Jurisprudência do Dia

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Tribunal da Relação de Coimbra
Acórdão
Processo nº: 392/19.8T9ACB.C1
8 de março de 2023
PENAL

Advogado    >     Segredo profissional    >     Meio proibido de prova    >     Prova proibida    >     Dever de reserva    >     Dispensa de segredo profissional

I – O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece que a relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca, princípio este que exige e impõe um dever de sigilo que encontra expressão no EOA e também em diversas normas de direito codificado, nomeadamente no Código de Processo Penal, com vista a acautelar as condições necessárias ao regular exercício daquelas funções.

II – O artigo 92.º, n.º 1, do EOA densifica as vertentes do dever de sigilo, estipulando que o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

III – A comunicação electrónica entre cliente e advogado, através da qual aquele exerce o direito de aconselhamento em privado com o seu advogado e em que lhe presta as informações que considere úteis para a defesa dos seus interesses, beneficia de uma dupla tutela, pois está abrangida pelo dever de sigilo que recai sobre o advogado e respectivos colaboradores, previsto no artigo 92.º referido, e, além disso, beneficia da tutela do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal

IV – As provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular são nulas, como resulta, em primeira linha, do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa

V – A valoração, para efeitos de prova, de um email que traduz comunicação escrita entre arguida e o seu advogado, sem que a sua revelação a terceiros tenha sido autorizada pelos titulares do interesse juridicamente protegido, ou sem que tenha sido desenvolvido qualquer procedimento tendente ao levantamento do sigilo, é lesiva da privacidade da arguida enquanto autora daquela comunicação, respeita a questões com relevo jurídico, com implicações legais.

VI – A decisão que se funde, de modo essencial, na valoração de prova nula fica inquinada por nulidade que, nos termos do artigo 122.º do Código de Processo Penal, dá causa à invalidade do acto em que se verificar, bem como dos que dele dependerem e que a nulidade cometida possa afectar, salvando-se apenas os actos que possam ser aproveitados.

VII – A circunstância de aquela comunicação ter sido conhecida por inadvertido procedimento não tem a virtualidade de suprir as irregularidades resultantes da sua ilícita divulgação.

VIII – Compete ao tribunal conhecer oficiosamente as questões atinentes à prova proibida e obstar à sua produção.

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