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TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 825/2021

ACÓRDÃO Nº 825/2021

Processo n.º 299/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

 

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

 

I. Relatório

 

1. Nos presentes autos, vindos do Juízo do Trabalho da Covilhã, Comarca de Castelo Branco, em que é recorrente A. (Portugal), S.A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 22 de novembro de 2019, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela ora recorrente, confirmando assim a respetiva condenação na coima única de € 2.000, pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, e de outra prevista no artigo 7.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, no primeiro caso por não ter procedido à verificação periódica de uma rebarbadora elétrica manual e, no segundo, por não ter apresentado qualquer documento comprovativo, quer da verificação periódica de tal equipamento, quer da verificação extraordinária a que o mesmo foi sujeito na sequência de acidente de trabalho ocorrido no contexto da respetiva utilização, cujo resultado permitiu concluir pela ausência de qualquer anomalia ou mau funcionamento.

2. Inconformada, a recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando o disposto no n.º 2 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Por despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância em 10 de fevereiro de 2020, o recurso não foi admitido.

3. A recorrente interpôs, então, recurso para este Tribunal através de requerimento com o seguinte teor:

«A. (Portugal), S.A., Arguida nos autos à margem referenciados, notificada do despacho que se pronuncia pela não–admissão do recurso por si interposto da sentença proferida, por considerar não se justificar a aplicação do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, vem, pelo presente, nos termos dos artigos 280.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, 70.º, n.º 1 e n.º 2, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 2, 75.º e 78.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, em especial no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), deste diploma legal, interpor recurso da aludida sentença para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo (por se encontrar prestada caução) e subida imediata nos próprios autos, por aplicação, por parte do douto Tribunal, da norma prevista no n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de janeiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 43.º, do mesmo diploma legal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Arguida no decurso do processo, quer em sede de impugnação judicial, quer em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, por se tratar de disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também ele genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis, comportando a sua aplicação a violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa».

4. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, a recorrente produziu alegou conforme se segue:

«Objeto do Recurso:

Advém o presente recurso da aplicação, por parte do douto Tribunal “a quo”, da norma prevista no n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 43.º, do mesmo diploma legal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Arguida, ora Recorrente,  no decurso do processo, por se tratar de disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também eles genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis, comportando a sua aplicação a violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29. da Constituição da República Portuguesa.

Consequentemente, o Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente, mantendo a decisão da ACT, embora reduzindo o valor da coima e que a condenou “pela prática das contraordenações previstas e puníveis pelo nº 2, do artigo 6º, conjugado com o nº1, nº 3 e nº 4, e pelo nº 1, do artº 7º, conjugado com o nº 2, todos do Decreto Lei nº 50/2005, de 25 de fevereiro, no pagamento de coima única no valor de €2.000,00.”  

Da inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quando conjugado com o artigo 43.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e interpretado no sentido de que a falta de verificação periódica (quando nenhum outro diploma ou as instruções do equipamento a isso obriga) constitui uma contraordenação

Desde já se refira que a disposição legal prevista no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, é uma disposição de carácter generalista, vaga, imprecisa, indeterminada e pouco clara, recorrendo a conceitos também eles indeterminados e indefinidos, não estando concretizados os pressupostos da punição, nem tipificados, de forma clara e concreta, os comportamentos contraordenacionais puníveis nos termos do artigo 43.º do mesmo diploma.

Com efeito, trata-se de uma norma cujo tipo objetivo não se encontra suficientemente especificado, mesmo no âmbito do processo contraordenacional. 

 

Trata-se, aliás, de uma norma cuja tipificação é formulada de forma semelhante, por exemplo, do artº 257º, da Lei 35/2004 (antigo regulamento do Código do Trabalho), que já foi entendido pelo Tribunal Constitucional como revelando “um tal grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo que é inconstitucional, por violação do artº 2º, da Constituição.”  - Ac. TC nº 76/2016, Proc. Nº 30/14.  

 1

De facto, no caso do nº 2, do artº. 6º, em apreço, o próprio legislador entendeu tratar-se de uma norma genérica ao colocá-la no Capítulo I destinado às disposições gerais. 

E porque de normas gerais se tratem, não achou, e bem, necessário, colocar a mesma previsão que se encontra nos artigos 10.º e 30.º do diploma em apreço, referentes aos Capítulos II e III, isto é, que “as regras de utilização (…) são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado”.

Pois, repita-se, o capítulo em que se insere o artigo 6.º é o capítulo das considerações gerais, ou seja, normas generalistas e não dispositivas ou pragmáticas.

Pelo que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, regendo-se o regime das contraordenações, subsidiariamente, pelos princípios reguladores do regime do processo criminal (cfr. artigo 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), não permitirá esta norma a imputação à Recorrente de qualquer comportamento sancionável, sob pena de inconstitucionalidade (artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa).

Não será alheia a esta “confusão” de se tentar punir através de uma norma genérica e que integra as disposições gerais, o facto de ao legislador Português por diversas vezes faltar cuidado e mesmo conhecimento jurídico na redação das normas. 

A que acresce, ainda, especialmente na legislação laboral, a tentativa de se conciliar posições opostas, neste caso de representantes de trabalhadores e empregadores que, traduzidas num ato legislativo resulta, em boa verdade, numa manta de retalhos de difícil interpretação ou mesmo com normas contraditórias. 

Ora, o Dec. Lei 50/2005, de 25 de fevereiro, foi aprovado na sequência da necessidade de transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva Comunitária nº 2001/45/CE (que revia a Diretiva 89/655/CEE), conforme é referido no próprio preambulo do diploma nacional.     

E decorre, ainda, da tentativa de acolher os comentários expressos pelas organizações representativas de empregadores e de trabalhadores na fase de audição pública. 

Logo, num diploma que não previa sanções e que apenas continha normas genéricas para uma melhor proteção dos trabalhadores na utilização de máquinas, como eram as diretivas, em causa, o legislador nacional, transpõe para o direito nacional, aditando uma disposição punitiva, mas não tendo o cuidado de tipificar os comportamentos que implicariam a aplicação da punição, mantendo na Lei nacional os conceitos vagos e genéricos previstos na referida diretiva. 

Assim, face à redação do referido artigo 6.º, n.º 2, questiona-se desde logo e em relação ao seu teor: em que consistem as verificações periódicas (para além de exames detalhados – artigo 2.º, al. g)? 

E quem é a “pessoa competente” para a realização dessa verificação? 

E é essa pessoa quem determina a cadência dos períodos para as verificações?  

Quando é que têm de ser realizadas? 

O facto de ser tratar de um equipamento de utilização frequente, várias vezes ao dia, tem de se verificar sempre que seja utilizado, através de um técnico especializado? 

Ou o próprio trabalhador que opera com esse equipamento diariamente é considerado como apto e capaz – “pessoa competente” – para fazer essa verificação? 

Assim, salvo se existir algum diploma legal que exija essas verificações periódicas, ou, quanto muito, o próprio manual de instruções do equipamento, não se poderá considerar que o empregador terá de adivinhar quando é que terão de ser realizadas as verificações periódicas. 

Sendo certo, como ficou provado, facto provado 18: “A Recorrente não procedia a verificações da “rebarbadora elétrica manual- Bosh GWS professional” porque o fabricante do equipamento não especificava em concreto “nada” no que diz respeito a verificações.”  

Com o diploma em causa e aceitando-se a interpretação vertida na sentença recorrida, cairíamos no ridículo de ter de entender que no caso de um trabalhador rural que trabalha com uma sachola, ou um carpinteiro que trabalha com um martelo e pregos, as suas entidades empregadoras teriam de verificar – examinar detalhadamente – periodicamente, esses equipamentos – a sachola o martelo e os pregos!!!!

E fazer um relatório sobre essa verificação, nos termos, do artigo 7.º do mesmo diploma, onde constasse: a identificação do equipamento de trabalho e do operador; o tipo de verificação ou ensaio, local e data da sua realização, prazo estipulado para reparar as deficiências detetadas, se necessário e a identificação da pessoa competente que efetuou a verificação. 

Mais, cada vez que o trabalhador rural ou o carpinteiro se deslocassem a determinado terreno ou cliente do seu empregador para fazer um qualquer serviço, teriam de ir acompanhados de cópia do último relatório da verificação da sua sachola, do seu martelo e dos seus pregos. 

Mais, se essa é a interpretação correta então, V. Exas. Senhores Conselheiros, questionem quem de direito sobre as verificações periódicas e dos registos dos equipamentos utilizados por V. Exa. e pelos Senhores Funcionários Judiciais deste douto Tribunal, nomeadamente, dos computadores, das impressoras, dos monitores, dos teclados, mas também, das esferográficas, das secretárias e das cadeiras.

É manifesto que não foi isto que o legislador pretendeu acautelar com o artigo 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 50/2015, pelo que a interpretação dada pela autoridade administrativa e confirmada pelo tribunal “a quo” é, salvo o devido respeito, descabida e desconhecedora da realidade, tornado as normas em causa completamente inexequíveis. 

O que o legislador pretendeu, foi, obviamente, acautelar as revisões necessárias a determinados equipamentos que, pela sua própria natureza e/ou elevado grau de perigo, exigem essas revisões.  

Quer por força de algum diploma (ex. inspeções automóveis) quer por exigência do fabricante, e com as datas ou períodos de verificação mínimos previamente determinados.

Sem essa determinação não poderá ser a entidade empregadora punida por falta de uma verificação quando não há uma data legalmente imposta para a sua realização. 

Deste modo, será inconstitucional o artigo 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quando conjugado com a norma punitiva do artigo 43.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e interpretado no sentido de que a falta de verificação periódica (quando nenhum outro diploma ou as instruções do equipamento a isso obriga) constitui uma contraordenação.

Devendo ser recusada a sua aplicação aos presentes autos, pois estamos perante conceitos indeterminados, imprecisos e sem a certeza jurídica constitucionalmente exigida para as normas penais, mas também contraordenacionais. 

Tanto mais que, conforme ficou provado: 

“Os trabalhadores executam uma verificação prévia antes de utilizar o equipamento “Bosh” para se certificarem que o equipamento que vão manusear se encontra em condições de executar o trabalho solicitado”- Facto provado 14.

As rebarbadoras elétricas manuais são ferramentas ligeiras de utilização ocasional, com tempo de vida reduzido (2 a 3 anos) e do tipo descartável.” – Facto provado 16. 

Deste modo, perante esta factualidade provada, dúvidas não restam que era realizada uma verificação periódica (sempre antes de ser utilizado o equipamento) pelo próprio utilizador. 

Logo, entendendo-se como fez o tribunal “a quo” que aquela verificação realizada antes da utilização do equipamento não cumpre as exigências do artº 6º, nº 2, em apreço e, por isso, permite uma condenação no âmbito contra contraordenacional, não se poderá deixar de entender que se trata de uma disposição vaga e imprecisa e, como tal padece de inconstitucionalidade. 

Conclusões 

A.    A disposição prevista no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de fevereiro, conjugada com o n.º 2 do artigo 43.º, é inconstitucional, devendo ser recusada a sua aplicação ao caso concreto.

B.    De facto, trata-se de uma disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara, indeterminada e que recorre a conceitos também eles genéricos e indeterminados, não concretizada e que não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis – pois que, da sua leitura não se extrai em que consistem as verificações periódicas, quando e por quem devem ser realizadas, a que equipamentos, etc. – cuja aplicação viola o disposto no artigo 29.º da CRP. 

C.    Não há lei, regulamento, manual de instruções ou outro documento que preveja a necessidade de a rebarbadora Bosh GWS Professional dever ser sujeita às verificações periódicas previstas no artigo 6.º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de fevereiro.

D.   O que o legislador pretendeu por via dessa disposição legal foi, obviamente, acautelar as revisões necessárias aos equipamentos que, pela sua própria natureza e/ou elevado grau de perigo, exigem essas revisões, e tal não é por certo o caso da rebarbadora Bosh GWS Professional.

E.    Sendo à entidade empregadora (neste caso, à Recorrente) que competia determinar se, quando e com que regularidade deverá realizar verificações ao instrumento em causa, cumprindo, por outro lado, ao trabalhador pôr em prática as instruções que lhe são dadas para a verificação prévia à utilização do equipamento.

F.    Sendo certo, contudo, que conforme Facto Provado 14, os trabalhadores da Recorrente procediam sempre a uma verificação prévia antes de utilizar o equipamento “Bosh” para se certificarem que o mesmo se encontrava em condições de manuseamento. 

G.   Exigir qualquer outro tipo de verificação ao abrigo do nº 2, do artº 6º, do decreto Lei 50/2004 e permitir que com a conjugação do n.º 2 do artigo 43.º, a Recorrente seja punida em sede de contraordenação, por falta dessa outra verificação (que se desconhece qual possa ser!!!) levará à conclusão de se estar perante um norma por se tratar de disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também eles genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis. 

H.   Logo, a sua aplicação comporta uma violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29. da Constituição da República Portuguesa.

Face ao exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade material do nº 2, do artº 6º, do decreto Lei 50/2004 e permitir que com a conjugação do n.º 2 do artigo 43.º, quando interpretada no sentido de que a falta de verificação periódica (quando nenhum outro diploma ou as instruções do equipamento a isso obriga) constitui uma contraordenação, com todas as consequências legais dai decorrentes, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!»

5. O Ministério Público apresentou as suas contra-alegações, sustentando o seguinte:

«[…]

Delimitação do objecto do recurso

1.1. A. (Portugal), S.A., foi condenada pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho ao pagamento de uma coima única no montante de €3.500,00, pela prática das seguintes contraordenações laborais:

1. A prevista e punível pelo n.º 2 do artigo 6.º, conjugado com o n.º 1, n.º 3 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro na redação em vigor, em virtude de não ter procedido à verificação periódica e extraordinária do equipamento de trabalho envolvido no acidente de trabalho como trabalhador José António Simão e a

2. Prevista e punível o n.º 1 do artigo 7.º conjugado com o n.º 2 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, em virtude de não possuir resultado das verificações constantes do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.

1.2. A arguida interpôs recurso de impugnação judicial dessa decisão levantado, entre o mais, a seguintes questão de constitucionalidade:

“F. Sem prescindir do exposto, é ainda de referir que a disposição prevista no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de fevereiro, conjugada com o n.º 2 do artigo 43.º, é inconstitucional, devendo ser recusada a sua aplicação ao caso concreto.

 G. De facto, trata-se de uma disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara, não concretizada e que não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis – pois que, da sua leitura não se extrai em que consistem as verificações periódicas, quando e por quem devem ser realizadas, a que equipamentos, etc. – cuja aplicação viola o disposto no artigo 29.º da CRP.”

1.3. Apreciando a impugnação, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco (Juízo do Trabalho da Covilhã) foi proferida decisão que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial, condenando a arguida pela prática de duas contraordenações na coima única de € 2.000,00.

1.4. Dessa sentença, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso que não foi admitido por despacho de 10 de fevereiro de 2020.

1.5. Veio então a arguida interpor recurso para o Tribunal Constitucional da “Sentença” que anteriormente havia sido proferida, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), identificando como devendo constituir seu objeto a questão de constitucionalidade da norma prevista no n.º 2 do artigo 6.º, conjugada com o n.º 2 do artigo 43.º do Decreto-Lei 50/2005, tal como a havia suscitado, ”quer  em sede de impugnação judicial”, “quer em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra”.

1.6. Ora, sendo irrelevante o que a arguida disse nas alegações do recurso interposto para a Relação de Coimbra, uma vez que, como vimos, o recurso não foi admitido, na “impugnação judicial” a questão foi suscitada pela forma que anteriormente vimos (vd. Ponto 1.2.).

1.7. Assim, articulando o afirmado pela recorrente com o que consta da sentença recorrida, parece-nos que deverá constituir objeto do recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, quando conjugada com o artigo 43.º, n.º 2, do mesmo diploma, enquanto estabelece que a falta de verificação periódica dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos, constitui uma contraordenação grave.

2. Apreciação do mérito do recurso

2.1. O artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, tem a seguinte redação:

“Artigo 6.º

Verificação dos equipamentos de trabalho

(…)

2 – O empregador deve proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos.”

Por sua vez o artigo 43.º, n.º 2, do mesmo diploma estabelece que constitui contraordenação grave a violação do disposto naquele artigo.

Estes dispositivos legais, que integram o diploma que estabelece as “Prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho” e “Transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, e revoga o Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março”, são uma das formas de concretização da exigência constante do artigo 281.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que dispõe no seu n.ºs 1 a 3:

“Artigo 281.º

Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho

1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.

2 - O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.

3 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa.”

Naturalmente que no topo deste edifício legislativo se encontra a Constituição, quando entre os “Direitos dos Trabalhadores” (artigo 59º) inclui o da “prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” (nº 1, alínea c)), constituindo, expressamente, uma incumbência do Estado assegurar essas condições (nº 2, alínea e)). 

2.2. Sendo este o regime legal e constitucional convocável, sobre a violação do principio da legalidade/tipicidade invocada pela recorrente, naturalmente visto no âmbito e enquadro por outras e pertinentes disposições do Decreto-Lei nº 50/2005 como, por exemplo o artigo 2.º, alínea a) (conceito de “equipamento”) e alínea g) (conceito de “verificação”), diz-se na muito bem fundamentada decisão recorrida:

“A exigência de determinabilidade do conteúdo das normas penais, uma dimensão do denominado princípio da tipicidade, é avessa a que o legislador formule normas penais recorrendo a cláusulas gerais na definição dos crimes, a conceitos que obstem à determinação objetiva das condutas proibidas ou que remeta a sua concretização para fontes normativas inferiores, as chamadas normas penais em branco. A exclusão de fórmulas vagas na descrição dos tipos legais, de normas excessivamente indeterminadas e de normas em branco, leva em conta os valores da segurança e confiança jurídicas postulados pelo princípio da legalidade criminal.

Porém, que a exigência de lex certa, como corolário do princípio da legalidade criminal, não veda em absoluto a formulação dos pressupostos jurídico-constitutivos da incriminação através de elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor.

Seria inviável, até pela natureza da própria linguagem jurídica, uma determinação absoluta do tipo legal de ilícito.

O tipo terá um grau de determinação suficiente que não ponha em causa os fundamentos do princípio da legalidade. E que o princípio nullum crimen só pode cumprir a sua função de garantia se a regulamentação típica, ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar.

Nos demais domínios sancionatórios, como no direito de mera ordenação social e no direito disciplinar, a exigência de tipicidade não se faz sentir com a intensidade que tem no direito criminal. Com maior frequência os enunciados legislativos exprimem-se aí através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumerações exemplificativas.

Por isso, a especificação dos factos sancionáveis e a individualização dos seus elementos típicos pode não ter o mesmo grau de determinação e precisão que aquele que é constitucionalmente exigido às normas penais.

Contudo, a norma ou conjunto das normas tipificadoras não podem deixar de descrever com suficiente clareza os elementos objetivos e subjetivos do núcleo essencial do ilícito, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Daí que só seja admissível uma "relativa indeterminação tipológica" que não saia da "órbitra daquilo que razoavelmente pode exigir-se em rigor descritivo ou limitativo, de modo a não esvaziar de conteúdo a garantia consubstanciada naqueles princípios" (Acórdão n.º 338/03 do TC).

Exige-se, pois um "mínimo de determinabilidade" das condutas ilícitas, de molde a que as decisões sancionatórias associadas sejam previsíveis e objetivas e não arbitrárias para os seus destinatários, que haja segurança na sua identificação e, consequentemente, quanto à sanção aplicável. A exigência de um mínimo de determinabilidade que permita identificar os comportamentos descritos em tipos contraordenacionais (e também em alguns tipos disciplinares) tem sido constante na jurisprudência constitucional.

A norma sub indicio, impõe ao empregador que proceda a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos.

Pelo n.º 2 do artigo 43º, a violação desse dever constitui uma contraordenação grave.

Não consideramos que a norma em causa contenha uma descrição "demasiado vaga" da conduta, uma vez que permite uma determinação minimamente aceitável de uma infração de mera ordenação social, constituída que é por conceitos indeterminados que permitem ao empregador saber a conduta a levar a cabo: identificar os riscos das várias atividades e a forma de os erradicar ou minimizar.

Como é obvio a descrição da infração teria que ser geral e abstrata, para poder abarcar todas as atividades desenvolvidas nas várias áreas e pelas várias pessoas (físicas ou jurídicas) que recorrem à contratação de mão de obra assalariada para exercer a respetiva atividade económica.

Uma enumeração taxativa ou casuística seria demasiado exaustiva e, ainda, assim, impassível de abarcar todo e qualquer equipamento de trabalho de toda e qualquer entidade empregadora.

De facto, a fórmula «verificações periódicas e (...) a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos» constitui um enunciado facilmente determinável em sede interpretativa, já que é possível fixar objetivamente os conceitos de com recurso à experiência comum;

A noção de equipamento de trabalho é-nos fornecida pela alínea a) do artigo 2° do DL 50/2005, como sendo «qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho».

A "verificação" dos equipamentos de trabalho, está prevista na alínea g) do artigo 2.º do Decreto-lei 50/2005 de 25 de fevereiro e consiste no exame detalhado feito por pessoa competente (individual ou coletiva) destinado a obter uma conclusão fiável no que respeita à segurança de um equipamento de trabalho. A verificação visa detetar defeitos/falhas/deficiências reais e potenciais, reportando/atuando de forma a assegurar o funcionamento seguro dos Equipamentos de Trabalho e garantir que, as medidas a adotar na implementação/instalação e utilização, perdurem durante toda a sua vida útil para que, os mesmos, se mantenham em condições que garantam, permanentemente, os requisitos mínimos de segurança e saúde aplicáveis.

A frequência das verificações depende do próprio equipamento e dos riscos inerentes ao mesmo, podendo culminar numa combinação de verificações, de distinta periodicidade e profundidade e deverão ser realizadas tendo em conta as instruções do fabricante, as características do equipamento e as condições de utilização.

Por outro lado, a significação semântica da expressão «influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos», o sentido nela pressuposto pode ser objetivamente determinável em toda a sua extensão com referência aos concretos equipamento de trabalho as deteriorações a que estão sujeitos e os riscos inerentes a cada uma delas.

O recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos e técnicos do ramo permitirá conhecer e identificar os equipamentos de trabalho sujeitos a deterioração e, assim, determinar a forma e periodicidade da sua verificação e aferir da necessidade de realização de ensaios.

Assim sendo, consideramos que esta norma, apesar de recorrer a conceitos indeterminados, é passível de ser concretizável, em termos de descrição típica, não só por recurso à experiência comum como à experiência profissional especifica de cada ramo de atividade.

Pelo exposto, entendemos que não se verifica a inconstitucionalidade em causa.”

2.3. Também no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 201/2014, após se fazer uma análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional relevante que incidiu sobre os “Princípios da Legalidade e da Tipicidade” em matéria contraordenacional, se concluiu:

“Em síntese, retira-se da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional que (i) embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”; (ii) aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito; (iii) assim, a Constituição impõe “exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito.”

2.4. Outro aspeto importante na averiguação da eventual violação do principio da legalidade tem a ver com a qualidade do destinatário, mais concretamente se em face do regime legal é possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas.

Esta circunstância é salientada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 231/2020, quando nele se afirma:

“14. Para além disso, refira-se que, como já foi dito, a “determinabilidade” da obrigação imposta deverá ser testada tendo como base o ponto de vista dos seus destinatários típicos, pois é face a estes que interessa verificar se a norma é o suficientemente precisa para que consigam evitar incorrer em condutas por ela proibidas. “

Ora, voltando ao no caso dos autos e tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, a situação foi despoletada por um acidente de trabalho ocorrido no interior de uma mina que vitimou um trabalhador quando utilizava o equipamento de trabalho em causa (rebarbadora manual), sendo a entidade patronal a recorrente, pessoa coletiva que se dedica à atividade de “extração e preparação de outros minérios metálicos não ferrosos”.

Por outro lado, o acidente de trabalho ocorreu em 19 de outubro de 2016 e o equipamento havia sido adquirido em 6 de agosto de 2008, ou seja, em oito anos de utilização nunca havia sido objeto de verificação.

Nestas circunstâncias podemos perfeitamente concluir como se conclui no referido Acórdão n.º 231/2020 que “desta forma, não é excessivo afirmar que os destinatários diretos do dever em causa (…) conseguiriam perceber qual o comportamento proibido pela norma sancionadora”.

2.5. Temos vindo a falar de matéria contraordenacional em geral, porém, convém realçar que estamos perante uma contraordenação laboral cujo regime em certos aspetos é especifico, afastando-se até do regime geral das contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro).

Ora, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre algumas dessas normas do regime geral das contraordenações laborais (Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro).

Assim, por exemplo, o Acórdão n.º 106/2014 não julgou inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na medida em que estabelece como alçada de recurso para o Tribunal da Relação de decisão judicial que confirme a condenação administrativa por contraordenação laboral, que o valor da coima aplicada seja superior a 25 unidades de conta ou valor equivalente.

O Acórdão n.º 297/2016 não julgou inconstitucional a norma do artigo 52.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, «ao prever um prazo único de cinco anos para a prescrição do procedimento por contraordenação laboral, independentemente da gravidade da infração, do grau de culpa do infrator, da sua capacidade económica ou da moldura aplicável».

Mais recentemente o Acórdão n.º 141/2019 não julgou inconstitucional a norma que permite o agravamento da coima decorrente de contraordenação laboral em sede de impugnação judicial interposta pelo arguido em sua defesa, interpretativamente extraída do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Neste último aresto é feita, entre o mais, uma análise da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria contraordenacional e contraordenacional laboral, concluindo-se de forma elucidativa:

“Tendo em conta a especial natureza dos bens jurídicos que se tutelam neste regime especial contraordenacional, que gozam, inclusive, de tutela constitucional, designadamente, no artigo 59.º da Constituição, conclui-se não se revelar arbitrária e destituída de qualquer fundamento a norma em análise”.

2.6. Por tudo o exposto anteriormente, deve ser proferido um juízo negativo de inconstitucionalidade.

3. Conclusão

1 – Constitui objeto do recurso a questão de constitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quando conjugada com o artigo 43.º, n.º 2, do mesmo diploma, enquanto estabelece que a falta de verificação periódica dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos, constitui uma contraordenação grave.

2 – Da jurisprudência do Tribunal Constitucional retira-se que valendo no domínio contraordenacional os princípios da legalidade e da tipicidade, o mesmo não vale “com o mesmo rigor” e “com o mesmo grau de exigência”.

3 – A “determinabilidade” da obrigação imposta deverá também testada tendo como base o ponto de vista dos seus destinatários típicos” (Acórdão n.º 231/2020).

4. - Tendo em consideração quais são os destinatários típicos (e qual era no caso dos autos esse destinatário), não “é excessivo afirmar” que o mesmo conseguia “perceber qual o comportamento proibido pela norma sancionadora” (Acórdão n.º 231/2020).

5 – Os bens jurídicos que se tutelam no regime especial das contraordenações laborais, gozam de tutela constitucional (artigo 59.º da Constituição), revestindo-se, pois, de uma especial natureza (vg. Acórdão n.º 107/2019).

6 – Assim, a norma que constitui objeto do recurso (conclusão 1) não viola o artigo 29.º, n.º 1, nem o artigo 2.º, ambos da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.

7 – Termos em que deve ser negado provimento ao recurso».

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

6. No requerimento de interposição, a recorrente fixou como objeto do recurso a «norma prevista no n.º 2, do artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de janeiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 43.º, do mesmo diploma legal», que considera constituir uma «disposição generalista, vaga, imprecisa, pouco clara e indeterminada, que recorre a conceitos também ele genéricos e não concretizados e não tipifica os comportamentos contraordenacionais puníveis, comportando a sua aplicação a violação do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa».

Contudo, nas alegações que produziu junto deste Tribunal, a recorrente, para além de ter concluído pela inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º da Constituição, da norma identificada no requerimento de interposição (conclusões A. e B.), requereu ainda que no mesmo sentido seja julgado «o nº 2, do artº 6º, do decreto Lei 50/2004», em conjugação com «o n.º 2 do artigo 43.º, quando interpretad[o] no sentido de que a falta de verificação periódica (quando nenhum outro diploma ou as instruções do equipamento a isso obriga) constitui uma contraordenação».

Apesar de esta norma ter integrado, juntamente com a primeira, o âmbito da suscitação da questão de constitucionalidade perante o Tribunal que proferiu a decisão aqui recorrida (v. ponto C do corpo da alegação e conclusões F. e G. da impugnação judicial da decisão administrativa), verifica-se que a mesma não foi identificada no requerimento de interposição, momento em que, ressalvadas as hipóteses de ulterior restrição, o objeto do recurso é definitivamente fixado.

Serve isto para dizer que a questão de constitucionalidade a apreciar nos presentes autos incide apenas sobre a norma constante do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de janeiro, conjugado com o n.º 2 do artigo 43.º do mesmo diploma legal, que a recorrente considera não satisfazer as exigências mínimas de determinabilidade a que se encontra constitucionalmente vinculada a tipificação dos comportamentos contraordenacionalmente relevantes.

B. Conhecimento do mérito

7. No seu artigo 6.º, o Decreto-Lei n.º 50/2005 estabelece o seguinte:

«Artigo 6.º

Verificação dos equipamentos de trabalho

1 - Se a segurança dos equipamentos de trabalho depender das condições da sua instalação, o empregador deve proceder à sua verificação após a instalação ou montagem num novo local, antes do início ou do recomeço do seu funcionamento. […]

2 - O empregador deve proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos.

3 – O empregador deve proceder a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho quando ocorram acontecimentos excecionais, nomeadamente transformações, acidentes, fenómenos naturais ou períodos prolongados de não utilização, que possam ter consequências gravosas para a sua segurança.

4 - As verificações e ensaios dos equipamentos de trabalho previstos nos números anteriores devem ser efetuados por pessoa competente, a fim de garantir a correta instalação e o bom estado de funcionamento dos mesmos».

No segmento que aqui releva, o artigo 43.º prescreve, por sua vez, que:

Artigo 43.º

                                                  Contraordenações

«1 - […]

2 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos artigos 4.º a 7.º e 10.º a 42.º

3 - […]».

Para além dos preceitos acima indicados, importa atender ainda ao elenco de definições constante do artigo 2.º, onde se encontram densificados parte dos conceitos que integram a previsão do n.º 2 do artigo 6.º. São eles os seguintes:

Artigo 2.º

Definições

«Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho;

b) «Utilização de um equipamento de trabalho» qualquer atividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza;

[…]

f) «Pessoa competente» a pessoa que tenha ou, no caso de ser pessoa coletiva, para a qual trabalhe pessoa com conhecimentos teóricos e práticos e experiência no tipo de equipamento a verificar, adequados à deteção de defeitos ou deficiências e à avaliação da sua importância em relação à segurança na utilização do referido equipamento;

g) «Verificação» o exame detalhado feito por pessoa competente destinado a obter uma conclusão fiável no que respeita à segurança de um equipamento de trabalho;

[…]».

8. O Decreto-Lei n.º 50/2005 transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, que vinculou os Estados-membros a adotar e publicar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias a dar cumprimento às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

A Diretiva 2001/45/CE alterou a Diretiva 89/655/CEE do Conselho, de 30 de novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho no trabalho (2.ª Diretiva especial na aceção do n.º 1 do artigo 16.º da Diretiva 89/391/CEE), já antes alterada pela Diretiva 95/63/CE do Conselho, de 5 de dezembro.

A Diretiva 95/63/CE foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de março, entretanto alterado pela Lei n.º 113/99, de 3 de agosto, diploma que o Decreto-Lei n.º 50/2005 revogou (artigo 45.º).

Para a apreciação da questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso, é à disciplina contida nos artigos 2.º, 4.º e 4.º-A da Diretiva 89/655/CEE, na versão resultante das alterações introduzidas pela Diretiva 95/63/CE, que importa especialmente atender.

De acordo com o elenco de definições constante do artigo 2.º, para os efeitos previstos na Diretiva é havido como equipamento de trabalho «qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho»; por utilização de um equipamento de trabalho entende-se, por sua vez, «qualquer atividade relativa a um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora de serviço, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo, nomeadamente, a limpeza» (alíneas a) e b), respetivamente).

Os artigos 4.º e 4.ºA da Diretiva 89/655/CEE — o primeiro alterado e o segundo aditado pela Diretiva 95/63/CE — integram-se no âmbito das obrigações que recaem sobre as entidades patronais, respeitando o primeiro às regras relativas aos equipamentos de trabalho e o segundo às respetivas verificações.

Depois de estabelecer o dever de a entidade patronal «obter e/ou utilizar» equipamentos de trabalho que, tendo sido «colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores depois de 31 de dezembro de 1992», satisfaçam as «prescrições mínimas previstas no anexo I» (n.º 1, alínea a), ii.)), o artigo 4.º vincula os Estados-membros a determinar, «após consulta dos parceiros sociais e tendo em conta as legislações e/ou práticas nacionais, as normas que permitam atingir um nível de segurança que corresponda aos objetivos visados nas disposições do anexo II».

Quanto à verificação desses equipamentos, o artigo 4.º A dispõe o seguinte:

   «Artigo 4ºA

Verificações dos equipamentos de trabalho

1. […]

2. A entidade patronal tomará as medidas necessárias para que os equipamentos de trabalho sujeitos a influências geradoras de deteriorações suscetíveis de estar na origem de situações perigosas sejam objeto de:

- verificações periódicas e, se necessário, de ensaios periódicos efetuados por pessoas competentes, na aceção das legislações e/ou práticas nacionais,

- verificações excecionais efetuadas por pessoas competentes, na aceção das legislações e/ou práticas nacionais, sempre que se produzam acontecimentos excecionais suscetíveis de terem consequências gravosas para a segurança do equipamento de trabalho, como transformações, acidentes, fenómenos naturais, períodos prolongados de não utilização,

a fim de garantir que sejam respeitadas as prescrições de segurança e de saúde e que as deteriorações em causa sejam detetadas e corrigidas atempadamente.

3. Os resultados das verificações devem ser consignados, mantidos à disposição da autoridade competente e conservados por um período adequado.

[…]

4. Compete aos Estados-membros determinar as modalidades dessas verificações» (itálico aditado).

9. Ao proceder à transposição da Diretiva 2001/45/CE, o Decreto-Lei n.º 50/2005 consagrou um amplo conjunto de medidas destinadas a garantir um melhor nível de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, aplicáveis em todos os ramos de atividade dos sectores privado, cooperativo e social, administração pública central, regional e local, institutos públicos e demais pessoas coletivas de direito público, bem como a trabalhadores por conta própria, com exceção das atividades da Administração Pública cujo exercício seja condicionado por critérios de segurança ou emergência, como as Forças Armadas ou a polícia, e atividades específicas dos serviços de proteção civil, que dispõem de regras próprias (artigo 1.º, n.ºs 2 e 3).

Considerada a estrutura do Decreto-Lei n.º 50/2005, tais medidas encontram-se agrupadas em três grandes categorias: as medidas de carácter geral, previstas nos artigos 3.º a 9.º; as medidas relativas à segurança dos equipamentos de trabalho, contempladas nos artigos 10.º a 29.º; e as medidas relativas à utilização dos equipamentos de trabalho, a que se referem os artigos 30.º a 42.º.

No âmbito das medidas de carácter geral, o Decreto-Lei n.º 50/2005 faz impender sobre o empregador um conjunto de obrigações de conteúdo diverso, cuja violação importa consequências de distinta gravidade. Assim, dá lugar à prática de uma contraordenação muito grave (artigo 43.º, n.º 1) o incumprimento pelo empregador das obrigações fixadas no artigo 3.º, que incluem o dever geral de assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização, bem como a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes do próprio diploma e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores (alíneas a) e e) respetivamente). A mesma consequência encontra-se prevista para a inobservância das obrigações relativas à prestação aos trabalhadores de informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados e à sua consulta bianual para o mesmo efeito, constantes dos artigos 8.º e 9.º, respetivamente.

A par destas obrigações, mais severamente sancionadas, recai ainda sobre o empregador, entre outros, o dever genérico de proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos (artigo 6.º, n.º 2), recorrendo para o efeito a pessoa competente, a fim de garantir a correta instalação e o bom estado de funcionamento dos mesmos (artigo 6.º, n.º 3). O incumprimento deste dever — aquele que está em causa nos presentes autos — dá lugar à prática de uma contraordenação grave (artigo 43.º, n.º 2).

10. No âmbito da fixação deste conjunto de obrigações de carácter geral, o Decreto-Lei n.º 50/2005 não remete para qualquer outra fonte de direito interno, designadamente para disposições «regulamentares e administrativas», igualmente referidas na Diretiva 2001/45/CE. Daí que a concretização do conteúdo específico de cada uma delas dependa essencialmente do que dispõe o próprio Decreto-Lei n.º 50/2005, em particular no elenco de definições constante do respetivo artigo 2.º.  

Para a densificação do dever de «proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos», estabelecido no n.º 2 do artigo 6.º, relevam sobretudo as definições fornecidas pelas alíneas a), f) e g) do artigo 2.º.

Tendo em conta o conjunto dessas definições, o dever imposto no n.º 2 do artigo 6.º consistirá na obrigação de o empregador proceder periodicamente ao exame detalhado e, se necessário, a ensaios periódicos, de qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho e sujeito a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos, a realizar por pessoa com conhecimentos teóricos e práticos e experiência no tipo de equipamento a verificar, com o objetivo de obter uma conclusão fiável no que respeita à segurança do mesmo.

É esta, pois, a norma de comportamento que a recorrente considera não observar as exigências decorrentes «do princípio do Estado de Direito Democrático, aqui concretizado no princípio da segurança jurídica, consagrado nos artigos 2.º e 29. da Constituição da República Portuguesa».

11. O artigo 29.º da Constituição, expressamente invocado pela recorrente, consagra o princípio da legalidade penal, que constitui um elemento central do regime constitucional da lei penal nos Estados de direito democráticos.

O princípio da legalidade penal opera essencialmente como um princípio defensivo: constitui, por um lado, «a mais sólida garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado» cometidos no âmbito do exercício do ius puniendi de que o mesmo é exclusivo titular (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Universidade de Coimbra, ed. policopiada, 1988-9, p. 68 e s.), e se apresenta, por outro, como condição de previsibilidade e de confiança jurídica, no sentido em que permite a cada cidadão dar-se conta das condutas humanas que, em cada momento, relevam no direito criminal (cf. Acórdãos n.º 105/2013 e 587/2014).

Apesar de, tanto a epígrafe como a letra do artigo 29.º da Constituição, «restring[irem] a sua aplicação direta apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respetivas sanções)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª ed., p. 498), o Tribunal Constitucional vem reconhecendo, em vasta e consolidada jurisprudência, que as exigências decorrentes do princípio da tipicidade são extensíveis ao direito de mera ordenação social, embora não se imponham aí na mesma medida ou com idêntica intensidade.

Desse acervo deu particularmente conta o Acórdão n.º 76/2016, que precisou o alcance do princípio da tipicidade no domínio das infrações contraordenacionais nos seguintes termos:

«[…] o facto de as contraordenações fazerem parte do poder punitivo estadual, cuja expressão máxima se encontra no direito penal, justifica que o seu regime jurídico seja influenciado pelos princípios e regras comuns a todo o direito sancionatório público. O direito de mera ordenação social é um direito sancionador, que permite à Administração participar no exercício do poder punitivo estadual, aplicando penalidades aos administrados, o que significa que esse direito e esse poder, enquanto emanação do jus puniendi, estão matizados pelos princípios e pelas regras “penais”. Por isso, há de admitir-se que os princípios constitucionais do direito penal possam influenciar os direitos sancionadores que derivam da mesma matriz. 

[…].

O que não significa, é evidente, que não deixe de haver diferenciações na extensão desses princípios ao domínio contraordenacional. É que a autonomia material do ilícito de mera ordenação social em relação ao ilícito penal, que dá origem a um sistema punitivo próprio, com espécies de sanção, com procedimentos punitivos e agentes sancionadores distintos, obsta a que se proceda a uma transposição automática e imponderada para o direito de mera ordenação social dos princípios constitucionais que regem a legislação penal. 

[…].

 6. Assim acontece com a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional.

[…]

A exigência de determinabilidade do conteúdo das normas penais, uma dimensão do denominado princípio da tipicidade, é avessa a que o legislador formule normas penais recorrendo a cláusulas gerais na definição dos crimes, a conceitos que obstem à determinação objetiva das condutas proibidas ou que remeta a sua concretização para fontes normativas inferiores, as chamadas normas penais em branco. A exclusão de fórmulas vagas na descrição dos tipos legais, de normas excessivamente indeterminadas e de normas em branco, leva em conta os valores da segurança e confiança jurídicas postulados pelo princípio da legalidade criminal. Com efeito, a exigência de clareza e densidade suficiente das normas restritivas, como é o caso das normas penais, é um fator de garantia da confiança e da segurança jurídica, «uma vez que o cidadão só pode conformar autonomamente os próprios planos de vida se souber com o que pode contar, qual a margem de ação que lhe está garantida, o que pode legitimamente esperar das eventuais intervenções do Estado na sua esfera pessoal» (Jorge Reis Novais, As restrições aos Direitos Fundamentais, não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2ª ed. pág. 770).

Deve reconhecer-se, porém, que a exigência de lex certa, como corolário do princípio da legalidade criminal, não veda em absoluto a formulação dos pressupostos jurídico-constitutivos da incriminação através de elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas gerais e fórmulas gerais de valor. Seria inviável, até pela natureza da própria linguagem jurídica, uma determinação absoluta do tipo legal de ilícito.

[…]

Em princípio, a modelação do tipo legal de crime com recurso a conceitos indeterminados não afronta os princípios da legalidade e da tipicidade. Como reconhece o Tribunal Constitucional, após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou flexibilidade normativa em matéria de ilícitos penais, «uma relativa indeterminação dos tipos legais pode mostrar-se justificada, sem que isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade» (Acórdão n.º 93/01).

Mas se é impossível uma total determinação dos elementos compósitos da ação punível, há de exigir-se um grau de determinação suficiente que não ponha em causa os fundamentos do princípio da legalidade. É que o princípio nullum crimen só pode cumprir a sua função de garantia se a regulamentação típica, ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar. Como se escreve no Acórdão n.º 168/99, «averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima.

7. Nos demais domínios sancionatórios, como no direito de mera ordenação social e no direito disciplinar, a exigência de tipicidade não se faz sentir com a intensidade que tem no direito criminal. Com maior frequência os enunciados legislativos exprimem-se aí através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumerações exemplificativas. 

[…]

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a sublinhar que a exigência de determinabilidade do tipo que predomina no direito criminal não tem que ter a mesma rigidez e a mesma densidade no domínio contraordenacional. Diz-se no Acórdão n.º 41/2004 que a «Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes»; e nos Acórdãos nºs 397/2012 e 466/12 conclui-se que «não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal».

Todavia, a maior abertura dos tipos contraordenacionais causada pela utilização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados não significa uma total ausência de determinação normativa. A norma ou conjunto das normas tipificadoras não podem deixar de descrever com suficiente clareza os elementos objetivos e subjetivos do núcleo essencial do ilícito, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Daí que só seja admissível uma “relativa indeterminação tipológica” que não saia da “órbitra daquilo que razoavelmente pode exigir-se em rigor descritivo ou limitativo, de modo a não esvaziar de conteúdo a garantia consubstanciada naqueles princípios” (Acórdão n.º 338/03). Exige-se pois um “mínimo de determinabilidade” das condutas ilícitas, de molde a que as decisões sancionatórias associadas sejam previsíveis e objetivas e não arbitrárias para os seus destinatários, que haja segurança na sua identificação e, consequentemente, quanto à sanção aplicável. A exigência de um mínimo de determinabilidade que permita identificar os comportamentos descritos em tipos contraordenacionais (e também em alguns tipos disciplinares) tem sido constante na jurisprudência constitucional, desde a Comissão Constitucional (parecer n.º 32/80, publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol. pág. 51 e segs.) até à jurisprudência mais recente (Acórdãos nºs. 282/86, 666/94, 169/99, 93/01, 358/05, 635/2011, 85/2012, 397/12 e 466/12).

Analisando a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional, no Acórdão n.º 201/2014 conclui-se que «(i) embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”; (ii) aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito; (iii) assim, a Constituição impõe “exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda antecipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito».

Deverá, pois, dizer-se que nos tipos contraordenacionais, a exigência de lex certa não será prejudicada com a identificação dos ilícitos mediante conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais se for razoavelmente possível a sua concretização através de critérios lógicos, técnicos ou da experiência que permitam prever, com segurança suficiente, a natureza e as características essenciais das condutas constitutivas da infração tipificada».

Da jurisprudência constitucional pode extrair-se, pois, com toda a segurança, que, no âmbito da definição dos ilícitos contraordenacionais, a Constituição somente impõe «exigências mínimas de determinabilidade»; mas estas apenas se encontrarão satisfeitas na medida em que o tipo legal permita aos respetivos destinatários darem-se conta de qual é a conduta proibida e da sanção que lhe corresponde.

12. Saber se certo tipo contraordenacional é ou não suficientemente determinado é questão a que deverá responder-se tendo em conta a acessibilidade e a previsibilidade da norma de comportamento pelos respetivos destinatários.

Tais requisitos mostrar-se-ão verificados sempre que, mas apenas quando, tais sujeitos puderem conhecer, através do texto da lei — complementado, se necessário, pela respetiva interpretação jurisprudencial, bem como pelo recurso a aconselhamento técnico especializado —, quais os atos e omissões suscetíveis de os responsabilizar (v. Radio France and Others v. France (2004) e Vasiliauskas v. Lithuania (2015)), em termos que  lhes permitam proceder, de forma minimamente esclarecida e segura, ao planeamento da respetiva atuação.

Com ressalva das exceções já salientas (supra, n.º 9), os destinatários da obrigação de verificação dos equipamentos de trabalho imposta pelo n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 — vimo-lo já — são todos empregadores de todos dos sectores privado, cooperativo e social, independentemente do ramo de atividade, da administração pública central, regional e local, institutos públicos e demais pessoas coletivas de direito público, bem como os trabalhadores por conta própria.

O dever que recai sobre todo esse vasto conjunto de distintos sujeitos — vimo-lo também — incide sobre «qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho» sujeito(a) «a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos» (objeto), consistindo na obrigação de «proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos periodicamente ao exame detalhado» do mesmo (conteúdo).

Tendo em conta o elevado número de conceitos indeterminados utilizados na descrição quer do objeto, quer do conteúdo do dever genérico de verificação periódica dos equipamentos de trabalho, o acentuado nível de indeterminação de certos deles e, sobretudo, o incrementado grau de abertura que a sua utilização simultânea confere à norma tipificadora, a questão que importa seguidamente resolver é a de saber se a caracterização do ilícito que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 com o n.º 2 do respetivo artigo 43.º foi, ainda assim, levada pelo legislador ao ponto necessário a permitir ao vasto conjunto dos potenciais autores da infração a antecipação, com o mínimo de segurança, da atuação suscetível de os eximir de responsabilidade.

13. Ao incidir sobre todo o tipo de máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho ¾  como decorre, aliás, da alínea a) do artigo 2.º da Diretiva 89/655/CEE ¾, o dever de verificação dos equipamentos que impende sobre o empregador abrange, à partida, um conjunto ilimitado de artefactos, que poderão ir desde o agrafador utilizado pela secretária da administração de uma qualquer empresa até à maquinaria pesada empregue na execução dos trabalhados de construção civil.

A amplitude do conceito de equipamento de trabalho, já de si elevada, acentua-se ainda mais perante a indicação ¾ que igualmente se extrai da alínea b) do n.º 2 da Diretiva 89/655/CEE ¾  de que por utilização de um equipamento de trabalho é havida qualquer atividade em que o trabalhador contacte com um equipamento de trabalho, nomeadamente a colocação em serviço ou fora dele, o uso, o transporte, a reparação, a transformação, a manutenção e a conservação, incluindo a limpeza.

Para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, o conceito de equipamento de trabalho compreenderá assim todo o instrumento que se encontre afeto à atividade desenvolvida pelo empregador e com o qual o trabalhador interaja, seja qual for a qualidade em que o faça ou o tipo de interação que estabeleça com aquele. 

Dentro deste vastíssimo conjunto de apetrechos de distinta natureza e com as mais diversas funcionalidades, concorrem para a delimitação do âmbito de incidência do dever de verificação dos equipamentos de trabalho dois elementos apenas.

13.1. Em primeiro lugar, o dever de verificação a cargo do empregador somente poderá afirmar-se em relação a máquina, aparelho, ferramenta ou instalação cuja verificação pressuponha a realização de um «exame detalhado» (artigo 2.º, alínea g)) por «pessoa com conhecimentos teóricos e práticos e experiência no tipo de equipamento a verificar» (artigo 2.º, alínea f)).

Trata-se de um elemento que atua sobre a delimitação negativa do dever de verificação — no sentido em que conduz à exclusão daquele tipo de artefactos, como o agrafador manual atrás referido, cujas condições de segurança podem ser aferidas por qualquer pessoa através do simples recurso a indicações de senso comum —, mas cuja contribuição para a delimitação positiva do respetivo âmbito de aplicação é, na melhor das hipóteses, escassa.

Sempre que, como sucedeu nos presentes autos (cf. ponto 18 dos factos provados elencados na decisão recorrida), não esteja em causa máquina, aparelho, ferramenta ou instalação cuja verificação/inspeção seja imposta por disposição legal ou regulamentar ou se encontre recomendada de acordo com as instruções técnicas do respetivo fabricante, a identificação dos equipamentos de trabalho sujeitos a verificação periódica obrigatória a partir de um critério baseado no grau de detalhe do exame para o efeito requerido e ou no nível de conhecimento e experiência exigidos à pessoa em condições de o realizar não permite determinar, em termos minimamente concludentes e seguros — pense-se, por exemplo, no caso de um agrafador elétrico ou pneumático —, as circunstâncias em que o empregador responderá contraordenacionalmente no caso de não diligenciar por essa verificação.  

13.2. De entre as máquinas, aparelhos, ferramentas ou instalações cuja verificação implique a realização de um exame detalhado por pessoa especialmente qualificada, o empregador apenas se encontra obrigado a proceder à verificação dos equipamentos de trabalho que se encontrem «sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos» (artigo 6.º, n.º 2).

Considerado o nível de imprecisão — ou vaguidade até — da formulação empregue, a medida em que este segundo elemento é suscetível de contribuir para a determinação da norma de comportamento é igualmente baixa. 

Ao invés do que sucedeu com as definições de «equipamento de trabalho» e «utilização de um equipamento de trabalho» (supra, o n.º 8), o Decreto-Lei n.º 50/2005 não seguiu, pelo menos tão de perto, a tipificação dos pressupostos do dever de verificação periódica constante da Diretiva, em particular na parte em que, por via do n.º 2 do seu artigo 4.º-A, esta restringe o âmbito desse dever aos equipamentos de trabalho «sujeitos a influências geradoras de deteriorações suscetíveis de estar na origem de situações perigosas».

Retomando a previsão que constava já do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 82/99, o legislador de 2005 optou antes por manter o critério de delimitação do âmbito objetivo desse dever exclusivamente assente no conceito de risco — que mais não é do que a probabilidade de um evento acontecer —, prescindido do incremento que adviria da referência (ou simultânea referência) à potencialidade para dar origem a «situações perigosas».

Fê-lo, todavia, sem simultaneamente fornecer um critério minimamente indicativo do tipo de «influências» e de «riscos» que o empregador deverá levar em consideração para identificar, de entre os equipamentos de trabalho afetos ao prosseguimento da respetiva atividade, aqueles por cuja verificação se encontra obrigado a diligenciar.

Em maior ou menor medida, todos os equipamentos de trabalho encontram-se inevitavelmente sujeitos a influências suscetíveis de provocar a sua deterioração, designadamente as que decorrem do desgaste natural inerente à sua normal utilização; deterioração que, por sua vez, poderá, em última análise, colocar em risco, ainda que mínimo, a segurança de um determinado trabalhador, independentemente da sua efetiva potencialidade originar a verificação de uma «situação perigosa».

Assim, apesar de fazer relevar todas as «deteriorações suscetíveis de causar riscos», o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 não fornece qualquer indicação qualitativa que permita mensurar o risco para a segurança do trabalhador tipicamente relevante, seja do ponto de vista da probabilidade de o mesmo vir a concretizar-se (“elevado risco”), seja do ponto de vista da magnitude das consequências que poderão associar-se-lhe (“risco para a vida” ou “risco de lesão grave”). À face da norma contida no n.º 2 do artigo 6.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 43.º, qualquer tipo de risco será, à partida, tipicamente relevante.

Na ausência de um qualquer critério à luz do qual possam ser apreendidas e antecipadas as «influências» e os «riscos» que, independentemente das recomendações técnicas do fabricante,  colocam sob o dever de verificação obrigatória todos os equipamentos de trabalho cuja inspeção pressuponha a realização de exame detalhado por pessoa especialmente habilitada, não é possível afirmar-se, como tende a fazer o recorrido, que o conjunto de elementos que integram o tipo objetivo do ilícito em causa permita que, em face dele, «se torne objetivamente motivável e dirigível» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 186) a conduta dos diversos empregadores que operam em cada um dos múltiplos ramos de atividade abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 50/2005.

14. Se assim é no plano da delimitação do objeto do dever de verificação dos equipamentos do trabalho, o problema da determinabilidade do tipo objetivo de ilícito agrava-se ainda mais quando nos confrontamos com o respetivo conteúdo.

Tal dever — diz-nos o n.º 2 do artigo 6.º— consiste na realização de «verificações periódicas e, se necessário, [de] ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho».

Apesar de o n.º 4 do artigo 4.ºA da Diretiva determinar que «[c]ompete aos Estados-membros determinar as modalidades dessas verificações», o Decreto-Lei n.º 50/2005 não contém qualquer indicação, ainda que mínima, sobre a periodicidade, regularidade ou frequência com as mesmas deverão ser realizadas.

Tomando por exemplo o sector da construção civil, pergunta-se: com que regularidade deverá o empregador proceder à verificação dos martelos pneumáticos ou, como sucedeu no caso dos autos, das rebarbadoras elétricas manuais que são diariamente utilizado(a)s numa determinada obra e, nessa medida, se encontram diariamente sujeito(a)s a influências resultantes da sua normal utilização suscetíveis de provocar deteriorações no equipamento?

A resposta encontrada pelo Tribunal recorrido foi a seguinte: «[a] periodicidade das verificações depende do próprio equipamento e dos riscos inerentes ao mesmo, podendo culminar numa combinação de verificações, de distinta periodicidade e profundidade e deverão ser realizadas tendo em conta as instruções do fabricante, as características do equipamento e as condições de utilização».  

Do ponto de vista da função de garantia cometida ao tipo legal, tal resposta não é, todavia, suficientemente esclarecedora. E isto porque, ou se trata de equipamento de trabalho cuja verificação se encontra recomendada pelo respetivo fabricante – caso em que a periocidade a observar pelo empregador só poderá ser a que resultar das instruções técnicas fornecidas por aquele —, ou se trata, como sucedeu no caso dos autos, de equipamento cujo fabricante «não especifi[ca] em concreto “nada” no que diz respeito a verificações» (cf. ponto 18 dos factos provados elencados na decisão recorrida) – caso em que o critério apontado pelo Tribunal recorrido, que torna a frequência da verificação exclusivamente dependente das características do «próprio equipamento e dos riscos inerentes ao mesmo», adquire contornos de tal modo imprecisos e vagos que deixa de poder funcionar como referência minimamente segura para a antecipação dos atos ou omissões geradores de responsabilidade.

15. Tendo em conta a explicitação legal de cada um dos elementos que a integram, a norma sindicada pode formular-se, em termos definitivos, do seguinte modo: constitui contraordenação grave (artigo 43.º, n.º 2) a violação pelo empregador do dever de proceder periodicamente ao exame detalhado e, se necessário, a ensaios periódicos (artigo 6.º, n.º 2), de qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação que se encontre afeto à prossecução da respetiva atividade e com o qual o trabalhador interaja, seja qual for a qualidade em que este o faça ou o tipo de interação que estabeleça com o(a) mesmo(a) (artigo 2.º, alíneas a) e b)), sempre que se trate de equipamento cuja verificação pressuponha um exame detalhado por pessoa com conhecimentos teóricos e práticos e experiência no tipo de equipamento a verificar (artigo 2.º, alíneas g) e f)) e se encontre sujeito a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos para a segurança do trabalhador (artigo 6.º, n.º 2).

Pelo somatório das razões atrás apontadas, à particular extensão de que se reveste a descrição da conduta proibida não corresponde uma maior densificação do conteúdo do ilícito.

O tipo legal resultante da conjugação dos artigos 6.º, n.º 2, e 43.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, consubstancia uma espécie de antecipação máxima da tutela conferida pelo ordenamento jurídico em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho. Para garantir um melhor nível de proteção da segurança e saúde dos trabalhadores, o legislador onerou o empregador, não apenas com os deveres específicos relativos aos requisitos mínimos de segurança a observar pelos equipamentos de trabalho (artigos 10.º a 29.º) e na sua utilização (artigos 30.º a 42.º), mas também com um conjunto de obrigações de âmbito geral, entre as quais o dever de verificação dos equipamentos de trabalho: o dever genérico previsto no n.º 2 do artigo 6.º e o dever específico a que alude o respetivo n.º 3. 

Sucede que, ao invés do que decorre do modo como este último dever foi formulado — trata-se, de acordo com o n.º 3 do artigo 6.º, do dever de o empregador «proceder a verificações extraordinárias dos equipamentos de trabalho quando ocorram acontecimentos excepcionais, nomeadamente transformações, acidentes, fenómenos naturais ou períodos prolongados de não utilização, que possam ter consequências gravosas para a sua segurança» —, a norma constante do n.º 2 do não fornece qualquer ponto de referência suficientemente objetivo seguro para que o empregador possa determinar, com o mínimo de infalibilidade, a ação prescrita e a inação proibida.

O principal critério utilizado para delimitar o universo dos equipamentos de trabalho sob verificação periódica obrigatória — «sujeição a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos» — não dispõe de precisão e concretude suficientes para permitir ao conjunto, vasto e diversificado, dos potenciais autores da infração a identificação antecipada, nem das máquinas, aparelhos, ferramentas ou instalações abrangidos pelo dever genérico de verificação, nem do momento (ou momentos) em que tal verificação deverá ocorrer. Não contendo qualquer indicação a partir da qual possa ser recortada a espécie de influências, a natureza das deteriorações e o tipo de riscos tipicamente relevantes, o critério constante do segmento final do n.º 2 do artigo 6.º contempla múltiplas e distintas possibilidades de concretização, assemelhando-se, por isso, a um espaço em branco, que a subjetividade do empregador poderá vir a preencher. Ora, ao «abrir-se as portas à mera subjetividade, o agente deixa de poder encontrar no texto da lei a objetivação necessária e adequada que garanta a segurança e confiança jurídicas». E não poderão ser «as autoridades do trabalho, na sua função sancionadora, ou as autoridades judiciais, na sua função de controlo, quem vão dizer qual é a única solução válida» (Acórdão n.º 76/2016), até porque tal equivaleria, em ultima instância, à determinação retrospetiva do conteúdo ilícito e à consequente neutralização da função de garantia cometida ao tipo legal.

A norma do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 — que, aliás, apenas complementa o regime que resulta já das alíneas a) e b) do artigo 3.º quanto às obrigações de carácter geral a cargo do empregador (supra, o n.º 9) — revela, assim, um grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacionalmente relevante incompatível com as exigências de previsibilidade e de confiança jurídica que decorrem do princípio do Estado de direito democrático, pelo que é inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição.

O recurso deverá, pois, ser julgado procedente.

III. Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a)             Julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica ínsito no artigo 2.º da Constituição, a norma do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, quando conjugada com o artigo 43.º, n.º 2, do mesmo diploma, enquanto estabelece que a falta de verificação periódica dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações suscetíveis de causar riscos, constitui uma contraordenação grave; e em consequência,

b)              Julgar procedente o recurso interposto e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

 

Lisboa, 27 de outubro de 2021 - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - Gonçalo Almeida Ribeiro - João Pedro Caupers

 

Atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.

Joana Fernandes Costa




 


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