Jurisprudência do Dia

Tribunal da Relação de Lisboa
Acórdão
Processo nº: 27078/17.5T8LSB-E.L3-1
11 de fevereiro de 2025
CÍVEL

Insolvência culposa    >     Pressupostos    >     Dação em cumprimento    >     Indemnização

(Elaborado pela relatora, cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC)
I - Da verificação dos pressupostos normativos de qualquer um dos tipos qualificadores previstos pelo nº 2 do art.º 186º resulta adquirida, por presunção legal absoluta, a ilicitude do facto, a existência de culpa grave, e o nexo de causalidade entre o facto (ato ou omissão) e a criação ou o agravamento da insolvência, o que inexoravelmente conduz à qualificação da insolvência da devedora como culposa.
II – O carácter ruinoso do contrato pressuposto pelo tipo qualificador previsto pela al. b) do nº 2 do art.º 186º é aferido, não por referência à posição dos credores relativamente à devedora e ao negócio por esta celebrado, mas por referência à posição da própria devedora no âmbito do negócio, nos termos em que o mesmo foi celebrado (designadamente, por referências às obrigações por ele geradas a cargo da insolvente em confronto com as obrigações geradas para a outra parte e o benefício que aquela delas retira).
III - É por referência aos princípios da garantia patrimonial e do tratamento igualitário dos credores sociais que se impõe entender o alcance dos elementos normativos ‘disposto de bens’ e ‘proveito pessoal ou de terceiros’ que integram o tipo qualificador da insolvência previsto pela al. d) do nº 2 do art.º 186º.
IV – Elementos que, perante a ausência de meios da devedora suficientes para proceder ao pagamento da totalidade do passivo vencido, são preenchidos pela celebração de contrato de dação em pagamento que, por natureza, apenas beneficia o credor que dele é parte em detrimento de todos os demais, que ficam afastados da possibilidade de, através do devido rateio e com respeito pela graduação legal de créditos, concorrerem ao produto do objeto da dação.
V – A responsabilização patrimonial dos afetados, para além da sua dimensão punitiva intrínseca à moralização do sistema visada pelo incidente da qualificação, assume também uma dimensão de reparação dos credores através da condenação em indemnização cuja quantificação o legislador remeteu para os pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil.
VI - A condenação em indemnização tem subjacente a coincidência entre os factos valorados como qualificadores da insolvência como culposa e os factos que fundamentam o quantum da responsabilização patrimonial dos afetados, ou seja, entre o perigo de dano presumido pela norma fundamento da qualificação e o dano concretamente produzido pela criação ou agravamento da situação patrimonial da devedora.

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Supremo Tribunal de Justiça
Acórdão
Processo nº: 1164/19.5T9PRD.P1-A.S1
19 de fevereiro de 2025
PENAL

Escusa    >     Juíz desembargador    >     Imparcialidade    >     Processo

I - O juiz, cumprindo com o seu dever de imparcialidade, deverá informar, que se encontra numa qualquer situação de eventual pedido de recusa do exercício das suas funções em determinado processo e em relação àquele caso concreto, pedindo escusa.

II - O objectivo é salvaguardar um bem essencial na Administração da Justiça que é a independência e a imparcialidade dos tribunais e dos juízes, de forma a permitir que a decisão seja justa e equitativa. Mas também defender a posição do juiz possibilitando-lhe o afastamento quando objectivamente existir uma razão que minimamente possa beliscar a sua imagem de isenção e objectividade.

III - Constitui fundamento de recusa, e por isso de escusa, atento o disposto no n.º 1, do art.º 43º, do CPP, a relação de parentesco existente entre juiz desembargador relator e o advogado mandatário dos arguidos, [em 4º grau da linha colateral (primos, sendo os pais de ambos irmãos], a relação de amizade entre ambos, sendo visitas de casa, um do outro, estando juntos em eventos familiares restritos, almoços, jantares e festas de aniversário, sendo ainda, co-titulares de bens herdados, que gerem em conjunto, e que, no âmbito de processo judicial, constituiu já seu mandatário o identificado advogado, a quem outorgou procuração forense.

IV - A situação de facto retratada é, na verdade, suficientemente capaz de fundamentar o risco sério e grave de uma recepção pública e intraprocessual no sentido de que a justiça a administrar no caso concreto pode estar ou vir a estar condicionada pelas relações descritas.

V - Podendo, razoavelmente conduzir a que a intervenção da Senhora Magistrada requerente, no julgamento do recurso que lhe foi distribuído como relatora corra o risco sério de ser considerada suspeita, constituindo, assim, motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que se visa acautelar, justificando-se o pedido de escusa nos termos requeridos, como foi já reconhecido em casos similares.

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Tribunal Central Administrativo Norte
Acórdão
Processo nº: 00690/24.9BEPRT
7 de fevereiro de 2025
ADMINISTRATIVO

Contencioso pré-contratual    >     ARTIGO 95º DO CPTA    >     Exclusão de proposta    >     Novos fundamentos de exclusão    >     Reserva administrativa    >     Afastamento do efeito anulatório

I – A decisão judicial que decidiu no sentido da inadmissibilidade do conhecimento dos vícios adicionais suscitados pela Entidade Demandada é conforme com a normação contida no artigo 95.º, n.º 1 do CPTA, a qual determina que a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

II- É juridicamente inadmissível a apresentação em sede recursória de novos argumentos ou fundamentos que, ainda que hipoteticamente pudessem justificar a exclusão da proposta da parte Autora, não foram originalmente contemplados na decisão administrativa contenciosamente sindicada, sob pena de atravessamento dos valores jurídicos da boa-fé e da segurança jurídica.

III- A montagem do equipamento laser no trolley disponibilizado pelo fabricante não consubstancia uma "modificação" para efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea c), Regulamento (UE) 2017/745 do Parlamento Europeu e do Conselho, encontrando-se, ademais, abrangida pela derrogação prevista no último parágrafo do n.º 1, não afetando, por conseguinte, a conformidade do dispositivo com os requisitos regulamentares aplicáveis.

IV- No exercício da discricionariedade judicial na ponderação dos interesses contrapostos - o interesse patrimonial da Autora, consubstanciado na expectativa de classificação preferencial e subsequente adjudicação no procedimento concursal, versus o interesse público de manutenção ininterrupta do serviço de urologia, especialidade médica que demanda pronta e contínua intervenção para diagnóstico e tratamento de patologias urológicas conforme imperativo legal - justifica-se a não aplicação dos efeitos anulatórios do contrato celebrado pelas partes, com fundamento no artigo 283.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

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Tribunal da Relação de Coimbra
Acórdão
Processo nº: 1021/23.0T8CNT-B.C1
11 de fevereiro de 2025
CÍVEL

Finalidade do arrolamento    >     Partilha dos bens comuns do casal    >     Conta bancária    >     Posse efetiva os bens

I – O que está subjacente ao arrolamento é sempre o risco de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos e a necessidade de prevenção desse risco no sentido de assegurar a manutenção e conservação desses bens (ou documentos) de modo a garantir a efetividade do direito (ou interesse) a que o Requerente se arroga e que lhe venha a ser reconhecido na ação da qual o arrolamento é dependência.

II – Sendo que o objetivo do arrolamento não se reconduz – ou não se reconduz apenas – à identificação dos bens sobre os quais incide o direito da Requerente (no caso, os bens futuramente a partilhar), visando essencialmente assegurar a permanência e conservação desses bens até à realização da partilha e prevenir o risco de extravio, ocultação ou dissipação desses bens com vista a assegurar que a Requerente do arrolamento possa tomar posse efetiva dos bens que lhe venham a caber nessa partilha.

III – À luz das regras gerais da experiência, e pelas particularidades do caso concreto (tal como delineado e “indiciado”), mais concretamente, por já ter o Requerido procedido ao levantamento da quantia de € 53.579,81 da conta bancária referente ao comércio exercido conjuntamente pelo casal formado por ele com a Requerente, logo após a separação de ambos, existia um risco sério e real de extravio, ocultação ou dissipação dos montantes monetários em causa enquanto a descrição, avaliação e depósito respetivo não estivesse efetivamente operada, e se encontrasse salvaguardado que não mais teria lugar a sua livre movimentação pelo Requerido.

IV – Contudo, também não podem nem devem ser desconsiderados os interesses do Requerido na autorização de movimentação tão livre quanto possível da conta bancária afeta ao giro comercial do estabelecimento a cujo exercício se dedica agora sozinho.

V – Assim, na adequada e equilibrada ponderação dos contrapostos interesses de ambas as partes, entende-se ser de permitir a movimentação da conta bancária em causa, sem necessidade de autorização escrita da Requerente, na metade do valor/saldo existente e anteriormente arrolado.
(Sumário elaborado pelo Relator).

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Supremo Tribunal de Justiça
Acórdão
Processo nº: 14603/23.1T8LSB.L1.S1
12 de fevereiro de 2025
SOCIAL

Cláusula de exclusividade    >     Jornalista    >     Direito ao trabalho    >     Autonomia da vontade    >     Liberdade contratual    >     Justa causa de despedimento    >     Infração disciplinar    >     Dever de lealdade    >     Dever de não concorrência    >     Deveres laborais

I. A cláusula de exclusividade acordada entre as partes afigura-se indispensável à proteção de interesses legítimos da empresa ré, bem como proporcional aos fins com ela visados, assentando, pois, nos termos legalmente exigidos, em fundamentos objetivos.

II. Ao contrário do estabelecido relativamente ao pacto de não concorrência, o Código do Trabalho não consagra a obrigatoriedade de uma compensação económica específica, como contrapartida da cláusula ou pacto de exclusividade e, muito menos, que isso seja uma condição da sua validade.

III. Ao desenvolver trabalho remunerado para uma entidade terceira, concorrente do seu empregador, sem previamente obter a necessária autorização deste ou, sequer, lhe comunicar tal facto, o autor infringiu aquela cláusula de exclusividade.

IV. O dever de lealdade inclui um dever de honestidade, que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento suscetível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com o empregador, enquanto corolário da boa-fé contratual, concretizando-se ainda no dever de não concorrência e no dever de sigilo.

V. Dada a natureza fortemente fiduciária do contrato de trabalho, em regra assume especial significado a violação do dever laboral de lealdade, em função direta do grau de responsabilidade que o trabalhador detenha na empresa.

VI. Ao desenvolver serviços para uma cadeia de televisão na preparação de uma reportagem com pontos de contacto com uma outra que a R. tencionava levar a cabo, o autor violou ainda o dever de lealdade – enquanto pauta geral de orientação da conduta do trabalhador e dever de não concorrência – e, concomitantemente, os deveres de probidade e de realizar o seu trabalho com zelo e diligência.

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Tribunal da Relação do Porto
Acórdão
Processo nº: 1036/22.6T8GDM.P1
10 de fevereiro de 2025
CÍVEL

Expropriação por utilidade pública    >     Matéria de facto    >     Matéria conclusiva e de direito    >     Laudo de peritagem    >     Justa indemnização    >     Solo apto para construção    >     Fatores de valorização    >     Fatores corretivos

I - O processo de expropriação é um processo especial, constituindo a sua tramitação um desvio relativamente ao processo comum, regulando-se, após a fase administrativa, na fase judicial, como decorre do nº1, do art. 549º, do CPC, pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns e em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras tem de ser observado o que se encontra estabelecido para o processo comum.
II - O requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, que dá início à ação de expropriação litigiosa (cfr. art. 58º, do Código das Expropriações, abreviadamente CE), figura como verdadeira petição inicial, a que se segue a resposta, a realização de prova, alegações (cfr. art. 64º, de tal diploma) e decisão, sendo que nesta devem ser recolhidos para o compósito fáctico os factos relevantes para a fixação da justa indemnização que se mostrem alegados naquele requerimento, não sendo, nela, de condensar os factos das referidas alegações nem de meios de prova, e não podem juízos conclusivos, seja de facto seja de direito, figurar no elenco fáctico.
III - Constitui matéria de facto a determinação do valor real de um concreto bem e o custo de uma determinada construção (a envolver matéria de facto de elevado pendor técnico), também a constituindo os concretos fatores de valorização da parcela (a que aludem os nº 6 e 7, do art. 26º, do CE) e os de desvalorização (a que aludem os nº 9 e 10, do referido artigo), integrando matéria conclusiva e de direito a fixação da justa indemnização, a qualificação dos bens, a resolução de quaisquer questões de ordem jurídica que possam influir na determinação do valor e meros cálculos a efetuar com base em elementos fácticos já recolhidos para o elenco fáctico da causa.
IV - A vistoria ad perpetuam rei memoriam (cfr. art. 21º, do Código das Expropriações), não densifica alegação fáctica da causa, constituindo um meio de prova e, apesar de ser dotada de particular relevo probatório no iter expropriativo, não se reveste de força probatória plena.
V - Apesar de o juiz não estar vinculado ao laudo de peritagem e de o dever analisar criticamente, sendo os peritos quem reúne as habilitações e as capacidades técnicas para formularem conclusões no que respeita às questões técnicas da avaliação, o julgador, não habilitado a contrariá-las, deve, na procura do quantum justo, meta que a Lei Constitucional e Ordinária indica ao Tribunal, orientar-se pelo juízo técnico, pois, na conformidade da perícia com os critérios legais, são os Senhores Peritos que melhor capacitados estão para a avaliação, dados os seus conhecimentos técnicos.
VI - A “justa indemnização” nas expropriações por utilidade pública é um direito fundamental, constitucionalmente consagrado (art. 62º, da Constituição da República Portuguesa), que tem por conteúdo o valor do bem expropriado, calculado de acordo com o seu valor real e corrente numa situação normal de mercado (“preço”) à data da publicação da declaração de utilidade pública, sendo um pressuposto da legalidade da expropriação.
VII - Do nº2, do artigo 62º da Constituição, ressaltam elementos essenciais para a densificação do quantum indemnizatório, dele, em conjugação com o princípio da igualdade (art. 13º, da CRP), se destacando o vedar, ao legislador ordinário, da consagração de um critério de determinação do valor da indemnização que seja um fator de locupletamento do expropriado e ao aplicador da lei a proibição de atribuir indemnização que exceda o valor do bem expropriado, exigindo, pois, a Constituição que “o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados com os não expropriados e ao aplicador da lei que o observe, não podendo a expropriação colocar os expropriados numa situação de vantagem ou desvantagem relativamente a não expropriados (não pode o valor a atribuir ser irrisório nem especulativo, antes tem, no equilíbrio, de refletir a observância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade).
VIII - Estabelecendo o nº2, do artigo 62º, da Constituição o princípio de a expropriação por utilidade pública só poder ser efetuada “mediante o pagamento de justa indemnização”, é a lei ordinária a fixar os critérios de determinação das indemnizações, critérios estes maleáveis para se adaptarem a cada caso concreto, de acordo com a avaliação que se efetue da “localização e qualidade ambiental” do bem expropriado, visando alcançar a imposição constitucional da justa indemnização.
IX - E visando a justa indemnização devida pela expropriação reintegrar a esfera patrimonial do expropriado como se não tivesse havido o ato de expropriação, por forma a nela se não notar qualquer prejuízo (nº2, do artigo 62º, da CRP, e nº1, do artigo 23º, do Código das Expropriações), para conseguir materializar esse objetivo de forma proporcional e igualitária o Código das Expropriações, distinguindo o solo apto para construção do solo para outros fins (art. 25º, deste Código), estabelece critérios referenciais, tendentes ao apuramento do valor dos bens expropriados (contidos nos artigos 26º e seguintes), sujeitos a juízos corretivos.
X - O valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível edificar se não tivesse sido objeto de expropriação, num “aproveitamento económico normal, de acordo com a lei (nº1, do art. 26º, nos termos dos números seguintes de tal artigo, sem prejuízo do critério corretivo consagrado no nº5, do artigo 23º.
XI - Não se revelando no caso possível aplicar os critérios propostos nos nºos 2 e 3, do art. 26º, por falta, verificada no processo, de elementos o valor do solo apto para construção é calculado em função do custo da construção em condições normais de mercado, nos termos dos nºs 4 e 5, de tal artigo.
XII - E considerando o custo de construção que seria possível edificar na parcela, cabe aplicar os fatores do índice fundiário (nºs 6 e 7, do referido artigo) - fatores de valorização -, que podem atingir, no máximo, 25% do custo de construção (15%, o nº6, e 10%, o nº7), cumprindo, ainda, ponderar os fatores corretivos (fatores de desvalorização) consagrados, aplicáveis às circunstâncias do caso para que o pressuposto da expropriação que é a justa indemnização se verifique.
XIII - Para o fator corretivo consagrado no nº9, do artigo 26º, integrar o cálculo da justa indemnização necessário é que, considerando a construção possível edificar, resulte comprovada sobrecarga incomportável das infraestruturas existentes e para que o, autónomo, fator corretivo consagrado no nº10, do artigo 26º, do CE, de aplicação não automática, possa, também, ser considerado no cálculo da justa indemnização têm de resultar demonstrados riscos e/ou esforços construtivos que seriam suportados no caso de edificação do terreno expropriado.
XIV - Da ponderação de todos estes elementos no confronto das circunstâncias do caso, removendo o montante pecuniário atribuído, de modo adequado, os danos que da expropriação resultam para os expropriados, encontrada se mostra a equilibrada solução dos interesses em conflito em materialização do direito fundamental à justa indemnização.

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