «o art. 7.º, n.º 2, do CPP diz que “pode” o Tribunal suspender o processo penal para que uma questão não penal suscitada seja decidida pelo Tribunal competente, não prevendo a obrigatoriedade do reenvio para o TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE, para os Tribunais que decidam em última instância», pelo que «pretendem assim a apreciação da constitucionalidade do art. 7.º, do CPP, na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio de questão de direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade», invocando como parâmetros de constitucionalidade «os artigos 8.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (primado do direito da União e direito ao juiz natural ou legal)».

Consideram os recorrentes que a decisão recorrida da Vice-Presidente da Relação de Lisboa de 19/3/2019, aplicou, de forma implícita, «as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade foi suscitada, e que constituem ratio decidendi, ao considerar que “não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes”».

Isto já que, como afirmado nas alegações de recurso dos recorrentes, «sendo manifesta a relevância dos instrumentos de direito da União para o caso sub judice bem como a essencialidade da interpretação das soluções normativas destes decorrentes para a solução da questão decidenda, bem como manifesta a inexistência de jurisprudência do TJUE, é um dado objectivo e manifesto que estavam previstos os pressupostos para o reenvio prejudicial, pelo que a decisão recorrida adoptou como fundamento normativo, um fundamento objectiva e manifestamente violador do art. 8.º, n.º 4, da CRP, já que não respeitou o comando constitucional do qual decorre a obrigatoriedade de conferir primado ao direito da UE». E, segundo os recorrentes, «igualmente, violou o art. 32.º, n.º 9, da CRP, pois subtraiu a decisão sobre a interpretação da Directiva 2010/48/UE e dos artigos 47.º e 48.º, n.º 2, da CDFUE ao juiz natural, neste caso o TJUE».

Consideram os recorrentes que a questão colocada, não obstante a relevância do Direito da União Europeia (artigo 267.º, do TFUE), assume relevância jurídico-constitucional, em face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Entendem que, por isso, não é aplicável à situação dos autos a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, designadamente, concluiu que «a desconformidade de norma legislativa interna com as normas comunitárias, de direito originário ou derivado, não constitui um problema de constitucionalidade que se integre na esfera cognitiva deste Tribunal» ou que «a inconstitucionalidade indireta não é objeto de fiscalização por este Tribunal», concluindo que a questão colocada constitui um objeto idóneo para a requerida fiscalização da constitucionalidade (designadamente para efeitos de apreciação do respeito pelo artigo 8.º, n.º 4, da CRP):

«Estando no nosso caso em causa a conformidade de dimensão normativa de norma de direito interno com a Constituição (e não com uma norma de direito internacional ou da União), e não estando em causa a constitucionalidade da própria norma do direito da UE, parece aos Recorrentes que a mesma é susceptível de constituir objecto de recurso de constitucionalidade».

 

Invocam ainda jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão para sustentar que «a dimensão normativa preconizada violou claramente a proibição constitucional de “desaforamento” decorrente do princípio constitucional do juiz natural consagrado no art. 32.º, n.º 9, da CRP».

 

9.2 Não lhes assiste razão.

Quanto a esta terceira questão – referente a uma pretensa interpretação normativa retirada do artigo 7.º, n.º 2, do CPP  (no sentido de que em processo penal não é obrigatório o reenvio da questão do direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade) –, e tal como resulta da advertência feita no despacho da relatora para produção de alegações pelas partes, a mesma não pode ser conhecida no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.

Pese embora o esforço argumentativo dos recorrentes para sustentar, por um lado, que a norma (dimensão normativa) extraída do artigo 7.º do CPP que pretendem ver sindicada foi implicitamente aplicada pela decisão recorrida e que, estando em causa a conformidade dessa norma (infra-constitucional, extraída do CPP) com a Constituição – e não de norma de DUE com a Constituição –, tal pode ser apreciado por este Tribunal, a leitura da decisão recorrida não confirma, antes infirma, a verificação do pressuposo relativo à ratio decidendi.

Desde logo, resulta com evidência da análise dos autos sub judice que em parte alguma da decisão do TRL de 19/3/2019 é adotada, de forma expressa ou implícita, a pretensa dimensão normativa do artigo 7.º do CPP que os recorrentes pretendem ver apreciada no recurso de constitucionalidade. Diferentemente, a pronúncia da decisão recorrida limita-se a apreciar a própria decisão então reclamada, sendo que nenhuma das instâncias recorre à pretensa interpretação normativa impugnada (retirada do artigo 7.º do CPP – que não convocam – ou de qualquer outra norma legal) para decidir a pretensão dos ora recorrentes de verem apreciada – a título prejudicial, pelo TJUE – uma questão de interpretação de norma de direito derivado da União.

Nas peças dos recorrentes verifica-se ocorrer, aliás, quanto à terceira questão, uma divergência quanto à identificação da Directiva em que se insere a norma cuja interpretação pelo TJUE se pretende seja objeto de uma questão prejudicial (para os recorrentes, obrigatória) – no requerimento de recurso, Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Outubro de 2013 (cf. em especial n.ºs 57 e 62, alínea a)) e nas alegações de recurso, Directiva 2010/48/UE, da Comissão de 5 de julho (cf. em especial 125 e 128) – o que se afigura corresponder a um lapso dado que a segunda Directiva versa sobre matéria  manifestamente irrelevante para o caso dos autos.

Ora, no que releva para a apreciação da admissibilidade do recurso de constitucionalidade nesta parte (terceira questão), está em causa, tão só, a aferição dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, concretamente o pressuposto relativo à ratio decidendi que, manifestamente, não se  verifica no caso dos autos.

Com efeito, conforme também assinalado nas alegações do recorrido Ministério Público, a «norma» sindicada não foi aplicada pela decisão judicial recorrida como razão determinante do decidido, limitando-se o TRL «a dizer, sem qualquer referência ao art. 7º do Código de Processo Penal (cfr. supra nº 6 das presentes contra-alegações: “Não cremos, pois, que a decisão reclamada seja violadora de quaisquer preceitos constitucionais ou do direito da UE, designadamente, os invocados pelos reclamantes.”» (cf. alegações do Ministério Público, supra transcritas em I, 6.2).

Em face do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, tanto basta para não se conhecer desta parte do objeto do recurso.

 

9.3 Acresce que, diferentemente do pretendido pelos ora recorrentes, a questão de constitucionalidade em causa não constitui um objeto idóneo para a requerida fiscalização.

Por um lado, a questão é totalmente dirigida à decisão judicial de não admissão do recurso interposto pelos recorrentes, na parte em que não atende à pretensão de verem colocada pelas instâncias e decidida pelo TJUE uma questão prejudicial de interpretação (para os recorrentes, obrigatória) – mas que para os recorrentes tem subjacente a questão da conformidade de normas de direito interno em face de norma de direito derivado da União Europeia –, não revestindo por isso caráter normativo para efeitos de aferição dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.

Segundo o requerimento aperfeiçoado, pretendem os recorrentes a interpretação, pelo TJUE, do artigo 3.º, n.º 1, da referida Directiva 2013/48/UE, de molde a afastar a aplicação de diversos preceitos legais nacionais num alegado sentido interpretativo que os recorrentes imputam às decisões das instâncias e pretendem ver afastado, para tanto invocando o primado do direito da União – ou, correlativamente, de molde a aplicar o direito nacional com o melhor (e único) sentido interpretativo que os recorrentes consideram ser de conferir às normas legais sindicadas [segundo o qual em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por defensor oficioso interrompe o prazo que se encontre em curso e, assim, também o prazo para recurso da decisão condenatória, até à nomeação de novo defensor] e que segundo os mesmos decorreria de modo inelutável, nomeadamente, daquele preceito da Directiva (cuja transposição, aliás, o Estado considerou não necessária – vd. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/NIM/?uri=celex:32013L0048).

Por outro lado, a questão de constitucionalidade (alegadamente reportada ao artigo 7.º do CPP) é artificialmente construída a partir dessa mesma inviabilidade da pretensão de reenvio prejudicial formulada pelos arguidos junto das instâncias, como exemplarmente ilustrado com o seguinte trecho do requerimento de interposição de recurso no Tribunal Constitucional (supra transcrito em I, 2.):

 

«56. Conforme vimos, o prazo de transposição da Directiva (UE) 2013/48 já se esgotou. Assim, impõe-se a interpretação das normas dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, em conformidade com o seu art. 3.º, n.º 1, no sentido de se considerar que as normas internas que regulam a dispensa e substituição do defensor oficioso em processo penal têm de ser interpretadas no sentido de o prazo para apresentação de recurso da decisão condenatória se interromper com a apresentação do pedido de dispensa e até à nomeação de novo defensor, porquanto só esta solução dá execução à norma da Directiva que obriga a que os EM consagrem soluções normativas que permitam o exercício em tempo útil e de forma efectiva dos direitos de defesa, nos quais se inclui o recurso.

 

57. Conforme o artigo 3.º, n.º 1 da Directiva n.º 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Outubro de 2013, aplicável em processo penal, a partir do momento em que a pessoa suspeita ou acusada é informada dessa qualidade pelas autoridades competentes e até que “um eventual recurso seja apreciado”, nos termos dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, “os Estados-Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa”.

 

58. A referida Directiva “promove a aplicação da Carta [CDFUE], em especial dos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 47.º e 48.º, com base nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 8.º da CEDH, conforme interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, na sua jurisprudência constante, confirma o direito de acesso a um advogado. Essa jurisprudência prevê, nomeadamente, que a equidade do processo exige que o suspeito ou acusado tenha acesso a toda a gama de serviços especificamente associados com a assistência judiciária. A este respeito, os advogados dos suspeitos ou acusados deverão poder assegurar, sem restrições, os aspetos fundamentais da defesa”, considerando 12 do preâmbulo (nosso negrito e sublinhado).

 

59. Desta forma, as disposições dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, devem ser interpretadas em conformidade com o artigo 3.º, n.º 1 da Directiva, no sentido de que os Estados-Membros que tenham uma regulamentação como a em causa nos presentes autos, para assegurar que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir-lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa, têm de considerar que em caso de pedido de dispensa pelo defensor nomeado, o prazo para interposição de recurso apenas conta a partir da nomeação do novo defensor, pois só assim este poderá garantir o exercício de forma efectiva e em tempo útil do direito ao recurso.

 

60. Esta solução decorre da própria CDFUE e da CEDH, à luz das quais deve ser interpretada aquela norma da Directiva, em particular os artigos 47.º, 48.º, n.º 2 da CDFUE e 6.º n.º 1 e n.º 3, da CDEH.

 

61. A concluir-se que a letra e o espírito das disposições internas supra referidas não permite uma interpretação conforme à Directiva, com aquele sentido, então as normas dos artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e dos artigos 66.º e 67.º do Código de Processo Penal, deverão ser desaplicadas, sob pena de violação do primado do Direito da União Europeia, e do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

62. Tendo V. Exa. dúvidas sobre a interpretação do artigo 3.º, n.º 1 da Directiva, deverá submeter a questão à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por meio de reenvio prejudicial, colocando as seguintes questões:

 

a)  A norma do artigo 3.º, n.º 1 da Directiva UE/2013/48 impõe que os artigos 39.º, n.º 1, 42.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e do artigo 34.º do mesmo Diploma legal, e os artigos 66.º, 67.º, 411.º, n.º 1, alínea a), 333.º, n.º 5 e 6 do Código de Processo Penal, sejam interpretados no sentido que em caso de pedido de dispensa pelo defensor nomeado, o prazo para interposição de recurso apenas conta a partir da nomeação do novo defensor, pois só assim este poderá garantir o exercício de forma efectiva e em tempo útil do direito ao recurso?

b)  Em caso de resposta negativa à primeira questão, essa interpretação é conforme aos artigos 47.º e 48.º, n.º 2 da CDFUE?

 

63. As questões interpretativas de direito da União Europeia devem ser submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por meio de reenvio prejudicial, sob pena de violação do artigo 267.º do TFUE, e em particular o n.º 3, já que o reenvio é obrigatório para o Tribunal de última instância, e do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

 

64. O não reenvio para o TJUE de uma questão de interpretação do direito da União quando existam dúvidas interpretativas sobre o seu conteúdo e esta seja necessária para a decisão de um processo nacional pelo tribunal de última instância e inexistam decisões do TJUE sobre a questão suscitada é inconstitucional, por violação do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e do princípio do primado do direito da UE, e do artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, todos conjugados com o artigo 267.º, em particular o n.º 3, do TFUE.»

 

Assim sendo, e atentos os limites de cognição do Tribunal Constitucional nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como in casu – a que o recorrido Ministério Público não deixa de se referir (cf. Alegações do Ministério Público, transcritas em I, 6.2) –, a terceira questão colocada não pode ser apreciada por este Tribunal.

 

9.4 Acresce, por fim, que não se afigura determinante para infirmar esta conclusão a invocação e citação, pelos recorrentes, da jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão (cf. alegações, 134-137) proferida no processo 2BvR 427/12 (BverfG, Order of the Second Senate of 19 December 2017, 2 BvR 424/17, paras.1-61, disponível em   www.bundesverfassungsgericht.de), em concreto no que respeita aos poderes exercidos por esse Tribunal em relação aos tribunais comuns e ao respetivo dever de reenvio prejudicial (cf. C., I, paras. 37.43, citados pelos recorrentes) e que pretendem ver transposta para o caso dos autos – desde logo face  à inexistência, na ordem jurídica portuguesa, do instituto da queixa constitucional (Verfassungsbeschwerde), no quadro da qual foi prolatada a mencionada decisão. À jurisdição constitucional portuguesa cabe tão só o controlo da conformidade constitucional de normas, da mesma se encontrando excluída a apreciação de decisões judiciais incluindo (como pretendem os recorrentes) quanto ao modo como, em cada caso, aplicam, ou não, o meio contencioso previsto no artigo 267.º do TFUE.

 

A2) Primeira questão e segunda questão

 

10. Já quanto às duas primeiras questões, recorde-se que a primeira questão de constitucionalidade colocada reporta-se à «interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e do artigo 66º do Código de Processo Penal», «na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal, a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso».

A segunda questão de constitucionalidade é dirigida à «interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e os artigos 66º, 411º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal», na interpretação «da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso».

Em ambas as questões é invocada a violação «dos artigos 13º, 20º, 32º, nº 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa (igualdade perante a lei, direito de acesso ao direito e aos tribunais, representação por advogado e direito a um processo justo e equitativo, garantias de defesa em processo penal e da estrutura acusatória do processo, igualdade de armas, garantia de assistência efectiva por advogado e garantia do direito ao recurso)».

 

11. Pronunciaram-se os recorrentes no sentido do conhecimento da primeira questão.

Nessa pronúncia começam por transcrever um excerto da decisão recorrida (decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de março de 2019), nos seguintes termos:

« “[o] despacho reclamado, a fls. 82 destes autos, não recebeu o recurso com fundamento em que é extemporâneo, porquanto o prazo de interposição de recurso não se suspende com o pedido de substituição de defensor oficioso apresentado no seu decurso, à luz do disposto nos artigos 39.º e 42.º da Lei 34/2004, de 29.07 e artigo 66.º do CPP. [...] “[a] questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se a substituição da defensora oficiosa, ocorrida nos autos, teve a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo de interposição de recurso da sentença proferida em 01/03/2018 e notificada aos arguidos em 19/11/2018 [...]. “Tem sido nosso entendimento que o disposto no n.º 2, do art. 34.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação no processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis, não suspendendo o pedido de escusa do defensor o prazo de interposição de recurso”, citando jurisprudência na qual se afirma que “a interpretação das normas em causa é inatacável, da conjugação do estatuído nos Arts. 34, 39 e 42 da Lei 34/04 de 29/07 [...], a nomeação do defensor ao arguido são feitas nos termos do CPP, sendo que enquanto não for substituído, o defensor para um acto mantêm-se [sic] para os actos subsequentes” (pp. 1-2 da decisão), para terminar concluindo que o prazo (cuja contagem é efectuada pela decisão nos termos do disposto nos artigos 411.º, n.º 1, al. a), do CPP), não se interrompendo, já tinha terminado antes da data em que foi apresentado o recurso.»

 

Nessa pronúncia dos Recorrentes (cf. alegações de recurso, supra transcritas em I, 7.1 ) foi defendido que, de acordo com o que entendem por ratio decidendi e, citando doutrina, «a aplicação da norma pode ser expressa como implícita (acs. 88/86, 47/90, 235/93) e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acs. 114/89, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90, 283/94, 176/88, 763/93, 51/92)». Assim, para os recorrentes, «deve concluir-se que a referida dimensão normativa cuja constitucionalidade foi sindicada nos artigos 5.º e 6.º, do ponto II, da resposta ao convite de aperfeiçoamento, constitui ratio decidendi da decisão recorrida (decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Março de 2019), devendo, por conseguinte, ser conhecido o objecto do presente recurso».

            Por fim, os recorrentes, na eventualidade de assim não se concluir, justificam a arguição de constitucionalidade da dimensão normativa que pretendem ver sindicada, «porquanto existe jurisprudência deste Colendo Tribunal que considera que, mesmo em casos em que se discute se o pedido de substituição de defensor tem um efeito interruptivo ou suspensivo do prazo de interposição de recurso da decisão condenatória, tal dimensão normativa não resulta necessariamente da aplicação do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal» e assinalam que a dimensão normativa sindicada na primeira questão inclui a dimensão normativa enunciada na segunda questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos, sendo que, «tal não significa, todavia, que deva considerar-se que [aquela] dimensão mais alargada não tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida que considerou, como fundamento de decisão, que o pedido de substituição de defensor nunca interrompe o prazo que esteja em curso, no qual se inclui o prazo de interposição de recurso».

Passam, de seguida, a defender (sem as distinguir) a inconstitucionalidade das normas (ou dimensões normativas) a que se referem a primeira e a segunda questão de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição de recurso aperfeiçoado.

Tanto quanto à primeira como quanto à segunda questão de constitucionalidade, admitem os recorrentes a delimitação do objeto circunscrevendo o arco normativo convocado aos artigos 39.º, n.º 1 e 42.º (n.ºs 1 e 3), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho e ao artigo 66.º (n.ºs 2 e 4) do Código de Processo Penal (primeira questão, cf. Alegações, B. 22) ou aos artigos 39.º , n.º 1 e 42.º, (n.ºs 1 e 3) da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho e aos artigos 66.º (n.ºs 2 e 4) e 411.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal (segunda questão, cf. idem, B. 27), uma vez que, num caso como noutro, e segundo os recorrentes, «o invocado artigo 34.º daquela lei poderá não constituir a ratio decidendi da decisão ora recorrida (muito embora seja relevante para o juízo de inconstitucionalidade)» (cf. idem, 22. e 27.).

Por seu turno, teve o recorrido Ministério Público oportunidade para igualmente se pronunciar sobre a questão prévia de não conhecimento da primeira questão de constitucionalidade que integra o presente recurso de constitucionalidade (cf. alegações, supra transcritas em I, 7.2 ), tendo concluído igualmente pela não verificação do pressuposto processual relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, da norma (ou interpretação normativa) impugnada, tal como enunciada pelos recorrentes.

 

11.1 Aceitando os recorrentes a proposta delimitação do objeto do recurso, de modo a não incluir no arco normativo sindicado o artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, por não ter sido efetivamente aplicado pelas instâncias – o que releva, em especial, para a delimitação da segunda questão de constitucionalidade, cujo conhecimento não está em causa –, verifica-se que os argumentos dos recorrentes não permitem, porém, infirmar a conclusão, retirada da análise dos autos (em especial, da leitura da decisão recorrida), de que a primeira questão de constitucionalidade colocada não encontra total correspondência na decisão do Vice-Presidente do STJ ora recorrida, que confirma, em recurso, a decisão de não admissão do recurso interposto pelos ora recorrentes de sentença condenatória de 1ª instância.

Isto, tendo-se presente o iter processual dos autos supra explicitado (em I, 2) que incluiu, a decisão proferida em primeira instância de não admissão do recurso da decisão sancionatória para o TRL por intempestividade, a decisão proferida em primeira instância de admissão de reclamação (apresentada pelos arguidos) para o TRL e culminou com a subsequente decisão da Desembargadora Vice-Presidente do TRL, de 19/3/2020, que a decidiu (supra citadas em I, 2, alíneas f), g) e h), respetivamente) – e recorrida para o Tribunal Constitucional

 

11.2 Desse iter processual e da fundamentação das decisões proferidas nas instâncias e, em particular da decisão do TRL ora recorrida, há que concluir que não cabe o conhecimento da primeira questão de constitucionalidade, mas apenas da segunda questão colocada pelos recorrentes. Fundamentalmente, pelas razões que em seguida se enunciam.

Em primeiro lugar, no confronto com o decidido pelas instâncias, em especial na decisão do Vice-Presidente do TRL de 19/3/2019, ora recorrida, pode verificar-se que, tal como constava do despacho da relatora para produção de alegações, é expressamente afastada a aplicabilidade da norma contida no artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho à situação dos autos – o que se mostra corroborado na pronúncia dos recorrentes. Assim, é de concluir não ter sido aplicada uma norma derivada da interpretação do disposto no artigo 34.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, como razão determinante do decidido, deste modo se delimitando o objeto do recurso – seja quanto à primeira ou quanto à segunda questão de constitucionalidade.

Em segundo lugar, do excursus argumentativo e subsuntivo formulada pela decisão recorrida retira-se que a questão efetivamente ponderada e decidida é a de saber se o prazo de recurso da decisão condenatória de primeira instância se mostra ou não interrompido pela vicissitude processual ocorrida nos autos sub judicepedido de escusa da defensora oficiosa e substituição por outra defensora – o que não se mostra refletido no enunciado da primeira questão de constitucionalidade submetida pelos recorrentes à apreciação deste Tribunal, mas sim no enunciado da segunda questão. A este propósito, cumpre ainda esclarecer que esta conclusão é aferida a partir da formulação da dimensão normativa que os recorrentes pretendem ver sindicada como segunda questão de constitucionalidade, não sendo essencialmente determinada pela referência ali contida à norma do artigo 411.º, n.º 1, alínea a), do CPP – cuja relevância se afigura meramente instrumental na formulação da questão colocada. 

Em terceiro lugar, e em sequência, sendo essa a «norma» ou critério normativo que determina a decisão de recusa de admissão do recurso interposto pelos arguidos por extemporaneidade, assim também se verifica que a pronúncia do Tribunal a quo não se dirige à primeira questão de constitucionalidade enunciada pelos recorrentes – que não constitui, assim a ratio decidendi da decisão recorrida –, mas sim à segunda questão colocada.

 

12. E é a esta segunda questão de constitucionalidade – com a delimitação do arco normativo enunciada no despacho da relatora neste Tribunal – ou seja, a de saber se a interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, nº 1 e 42.º, n.ºs 1 e 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de julho e dos artigos 66.º, n.ºs 2 e 4 e 411.º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal, na interpretação «da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso» viola as normas e princípios constitucionais convocados pelos recorrentes (contidos nos artigos 20.º, 32.º e 13.º da Constituição) –  que cumpre responder nos presentes autos de constitucionalidade.

 

B) Do mérito do recurso

 

13. Assim delimitada a segunda questão de constitucionalidade, recorde-se o teor dos preceitos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e do CPP, que os recorrentes integram no arco normativo cuja interpretação imputada à decisão recorrida pretendem ver sindicada.

Os artigos 39.º (n.º 1) e 42.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, têm o seguinte teor:

«Artigo 39.º

Nomeação de defensor

1 - A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

(…).

 

Artigo 42.º

Dispensa de patrocínio

1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.

2 – A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.

3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.

4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

5 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.)»

 

O artigo 66.º, n.º 4, do CPP tem o seguinte teor:

«Artigo 66.º

Defensor nomeado

(…)

4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.

(…).»

 

Por seu turno, dispõe o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, no que releva para o caso dos autos, que:

«Artigo 411.º

Interposição e notificação do recurso

1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:

a) A partir da notificação da decisão;

b) (…)

c) (…)»

 

14.  Identificado o teor dos preceitos que integram o arco normativo de que os recorrentes extraem a norma cuja inconstitucionalidade é arguida como ratio decidendi, atente-se na argumentação desenvolvida pelos recorrentes para sustentar a invocada inconstitucionalidade.

Alegam os recorrentes que as normas ou dimensões normativas aplicadas como ratio decidendi pela decisão recorrida importam um encurtamento constitucionalmente inadmissível das garantias de defesa do arguido, maxime, no que diz respeito ao recurso de uma decisão final e condenatória.

Invocam a violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal, concretizado no direito constitucional de defesa em processo penal, composto de um núcleo complexo de garantias, nas quais se incluem o direito ao recurso, o direito de assistência por Advogado, e o direito a dispor de tempo razoável para preparação da defesa, em particular no referente ao direito ao recurso (artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa) e a violação do princípio da igualdade e do direito à igualdade de armas no processo penal, tendo em conta o tratamento diferente e injustificado dos efeitos do pedido de escusa do defensor do arguido (não interrompendo o prazo que se encontre em curso), face ao pedido idêntico do patrono do assistente (interrompendo o prazo que se encontre em curso), que resulta dessa dimensão normativa, conferindo discriminação prejudicial do arguido no respeito aos seus direitos constitucionais à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal, concretizado no direito constitucional de defesa, composto de um núcleo complexo de garantias, nas quais se incluem o direito ao recurso, o direito de assistência por Advogado, e o direito a dispor de tempo razoável para preparação da defesa, em particular no referente ao direito ao recurso  (artigos 13.º, 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5  da Constituição).

 

14.1 Para sustentar a alegada violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo bem como das garantias dos arguidos em processo penal (direito ao recurso, direito de assistência por Advogado, direito a dispor de tempo razoável para preparação da defesa) - artigos 20.º, n.º 1 e 4, e 32.º, n.º 1, 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa - convocam os recorrentes jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial a exarada no Acórdão n.º 159/2004. Isto, nos seguintes termos:

«(…)

148.                    Conforme bem salienta o Acórdão n.º 159/2004 do Tribunal Constitucional, apesar do artigo 66.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, afirmar que “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”, é preciso evidenciar que, embora se reconheça que a ratio normativa deste preceito tenha, nas palavras da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, um “cunho marcadamente garantístico”, de forma a evitar uma situação de “vazio” na assistência ao arguido, é fundamental que não se faça uma interpretação normativa que, assentando no cumprimento literal do preceito, desconsidere o facto de o arguido estar efectivamente sem defesa e impedido de recorrer, e determine a contagem ininterrupta do prazo para a interposição de recurso em termos que, quando a decisão é notificada ao novo defensor já não existir qualquer possibilidade de sindicar o decidido pela 1.ª instância (ou, acrescentamos nós, apenas possibilidade de o fazer de forma inadequada, por o prazo ser menor do que o legal, prazo esse considerado pelo legislador como o prazo razoável ou adequado, para o efeito).

 

149.                    De notar que, no referido Acórdão, foi decidido pelo Tribunal Constitucional “julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 66.º, n.º 4, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da decisão na Secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição foi requerida, o que foi deferido por o tribunal a quo considerar existir justa causa para essa substituição”.

 

150.                    Para tanto, fundamentou o Tribunal Constitucional que “no que concerne especificamente ao direito de acesso ao direito e aos tribunais – artigo 20.º, n.º 1, da Constituição – parâmetro constitucional igualmente invocado no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, é de concluir que a norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra enferma igualmente de inconstitucionalidade, na medida em que, como supra se referiu, desconsiderando a recusa por parte da defensora substituída de interpor recurso e carecendo o arguido de defensor para o interpor, determina a contagem ininterrupta do prazo, impossibilitando o recurso ao Tribunal da Relação como via de sindicância da decisão condenatória proferida em 1.ª instância”.

 

151.                     Assim, uma eventual interpretação das normas sindicadas que expressamente considere que a interrupção do prazo que se encontre em curso, nomeadamente para recurso de decisão condenatória não se aplica ao pedido de substituição de defensor, é manifestamente violadora dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, que aludem e consagram o direito de acesso ao direito e aos tribunais, a representação por Advogado e o direito a um processo justo e equitativo, as garantias de defesa em processo penal e a estrutura acusatória do processo, a garantia de assistência efectiva por Advogado e a garantia do direito ao recurso

 

 

          14.2 Alegam ainda os recorrentes que a dimensão normativa sindicada «representa uma discriminação negativa ao próprio arguido, manifestamente violadora do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade de armas inerente à estrutura acusatória do processo, conjugadas com as demais garantias referidas no ponto antecedente, constantes do artigo 20.º, n.º 1 e 4 e 32.º, n.º 1, 3 e 5 da CRP, uma vez que o legislador previu, no já aludido artigo 34.º da Lei n.º 34/2004 de 29/07, para situação idêntica em que se esteja perante um pedido formulado pelo patrono do assistente, a interrupção do mesmo prazo.». Fundamentalmente, porque:

«(…)

152.                    A aceitar-se a interpretação contrária, então estaria a aceitar-se, erradamente, que:

 

d)   O defensor que pede dispensa, ou seja, que está objectiva ou subjectivamente impedido de assegurar de forma efectiva a defesa do arguido, ficaria responsável pela prática de um acto cujo prazo termina muito depois dos 5 dias dentro dos quais a Ordem dos Advogados tem que nomear um substituto, nos termos do artigo 42.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho;

e)    O novo defensor, que não acompanhou o processo, nunca teve contacto com o arguido, não esteve presente no julgamento, tem de apresentar o recurso em prazo inferior ao prazo de 30 dias, previsto por lei e considerado razoável pelo legislador, ficando a duração deste dependente da álea e da burocracia do sistema de nomeações oficiosas ser mais ou menos rápido, podendo até a sua nomeação ocorrer no último dia de prazo;

f)     Por outro lado, o assistente que esteja na mesma situação, ou seja, cujo patrono tenha pedido escusa, beneficia da interrupção do prazo para apresentar o recurso da decisão final, o que consubstancia, uma violação flagrante do principio da igualdade.

 

153.                    A dimensão igualdade de armas entre assistente e arguido encontra-se manifestamente beliscada, colocando em causa o direito ao processo equitativo e de acesso aos tribunais, do artigo 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e as garantias de defesa do arguido, tal como estão previstas na Lei Fundamental, no seu artigo 32.º, n.º 1, 3 e 5, até privilegiando a posição processual do assistente, na medida em que existe uma norma especial que regula e prevê a interrupção do prazo que se encontrar em curso, nos casos em que tenha existido um pedido de escusa formulado pelo patrono do assistente, contrariamente à solução concedida nas situações em que o pedido de dispensa de patrocínio é formulado pelo defensor do arguido.»

 

 

     14.3 Desenvolvem os recorrentes as dimensões do direito à assistência por advogado, das garantias de defesa efetivas do arguido em processo penal, do direito a um processo equitativo e do princípio da igualdade de armas que consideram afetadas, ilustrando as suas posições com jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considerando que se mostram violadas as já citadas normas constitucionais e também normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (como as contidas no seu artigo 6.º).

          Por fim, convocam ainda normas de direito da União Europeia (artigos 47.º e 48.º, n.º 2, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2013/48/UE), sugerindo que, em caso de dúvida sobre a respetiva interpretação, seja submetida a questão à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia por meio de reenvio prejudicial.

 

15. Alegam, primeiramente, os recorrentes que, dependendo a interposição de recurso da assistência de um defensor legalmente habilitado para subscrever, em nome do arguido, o requerimento de interposição e a respetiva motivação de recurso (cf. artigo 64.º, n.º 1, al. d), do CPP), «sempre que exista a formulação de um pedido de substituição, vulgo “escusa”, por parte do defensor oficioso nomeado, fica o arguido evidentemente impedido de se defender perante um Tribunal superior e à mercê da nova nomeação de defensor e consequente assistência efectiva daquele», pelo que, «deste modo, a contagem do prazo para recorrer de decisão final não pode, nem deve, ser alheia a tal vicissitude, sob pena de a intervenção de um novo defensor nomeado ficar prejudicada por extemporaneidade e, com isso, frustrada a garantia material de interposição de recurso pelo arguido».

Concluem os recorrentes que «uma eventual interpretação das normas sindicadas que expressamente considere que a interrupção do prazo que se encontre em curso, nomeadamente para recurso de decisão condenatória não se aplica ao pedido de substituição de defensor, é manifestamente violadora dos artigos 20.º, n.º 1 e 4, 32.º, n.º 1, 3 e 5, da Constituição da República Portuguesa, que aludem e consagram o direito de acesso ao direito e aos tribunais, a representação por Advogado e o direito a um processo justo e equitativo, as garantias de defesa em processo penal e a estrutura acusatória do processo, a garantia de assistência efectiva por Advogado e a garantia do direito ao recurso».

 

15.1 Cumpre ter em conta que, efetivamente, já foi apreciada por este Tribunal norma semelhante à definida como objeto do presente recurso – convocando-se os mesmos parâmetros de constitucionalidade. Recorde-se que a questão de constitucionalidade em apreciação neste recurso é reportada às normas constantes dos artigos 39.º, nº 1 e 42.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho e dos artigos 66.º, n.ºs 2 e 4 e 411.º, nº 1 alínea a), do CPP, na interpretação «da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso».

Com efeito, em jurisprudência recente, exarada no Acórdão n.º 221/2020, assim foi delimitado o objeto do recurso: «artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, e artigo 66.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que o prazo para interpor recurso de acórdão condenatório depositado na secretaria se conta desde a data do depósito, não se interrompendo na pendência de pedido de dispensa do defensor junto da Ordem dos Advogados devidamente comunicada aos autos» (cf. Acórdão n.º 221/2020, 7., disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt).

Entendeu o Tribunal Constitucional, nesse Acórdão n.º 221/2020, o seguinte:

 

«8. Os artigos 39.º, n.º 1, 42.º, n.º 3, e 44.º, n.º 1, todos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, têm o seguinte teor:

«Artigo 39.º

Nomeação de defensor

1 - A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

(…)

 

Artigo 42.º

Dispensa de patrocínio

1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.

2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.

3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.

4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

5 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.)

 

Artigo 44.º

Disposições aplicáveis

1 - Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de proteção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com exceção do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

(…)»

 

O artigo 66.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, na redação aplicável, tem o seguinte teor:

«Artigo 66.º

Defensor nomeado

(…)

4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.

(…).»

 

9. Nas suas disposições em matéria de apoio judiciário, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, estabelece um regime para o pedido de escusa de patrono nomeado, de âmbito geral, e um regime do pedido de dispensa de advogado nomeado defensor, no âmbito do processo penal. Tendo em conta o uso reiterado nos autos da expressão «pedido de escusa», designadamente na decisão recorrida, no requerimento de interposição de recurso e nas alegações e contra-alegações, importa sublinhar que é de pedido de dispensa de defensor que neles se trata.

A questão não é apenas de nomenclatura, mas também e sobretudo de regime aplicável.

Com efeito, os regimes da escusa e da dispensa são diversos, designadamente quanto aos efeitos da apresentação do pedido na contagem dos prazos. Ao passo que o pedido de escusa do patrocínio, quando comunicado ao processo em que tal patrocínio seja exercido, interrompe o prazo processual que esteja em curso (artigo 34.º, n.º 2), o pedido de dispensa de advogado nomeado defensor não tem nenhum efeito sobre a contagem dos prazos no processo penal, embora o pedido seja objeto de apreciação e deliberação pela Ordem dos Advogados no prazo de cinco dias (artigo 42.º, n.º 2) e o defensor nomeado se mantenha em funções até ser substituído (artigo 42.º, n.º 3). Presume-se que esta diferença de soluções em matéria de contagem de prazos tenha a sua razão de ser na importância acrescida da celeridade na administração da justiça penal; a diferença de soluções, por seu turno, justifica a imposição legal da continuação em funções do defensor primitivo até que tenha lugar a sua substituição.

Ora, a principal questão que se coloca no presente recurso é a de saber se esta solução – a continuação do prazo na pendência do pedido de dispensa do defensor, acompanhada da continuidade da representação assegurada por este até que tenha lugar a sua substituição – é conforme ao artigo 32.º, n.os 1 e 3, da Constituição, que determina dever o processo penal assegurar todas as garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao recurso, nomeadamente a plena assistência do arguido por defensor.

O recorrente não contesta que o patrocínio do defensor se mantém ao longo de todo o período que medeia entre o depósito do acórdão e a nomeação de novo defensor. Porém, alega que, «quando haja demonstrada incompatibilidade de estratégia de defesa entre um defensor nomeado e um arguido, consubstanciada na discordância quanto à decisão de recorrer, ou não, da decisão final condenatória, pretendendo o arguido fazê-lo e apresentando o defensor escusa por não o pretender», o dever do defensor de assegurar a sua plena representação em juízo se afigura meramente nominal, senão mesmo contrária aos princípios legais e deontológicos que respeitam ao exercício da advocacia, designadamente a autonomia técnica do advogado e a liberdade no exercício das funções. O arguido – conclui − «fica assim verdadeiramente não representado de acordo com a sua legítima e soberana vontade, ainda que essa vontade possa até ser tecnicamente incorreta como se venha a entender com a prolação do acórdão em recurso».

 

10. O Tribunal Constitucional apreciou a questão de constitucionalidade que se coloca no presente recurso, nos seus traços fundamentais, no Acórdão n.º 314/2007 e, mais recentemente, no Acórdão n.º 487/2018.

No primeiro dos arestos citados estava em causa, não um pedido de dispensa do defensor do arguido, mas uma renúncia ao mandato forense. O Tribunal foi chamado a apreciar a constitucionalidade da aplicação analógica ao processo penal da norma do artigo 39.º do Código de Processo Civil, nos termos de que «a renúncia de mandatário constituído do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende a contagem deste com a notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa contagem com a constituição de novo mandatário».

O Tribunal começou por reiterar o entendimento consolidado na jurisprudência constitucional sobre o direito de defesa do arguido em processo penal, no sentido de nele se compreenderem não apenas as dimensões expressamente consagradas nos diversos números do artigo 32.º da Constituição, como as demais que decorram do imperativo de defesa efetiva do arguido no quadro de um processo equitativo, «no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve atuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas interpre­tações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido». 

Prosseguindo do plano geral para o domínio particular do direito ao recurso, o aresto reconheceu neste a necessidade de normas que assegurem ao arguido afetado por uma decisão desfavorável, mormente condenatória, a possibilidade de examinar criteriosamente os respetivos fundamentos, formando nessa base um juízo informado sobre a oportunidade de interposição de recurso; para tanto concorre naturalmente a garantia de assistência por defensor, referida expressamente no n.º 3 do artigo 32.º. Densificando o conteúdo desta, e entrecruzando-a com o do direito ao recurso, referiu-se que, «atentas as especiais exigências técnico-jurídicas que presidem à decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso e à elaboração da sua motivação, a assistência do arguido por defensor tecnicamente habilitado nesta fase é um elemento do núcleo essencial do seu direito de defesa que deve ser assegurado pelo legislador ordinário, o que sucede no artº 64º, nº 1, d), do C.P.P.». E concluiu-se que, «poderá dizer-se que estes direitos constitucionais se mostrarão violados sempre que não se conceda um prazo razoável ao arguido em processo penal para impugnar decisão relevante que o afete, devendo nesse período encontrar-se ininterruptamente assistido por defensor tecnicamente habilitado».

Ora, depois de demonstrar que, à luz da lei processual aplicável ao caso, a renúncia ao mandato por parte de advogado constituído pelo arguido não tinha como consequência a imediata extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do mandatário para com o seu cliente, mas que, ao invés, ela se mantinha incólume, designadamente quanto ao dever de prestar assistência ao arguido, de forma escrupulosa e pontual, até que este fosse notificado da declaração de renúncia, o Tribunal chegou ao entendimento de que, «não se pode considerar que o arguido, entre a declaração de renúncia e a sua receção pelo destinatário, ficou desprovido de defensor. E, não constando da declaração de renúncia as razões de tal atitude, também não é possível ponderar se, a partir da emissão dessa declaração, a assistência ao arguido ficou enfraquecida, de modo a considerar-se que deixou de estar assegurado o seu direito a defender-se. Após a constituição de novo mandatário pelo arguido é inequívoco que este passou novamente a estar assistido por defensor, pelo que também a contagem do prazo de recurso após este ato não ofende o direito de defesa do arguido. Conclui-se, pois, que durante os dois períodos que a decisão recorrida contabilizou, somando-os, para considerar decorrido o prazo de recurso, o arguido esteve sempre devidamente assistido por defensor.»

O mesmo itinerário argumentativo foi percorrido no recente Acórdão n.º 487/2018, em que se apreciou a constitucionalidade de norma semelhante àquela que constitui o objeto do presente recurso.

Veja-se o seguinte passo da fundamentação:

«Na verdade, estando em causa nos autos, conforme se referiu, por parte da arguida, um requerimento no sentido de ser suspenso o prazo de recurso, que estava em curso, em virtude de aquela ter solicitado a substituição do defensor junto da Ordem dos Advogados e não constando do requerimento em questão as razões do pedido de substituição (designadamente, que tal se devia à existência de divergências quanto à interposição do recurso), não é possível concluir que esse pedido de substituição tenha subjacente qualquer fundamento do qual decorra que a assistência à arguida tenha ficado enfraquecida, a ponto de se poder entender que tenha deixado de estar assegurado o seu direito a defender-se (cf., neste mesmo sentido, no caso de renúncia não motivada do mandatário do arguido, o citado Acórdão n.º 314/2007). Com efeito, mesmo após o pedido de substituição do defensor nomeado, é inequívoco que a arguida continuou a estar assistida por defensor, pelo que a circunstância de tal pedido não ter qualquer efeito suspensivo ou interruptivo da contagem do prazo de recurso, não ofendeu o seu direito de defesa, designadamente na vertente do direito ao recurso, uma vez que a tal direito continuava a poder ser exercido.

(…)

Por outro lado, da circunstância de a arguida ter pedido, junto da Ordem dos Advogados, a substituição do seu defensor nomeado, não decorre necessariamente uma diminuição das garantias de defesa, seja na vertente do direito ao recurso, seja na do direito a ser assistido por defensor.

E isto porque, não obstante a existência de um pedido de substituição, importa ter em linha de conta que o defensor nomeado, enquanto se mantiver nessa qualidade, fica sujeito a um conjunto de deveres funcionais e deontológicos, conforme já salientou este Tribunal a propósito de outras situações em que foi chamado a apreciar questões em que estava em causa a eventual violação das garantias de defesa do arguido, na vertente do direito ao recurso, bem como do direito a ser assistido por defensor (cf., entre outros, os citados Acórdãos n.ºs 378/2003 e 489/2008). Deste modo, embora se possa admitir que o pedido de substituição de defensor tenha por base um quadro de insatisfação ou de discordância da arguida em relação ao desempenho ou às opções tomadas por aquele (sendo certo, no entanto, que em momento algum foram manifestadas nos autos as razões de tal pedido), a verdade é que daí não decorre necessariamente que a arguida se deva considerar desprovida do direito a ser assistida por defensor.»

 

11. Tal como sucede no caso vertente, as normas apreciadas nos arestos citados não incorporavam os motivos concretos subjacentes aos pedidos de cessação da intervenção do primitivo defensor. Em ambos os casos, o juízo de não inconstitucionalidade repousou no facto de aqueles pedidos não implicarem a cessação dos deveres de representação e assistência do defensor, a qual apenas sobrevém no momento da nomeação ou constituição de outro advogado. O defensor nomeado, enquanto se mantiver em funções, encontra-se adstrito a todo um conjunto de deveres funcionais e deontológicos, salientando-se o dever de assegurar uma adequada transição em caso de substituição da representação, ainda quando haja motivo justificado para a cessação do patrocínio (artigo 100.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados). Em suma, o defensor tem o dever de assegurar a representação efetiva do arguido.

Está claro que este dever de representação efetiva não se confunde, como parece supor o recorrente, com a vinculação servil do defensor a que o arguido seja «representado de acordo com a sua legítima e soberana vontade, ainda que essa vontade possa até ser tecnicamente incorreta» Pelo contrário, os advogados têm o dever de «[n]ão advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade» (artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados). O advogado, mesmo quando desempenhe as funções de defensor em processo penal, não tem o dever de adotar todo o comportamento processual pretendido pelo seu representado, nomeadamente invocando razões jurídicas ou de facto que repute incorretas ou falsas, ainda que dessa invocação possam resultar consequências desejadas pelo arguido. Na verdade – e este aspeto é decisivo – a mera divergência entre defensor e arguido não constitui, no universo deontológico próprio da advocacia, razão para o deferimento de pedido de dispensa ou de substituição, pelo que não se pode presumir a debilidade ou insuficiência da representação a partir do facto da apresentação do pedido de dispensa.

De resto, o argumento do recorrente prova demais, pois assenta no pressuposto de que os pedidos de dispensa são invariavelmente deferidos, resultando sempre numa substituição de defensor; ao invés, pode bem suceder que o pedido seja indeferido e o defensor se mantenha no exercício pleno das suas funções de representação do arguido. No entendimento do recorrente, a quebra da confiança que implica a ausência de representação efetiva dá-se – ou, melhor dizendo, evidencia-se –, não com o deferimento do pedido de dispensa, mas com o mero facto da sua apresentação. Depreende-se que a única forma de assegurar a representação efetiva do arguido, segundo esta ordem de considerações, seria determinar a substituição do defensor em todos os casos em que o pedido tenha lugar – o mesmo é dizer, conceder, quer ao defensor, quer ao arguido, o direito potestativo de extinguir a representação. Ora, uma tal solução, para além de não ter o menor respaldo legal − note-se que o artigo 42.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, determina que, no prazo de cinco dias, a Ordem dos Advogados «aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa» −, subverteria a natureza da relação de patrocínio judiciário, e poria em causa, quando se tratasse da extinção por iniciativa do defensor, a própria garantia de assistência por advogado conferida pelo n.º 3 do artigo 32.º da Constituição. Como se concluiu no Acórdão n.º 487/2018, «[n]ão se vê (…) de que modo tal pedido, em si mesmo, e abstraindo das razões que o possam ter motivado (razões essas que, repete-se, não estão demonstradas nos autos), possa impedir o defensor de cumprir as funções que lhe estão cometidas, inclusivamente recorrendo da sentença proferida em 1.ª instância. Por essa razão, não se poderá considerar que a necessidade de assegurar um efetivo direito de defesa ao arguido exija que, perante um pedido de substituição do defensor nomeado, formulado perante a Ordem dos Advogados – e independentemente das razões de tal pedido –, se suspenda ou interrompa o prazo em curso até que se mostrasse decidida a questão respeitante a tal pedido de substituição».

A propósito das implicações da solução legal da continuação do prazo no caso particular do exercício do direito ao recurso em processo penal, o Tribunal afirmou ainda no Acórdão n.º 314/2007:

«Se, para assegurar um efetivo direito de defesa, é necessário que o arguido esteja assistido por um defensor na fase de recurso, já não se revela um requisito do núcleo essencial desse direito que a pessoa do defensor seja a mesma durante o decurso do prazo de recurso.

A ponderação da decisão de recorrer e a elaboração da motivação do recurso, com a inerente escolha das questões a suscitar, é um labor que, apesar de ter um cunho pessoal, permite a transmissão pelo primitivo defensor para o novo defensor do trabalho intelectual e material já desenvolvido.

O prazo para a interposição do recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efetivo direito ao recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distintos quantos os defensores que se sucedam na assistência ao arguido.

Se a mudança da pessoa do defensor, no decurso do prazo de recurso, é suscetível de causar alguma perturbação ao exercício do respetivo direito, não se pode dizer, numa visão geral e abstrata, que a manutenção, nesses casos, do prazo único previsto na lei (15 dias) para a dedução do recurso penal, põe em causa, de modo inadmissível, a possibilidade do arguido recorrer das decisões que o afetam.

E se, no caso concreto, essa perturbação assumir uma dimensão tal que ponha em causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime processual penal permite que o arguido invoque a figura do justo impedimento (artº 107º, nº 2, do C.P.P.), para que possa exercer de modo efetivo o seu direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual desprotegida.»

 

Não só é de acompanhar e reiterar este argumento, como cabe chamar particular atenção para o facto nele referido de que o regime processual admite – como a decisão recorrida aliás sublinhou – a salvaguarda de situações concretas em que que o exercício do direito ao recurso possa ser posto em causa pela pendência do pedido de dispensa de defensor: o regime do justo impedimento, consagrado no artigo 107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. É o que pode suceder naqueles casos em que a substituição do defensor tenha lugar na iminência do esgotamento do prazo para a prática de um ato processual relativamente complexo como é a apresentação de recurso de decisão desfavorável ao arguido.

Assim, as conclusões a que se chega são precisamente as contrárias das pretendidas pelo recorrente. Atenta a natureza e os deveres da relação de patrocínio, presume-se razoavelmente que a apresentação do pedido de dispensa não põe de modo algum em causa a representação efetiva do arguido, pelo que a solução legal da continuação do prazo, acompanhada da conservação do defensor em funções até − e somente na eventualidade de − vir a ser substituído, não viola as garantias de processo criminal, consagradas no artigo 32.º da Constituição, designadamente o direito ao recurso. As situações concretas em que esta presunção se não pode manter – por natureza excecionais – podem ser perfeitamente acauteladas através da aplicação pelos tribunais do regime do justo impedimento.

 

12. Para concluir esta vertente da questão, deve ainda salientar-se que a norma objeto do presente recurso diverge substancialmente daquela que foi apreciada no Acórdão n.º 159/2004, aresto em que o recorrente se louva.

Nesse processo estava em causa uma norma segundo a qual o prazo para interposição do recurso se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da sentença, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição fora requerida e deferida com fundamento em causa justa. Estava, portanto, adquirida processualmente – e refletida na dimensão normativa sindicada – a recusa do defensor em interpor recurso da sentença condenatória, recusa essa judicialmente reconhecida como causa justa para substituição do mesmo. Trata-se, como assinala o Ministério Público, de questão diversa daquela que se coloca nos presentes autos.

(…)».

 

15.2 Argumentos que, sendo igualmente pertinentes à questão em apreço nos presentes autos, induzem a alcançar idêntica conclusão.

Com efeito, assinalada a diferença relativamente à norma que determinou um juízo de inconstitucionalidade no Acórdão n.º 159/2004 – convocado pelos ora recorrentes –, e corroborada a jurisprudência exarada no Acórdão n.º 487/2018 (decidindo questão próxima da analisada nos presentes autos) – convocado na decisão recorrida –, certo é que a argumentação do Acórdão n.º 221/2020 permite responder à segunda questão de constitucionalidade colocada pelos ora recorrentes, não se tendo por verificada a alegada ofensa das garantias de defesa dos arguidos em processo penal, como o direito ao recurso e o direito à assistência efetiva por defensor, plasmadas no invocado artigo 32.º, da Constituição, nem, bem assim, as garantias de defesa efetiva do arguido no quadro de um processo equitativo que decorram do artigo 20.º da Constituição.

Aplicando a jurisprudência constitucional exarada (e convocada) no Acórdão n.º 221/2020 à situação dos presentes autos – na qual, nos termos do regime legal vigente, mesmo existindo pedido de dispensa de patrocínio por defensor oficioso nomeado para um ato este, enquanto não for substituído (nos termos legais), se manteve para os atos subsequentes do processo, incluindo a interposição de recurso de decisão condenatória, no respeito dos seus deveres de representação, funcionais e deontológicos inerentes ao exercício da profissão de advogado e sem que tenha sido invocado o regime  do justo impedimento (artigo 107.º, n.º 2, do CPP) –  pode concluir-se que o critério normativo adotado na decisão judicial ora recorrida não ofende os invocados princípios e normas constitucionais, termos em que improcede, nesta parte, o recurso interposto pelos ora recorrentes.

 

16. Convocam ainda os recorrentes o princípio da igualdade, em especial o princípio da igualdade de armas, num quadro de processo equitativo, atento o diverso regime normativo aplicável à situação dos assistentes em processo penal, a quem, diferentemente do que acontece com os arguidos, se aplica o disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei de Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) – que determina que o pedido de escusa pelo patrono nomeado interrompe o prazo que estiver em curso. A este propósito, alegam os recorrentes que, «tendo em conta o tratamento diferente e injustificado dos efeitos do pedido de escusa do defensor do arguido (não interrompendo o prazo que se encontre em curso), face ao pedido idêntico do patrono do assistente (interrompendo o prazo que se encontre em curso), que resulta dessa dimensão normativa, conferindo discriminação prejudicial do arguido no respeito aos seus direitos constitucionais à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal», ocorre a violação do princípio da igualdade.

 

16.1 Tenha-se, desde logo, presente que a invocação do princípio da igualdade (na vertente da igualdade de armas) – de modo a afirmar-se que a diferença das soluções normativas para as consequências do pedido de escusa formulado por defensor oficioso do assistente e do pedido de dispensa do patrocínio formulado por defensor do arguido corresponde a uma «discriminação prejudicial do arguido no respeito aos seus direitos constitucionais à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo, em particular no processo penal» – parte de premissa que se teve já por inverificada: a de que a vicissitude de mudança do defensor oficioso do arguido prejudica efetivamente o direito a assistência efetiva por defensor, implicando o encurtamento do prazo processual para a apresentação do recurso e, assim, obstando ou dificultando, de forma intolerável, o exercício desse direito de defesa do arguido.

Mutatis mutandis, pode ser aqui seguido o raciocínio que determinou – preliminarmente – a improcedência da alegação da violação do princípio da igualdade (pese embora partindo da comparação com as situações de outros arguidos ou co-arguidos) no já citado Acórdão n.º 221/2020:

«É evidente que este argumento repousa numa petição de princípio, ao dar como assente a terceira premissa, de que o recorrente ficou desprovido de representação efetiva por defensor na pendência do pedido de dispensa por este apresentado. Ora, para que essa premissa pudesse ser dada como assente, seria necessário que o recorrente tivesse demonstrado a sua procedência no âmbito da discussão da questão principal do presente recurso, respeitante às garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso. Acontece que, pelas razões desenvolvidas, o recorrente não logrou demonstrar o seu ponto de vista, sendo certo que se tivesse logrado tal demonstração a eventual violação do princípio da igualdade seria perfeitamente redundante.

 

16.2 Em qualquer caso, da aplicação do princípio invocado ao caso dos autos não decorre um juízo de desvalor constitucional, como pretendido pelos recorrentes.

O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, enquanto princípio estruturante da ordem jurídico-constitucional plasmada na Constituição portuguesa, traduz-se, essencialmente, na ideia de proibição do arbítrio no estabelecimento de distinções juridicamente relevantes, não anulando, porém, a liberdade de conformação do legislador. Neste sentido, o Acórdão n.º 284/2020, citando a vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o tema, representada pelos Acórdãos n.ºs 39/88, 186/90, 563/96, 409/99, 412/2002, 232/2003, 546/2011, 187/2013, 362/2016, 157/2018 e 134/2019, ponderando:

«Nestes termos, o princípio obriga o legislador a tratar de forma igual situações de facto substancialmente idênticas, forçando-o a fundamentar quaisquer diferenças de tratamento em razões objetivamente fundadas, e justificadas por valores constitucionalmente relevantes. A admissibilidade constitucional das distinções entre situações aparentemente semelhantes pressupõe, assim, uma valoração casuística dos elementos de comparação – tendo em mente que o princípio da igualdade pressupõe inelutavelmente uma dimensão relacional, de confrontação entre dois termos -, de modo a determinar a relevância, importância e medida de eventuais diferenças. Esta averiguação é, pois, indispensável, para a ponderação acerca da razoabilidade e adequação dos critérios de diferenciação face ao ordenamento jurídico-constitucional».

(…)

Devem, além disso, considerar-se as consequências jurídicas da distinção operada, cujos resultados não podem afigurar-se desproporcionados ou excessivamente gravosos – consubstanciando, sucintamente, uma diferenciação desrazoável.

Como bem sintetiza o Acórdão n.º 546/2011:

 «[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidadeas escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».

Teve também oportunidade o Tribunal Constitucional para se pronunciar sobre diferenças de estatuto dos arguidos e dos assistentes em processo penal. Fê-lo, designadamente, no Acórdão n.º 232/2020, nos seguintes termos:

 

«i) A alegada violação do princípio da igualdade

8. Os recorrentes invocam a violação do princípio da igualdade pela norma sindicada, considerando ser iníqua a discrepância existente entre os estatutos do arguido e do assistente no que diz respeito ao direito ao recurso em sede processual penal.

O princípio da igualdade «é um dos principais eixos estruturantes do regime constitucional dos direitos fundamentais – um princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional da República Portuguesa» (cfr. Acórdão n.º 526/2016, ponto 5, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, bem como os demais arestos deste Tribunal doravante citados), que «postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente» (cfr. Acórdão n.º 437/2006, 3.ª Secção, ponto 7).

A consagração constitucional do princípio da igualdade pode ser encontrada no artigo 13.º da Constituição. O n.º 1 deste preceito estabelece uma afirmação geral do princípio e o seu n.º 2 proíbe a discriminação com base numa listagem exemplificativa de razões.

O parâmetro que os recorrentes convocam é o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição), não constando os estatutos do arguido e do assistente entre as características que poderiam justificar a aplicação do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.

9. O Tribunal Constitucional tem abundante jurisprudência sobre o princípio da igualdade, no que respeita especificamente a normas concernentes ao direito de recurso em processo penal. É aí constante o entendimento de que conferir ao arguido, mas já não ao assistente, o direito a recorrer na mesma fase processual, não se revela, só por si, uma solução arbitrária suscetível de consubstanciar uma violação daquele princípio constitucional. Desde logo porque é admissível dar um tratamento normativo diverso a duas realidades distintas. Para além disso, a situação é justificável em nome dos direitos de proteção do arguido em processo penal e do princípio da celeridade da justiça.

A Constituição não determina a igualdade em matéria do direito ao recurso do arguido e do assistente. Do artigo 32.º, n.º 7, da Constituição, que estatui que o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei, não decorre uma equiparação do estatuto processual do assistente ao do arguido. É, de resto, por essa razão que, a questão da admissibilidade do recurso pelo assistente tem de ser perspetivada no quadro do artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental, uma vez o disposto no n.º 1 do artigo 32.º não se lhe aplica (neste sentido v., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, 1.ª Secção, ponto 10.5., n.º 464/2003, 3.ª Secção, ponto 6, n.º 399/2007, 3.ª Secção, ponto 2, n.º 153/2012, 1.ª Secção, ponto 5, n.º 540/2012, Plenário, ponto 3, e n.º 296/2017, 3.ª Secção, ponto 9).

Como de há muito foi sublinhado pelo Tribunal, no Acórdão n.º 132/92, da 2.ª Secção, ponto 9:

«(…) o princípio da igualdade de armas não é um princípio absoluto em processo penal, e, portanto, só tem de ser aplicado, em toda a sua plenitude, para nivelar a posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de defesa, e em favor da mesma defesa.

Isto, sem prejuízo de se constatar que os ventos da moderna politica criminal vão hoje no sentido de conceder uma particular atenção à tutela dos direitos da vítima. (…)

Mas em lado nenhum se ousa postular a necessidade de, em defesa da vítima, se lhe atribuir uma posição exatamente igual à do arguido em matéria de recursos penais»

Na síntese do Acórdão n.º 540/2012, tirado pelo Plenário do Tribunal Constitucional, ponto 3:

«A inserção do direito ao recurso em processo penal no complexo de garantias que integram o direito de defesa do arguido já levou o Tribunal a entender que não violam o princípio da igualdade disposições processuais que regulem, em termos divergentes para o arguido e para o assistente e, em geral, para a acusação e a defesa, a possibilidade de recorrer de determinada decisão judicial. O Tribunal não julgou inconstitucional a norma do artigo 646.º, n.º 6, do Código de Processo Penal de 1929, interpretada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de maio de 1987, na parte em que dispunha não haver recurso dos acórdãos absolutórios das relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correcional, por parte do assistente e do Ministério Público, sendo certo que tal não era vedado ao arguido relativamente a acórdãos condenatórios (Acórdão n.º 132/92 […]).

O princípio da igualdade no âmbito do processo criminal tem de ser perspetivado em consonância com a específica natureza de um processo que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, “podendo significar aí, não que os sujeitos do processo devam ter estatutos processuais absolutamente idênticos e paritários, simetricamente decalcados, mas essencialmente que o arguido poderá, por vezes, beneficiar de um estatuto formalmente «privilegiado», como forma de compensar uma presumida fragilidade ou maior debilidade relativamente à acusação, no confronto processual penal”. O que significa também que “o arguido não deve ter menos direitos do que a acusação, mas não que não possa ter mais” (Lopes do Rego, “Acesso ao direito e aos tribunais”, Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, pp. 76 e 70 e s., com especial referência ao Acórdão n.º 132/92, e à declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 8/87 pelo Conselheiro Vital Moreira […]).

Em geral, é de concluir que, “dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa”, há “uma orientação do processo penal para a defesa”, que o vincula a assegurar todas as garantias, o que vale por dizer que é um processo que tem nos direitos do arguido “um limite infrangível” (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32.º, ponto II. e, ainda, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 54/87, 150/87 e 356/91 […]). Designadamente no direito ao recurso e no direito à presunção de inocência até ao trânsito em julgado da decisão, no sentido específico de em processo criminal não serem admissíveis recursos em segundo grau de decisões absolutórias, quando são irrecorríveis acórdãos condenatórios proferidos em recurso. O direito à presunção de inocência do arguido tem de projetar-se de modo diferente na estabilidade das decisões penais consoante sejam condenatórias ou absolutórias, não sendo constitucionalmente conforme uma diferenciação de tratamento que facilite a estabilização de decisões condenatórias (encurtando as possibilidades de defesa do arguido) em termos negados às absolutórias (protelando a discussão sobre os factos imputados ao arguido).

Em suma, a irrecorribilidade dos acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas Relações, com exceção dos casos em que tenha ocorrido decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos, plasmada na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP não ofende o princípio da igualdade proclamado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, antes espelha a distinta proteção atribuída pela Constituição aos arguidos e aos assistentes.»

 

Ora, cumpre assinalar que a diferença do regime processual aplicável às situações em análise encontra fundamento na especificidade de conformação do estatuto processual conferido ao arguido em processo penal, de modo a não se poder ter por arbitrária ou desrazoável (no sentido acima identificado, vd. transcrição de excerto do Ac. 546/2011) a diversa estatuição de consequências jurídico-processuais da vicissitude de mudança de defensor num caso e noutro. 

A Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, estabelece um regime para o pedido de escusa de patrono nomeado, de âmbito geral, e um regime do pedido de dispensa de advogado nomeado defensor, no âmbito do processo penal.

O Capítulo III da Lei («Proteção jurídica) é subdividido em quatro secções, respetivamente dedicadas às seguintes matérias: Disposições gerais (Secção I – artigos 6.º a 13.º); Consulta jurídica (Secção II – artigos 14.º e 15.º); Apoio judiciário (Secção III – artigos 16.º a 18.º) e Procedimento (Secção IV – artigos 19.º a 38.º). É neste Capítulo III, na Secção IV, que se inclui o artigo 34.º, que assim dispõe quanto ao pedido de escusa:

«Artigo 34.º

Pedido de escusa

1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.

2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º

3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.

4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.

5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.

6 - O disposto nos n.ºs 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes.

 

Já o Capítulo IV contempla as designadas «Disposições especiais sobre processo penal», começando, no seu artigo 39.º (Nomeação de defensor), por estabelecer que «a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º».

Nesse mesmo capítulo, o artigo 42.º regula a dispensa de patrocínio, reitere-se (supra, 13.), nos seguintes termos:

  «Artigo 42.º

Dispensa de patrocínio

1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.

2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.

3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.

4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º

5 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto)»

 

Recorde-se que no Código de Processo Penal – que dedica o seu Título III ao tema: «Do arguido e do seu defensor», artigos 57.º a 67.º – o artigo 66.º (cujo n.º 4 foi igualmente convocado como base normativa da interpretação sindicada) dispõe sobre o defensor nomeado do arguido (supra, 13.). Assim:

«Artigo 66.º

Defensor nomeado

1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no acto.

2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa.

3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa.

4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.

5 - O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários correntemente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados. Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes civis ou os cofres do Ministério da Justiça.»

 

Por fim, o artigo 44.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, esclarece as disposições aplicáveis às situações de protecção jurídica ao arguido em processo penal e, bem assim, ao assistente em processo penal:

«Artigo 44.º

Disposições aplicáveis

1 - Em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância.

2 - Ao pedido de protecção jurídica por quem pretenda constituir-se assistente ou formular ou contestar pedido de indemnização cível em processo penal aplica-se o disposto no capítulo anterior, com as necessárias adaptações».

 

Quanto aos regimes da escusa (aplicável ao assistente, ex vi artigo 44.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004) e da dispensa de defensor nomeado (aplicável ao arguido em processo penal), há diferenças a assinalar.

Assim, no Acórdão n.º 221/2020:

«A questão não é apenas de nomenclatura, mas também e sobretudo de regime aplicável.

Com efeito, os regimes da escusa e da dispensa são diversos, designadamente quanto aos efeitos da apresentação do pedido na contagem dos prazos. Ao passo que o pedido de escusa do patrocínio, quando comunicado ao processo em que tal patrocínio seja exercido, interrompe o prazo processual que esteja em curso (artigo 34.º, n.º 2), o pedido de dispensa de advogado nomeado defensor não tem nenhum efeito sobre a contagem dos prazos no processo penal, embora o pedido seja objeto de apreciação e deliberação pela Ordem dos Advogados no prazo de cinco dias (artigo 42.º, n.º 2) e o defensor nomeado se mantenha em funções até ser substituído (artigo 42.º, n.º 3). Presume-se que esta diferença de soluções em matéria de contagem de prazos tenha a sua razão de ser na importância acrescida da celeridade na administração da justiça penal; a diferença de soluções, por seu turno, justifica a imposição legal da continuação em funções do defensor primitivo até que tenha lugar a sua substituição.»

 

A partir daqui – e não se tendo acompanhado a alegação dos recorrentes no sentido de o critério normativo aplicado que entendeu não haver lugar à interrupção do prazo processual em curso (para interposição de recurso pelo arguido) em face da vicissitude de dispensa do primitivo defensor e nomeação de novo defensor consubstanciar uma ofensa aos direitos e garantias que assistem aos arguidos em processo penal –, pode verificar-se que as exigências de celeridade da justiça penal e de garantia de assistência jurídica (ininterrupta) ao arguido determinaram a opção normativa de constituir o defensor nomeado na obrigação de conferir essa assistência ao arguido mesmo havendo o defensor formulado pedido de dispensa (ou ter havido pedido de substituição por parte do arguido), o que não encontra paralelo no estatuto processual do assistente. Bem assim, os procedimentos divergem, encurtados os prazos de decisão de nomeação e substituição de defensor oficioso do arguido. Não ocorre, assim, prejuízo de uma parte e benefício de outra, como invocado pelos recorrentes.

Sendo diferenças estatutárias que determinam a diferença de regimes e encontrando as diferentes soluções normativas uma justificação objetiva, resta concluir que não se verifica arbitrariedade na decisão do legislador processual. Deste modo, e atento o escopo da fiscalização requerida a este Tribunal, não cabe a formulação de um juízo de desvalor constitucional fundado no princípio da igualdade, na assinalada vertente da proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1 da Constituição). 

 

17. Os recorrentes justificam ainda o juízo de inconstitucionalidade invocando fontes de Direito Internacional (em especial, o artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, alínea b)  da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que consideram ter sido violado) e de Direito da União Europeia – convocando quer o Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com valor de Direito originário (os artigos 47.º e 48.º, n.º 2), quer o Direito derivado da União (o já mencionado artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013).

Ora, é de referir desde logo que a violação de normas de Direito Internacional ou de Direito da União não gera um vício de inconstitucionalidade controlável neste contexto. Como ponderado no Acórdão n.º 241/2017, desta 3.ª Secção (recentemente corroborado pelo Acórdão n.º 60/2020, II. 10.):

«8.2. Além disso, quanto à pretendida necessidade de validação jusfundamental da medida legislativa consubstanciada na norma ora sindicada também (para além dos diversos parâmetros constitucionais invocados na presente reclamação e supra identificados) à luz de diversos preceitos da CDFUE, da DUDH, da CSE e da CCDSFT, no quadro de uma proteção multinível, também não assiste razão aos reclamantes. Com efeito, e para além do supra referido quanto à impossibilidade de alargamento do objeto do recurso, verifica-se, em qualquer caso, ser jurisprudência firmada deste Tribunal que por questões de constitucionalidade «apenas se podem entender as questões de constitucionalidade direta», pelo que a pretendida contrariedade de uma norma legislativa interna, como sucede in casu, com uma convenção internacional – como as invocadas pelos ora reclamantes –, incluindo os Tratados institutivos da União Europeia (e a CDFUE, à qual aqueles conferem idêntico valor jurídico), não pode relevar como questão de inconstitucionalidade para efeitos de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional (neste sentido o Acórdão n.º 569/2016, II. Fundamentação n.º 12, e jurisprudência aí citada).»

 

Para além disso, reitere-se que os parâmetros invocados para fundar a inconstitucionalidade da norma foram já objeto da ponderação realizada nos Acórdãos n.ºs 487/2018 e 221/2020. É o que acontece com o princípio da igualdade e com as garantias de acesso aos tribunais, de defesa dos arguidos e de um processo equitativo. O mero facto de esses parâmetros serem invocados pelos recorrentes com base também em fonte de direito internacional regional (CEDH) ou de direito da União Europeia não representa, só por si, uma inovação substantiva face à equivalência normativa da proteção decorrente dos princípios e normas aí consagrados. Tal só não ocorreria se os recorrentes lograssem demonstrar com evidência que existem diferenças na proteção resultante de tais fontes não nacionais – o que não sucede quanto ao Direito da União Europeia nem resulta da invocação casuística da jurisprudência do TEDH com que ilustram as suas posições e que reflete os concretos factos de cada caso que aquele, diversamente deste Tribunal, pode apreciar. Não se afigura, assim, que se justifique a alteração da ponderação feita pelo Tribunal Constitucional relativamente a questões similares à colocada nos presentes autos na jurisprudência acima convocada.

 

18. Pelo exposto, sendo a norma objeto do presente recurso semelhante à apreciada no Acórdão n.º 221/2020 e sendo, outrossim, transponível para o caso dos autos a fundamentação do Acórdão n.º 487/2018, é igualmente de concluir no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação normativa ora sindicada que os recorrentes erigiram a objeto do recurso quanto à segunda questão colocada no requerimento de recurso.

 

 

III – Decisão

 

19. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

 

a) Não conhecer da questão de constitucionalidade reportada às normas conjugadas constantes dos artigos 39º, nº 1, 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, bem como do artigo 34º do mesmo diploma, e do artigo 66º do Código de Processo Penal, «na dimensão normativa da qual resulta que em processo penal, a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo que se encontre em curso»;

b) Não conhecer da questão de constitucionalidade reportada à norma constante do artigo 7º do Código de Processo Penal na «dimensão normativa da qual resulta que em processo penal não é obrigatório o reenvio da questão do direito da União que corra termos perante tribunal de última instância em Portugal, sempre que preenchidos os pressupostos determinados pelo direito da União para essa obrigatoriedade»;

c) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa conjugada das normas constantes dos artigos 39.º, nº 1 e 42.º, n.ºs 1 e 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de julho e dos artigos 66.º, n.ºs 2 e 4 e 411.º, nº 1 alínea a), do Código de Processo Penal, na interpretação da qual resulta que em processo penal a apresentação de pedido de dispensa de patrocínio por Defensor Oficioso não interrompe o prazo para recurso da decisão condenatória que se encontre em curso;

e, em consequência,

d) Não conceder provimento ao recurso.

 

Custas pelos recorrentes, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da LTC, as quais – ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma – se fixam em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, sem prejuízo do regime de apoio judiciário aplicável.

 

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio).

 

 

Lisboa, 9 de julho de 2021 – Maria José Rangel de Mesquita – Gonçalo de Almeida Ribeiro – Joana Fernandes Costa – João Pedro Caupers

 

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio).

Maria José Rangel de Mesquita




 


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