SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Acórdão
FISCAL
Processo

0723/15

Data do documento

7 de junho de 2017

Relator

Pedro Delgado


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RELEVÂNCIA


Descritores

IVA
Liquidação oficiosa
Falta de fundamentação


Sumário

I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III - A Administração Tributária cumpre este dever de fundamentação quando, estando em causa um acto de liquidação oficiosa de IVA, dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, depois de identificar, individualizar e quantificar os factores que utilizou nessas operações: ratio do sector da actividade exercida, volume de negócios, tributação mínima e declarações periódicas em falta.

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A Fazenda Pública inconformada com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, melhor identificada nos autos, contra a liquidação oficiosa de IVA referente a 2006, no valor de € 1 496,40, vem nos termos do disposto no nº3 do art.º 284 do CPPT interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, por considerar que o referido acórdão se encontra em oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de julho de 2014, proferido no processo nº 01074/13 (acórdão fundamento).

2 - Por despacho de 30 de janeiro de 2015, a fls. 109 dos autos, o Juiz Desembargador do Tribunal Central Administrativo Norte veio admitir o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

3 - A recorrente veio apresentar a fls. 123 e seguintes, alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
«a. A Recorrente [Fazenda Pública] não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo à margem identificado, interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por o mesmo estar em oposição com o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.07.2014, referente ao processo 01074/13.
b. Constitui, portanto, o acto recorrido o douto acórdão de 27.11.2014, do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 610/08.8BEPRT, que negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmou a sentença recorrida no entendimento que as operações de apuramento do tributo liquidado [IVA] não estão devidamente fundamentadas nos termos e com os requisitos exigidos pelo art.° 77.º da LGT.
c. Estão integralmente verificados os pressupostos constantes do art.° 284.° do CPPT e do art.° 152.° do CPTA, relativos à verificação da oposição entre Acórdãos:
i. identidade substancial da questão de facto,
ii. mesma questão fundamental de direito,
iii. existência de duas decisões expressas e contraditórias.
d. Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento se debruçaram sobre a questão de saber se as operações de apuramento do tributo [IVA] liquidado oficiosamente estão [ou não] devidamente fundamentadas nos termos do disposto no art.° 77° da LGT.
e. O acórdão recorrido, face aos mesmos elementos de facto e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário ao acórdão fundamento, porque entendeu que, considerando os elementos que foram fornecidos ao contribuinte [na notificação para o exercício do direito de audição], não é possível conhecer “como foi alcançado o valor liquidado (...) “ e concluiu, portanto, que o acto não está devidamente fundamentado.
f. Ao invés, o acórdão fundamento entendeu que a notificação da liquidação oficiosa de IVA contém “de forma clara, os critérios que conduziram à determinação do tributo e denunciam, suficientemente, o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração, de molde que um destinatário normal e razoável — hipoteticamente colocado na situação do real destinatário e no concreto contexto circunstancial que rodeou a prática do acto — facilmente poderia apreender e sindicar.”
g. A Fazenda Pública entende que a razão tem de estar com a tese defendida no Acórdão Fundamento e que, por conseguinte, o Acórdão Recorrido andou mal e violou o artigo 77° da LGT, art.° 268° da CRP e artigo 125° do CPA.
h. Dada a [total] identidade de facto e de direito, a Fazenda Pública acompanha de perto a argumentação jurídica do acórdão fundamento e conclui que o acto de liquidação está devidamente fundamentado. Na verdade daquele acto consta, além da identificação das declarações em falta determinantes da liquidação oficiosa, o montante em dívida apurado e a fundamentação dos indicadores de cálculo, de onde se pode retirar, sem margem para dúvidas, que para alcançar aquele valor a Administração Tributária tomou em consideração o rácio do sector de actividade da impugnante (que fixou em 3,55%) o volume de negócios (no montante de € 119.724), o valor de € 374,10 correspondente ao mínimo de tributação por período, e o número de declarações em falta.
i. Verifica-se ainda que o montante devido relativamente a cada uma das declarações em falta foi obtido pelo produto que resultou da aplicação do rácio da actividade a ¼ do indicado volume de negócios, tendo em conta o referido limite mínimo de € 374,10, bem como o total do valor a pagar e corresponde à multiplicação desse valor mínimo de € 374,10 pelo número de declarações em falta (4), o que perfaz o montante de € 1.496,40, que veio a ser liquidado.
j. Na perspectiva da Fazenda Pública não restam dúvidas que recorrendo à fórmula f = d * e, a variável d está identificada com o valor de €374,10 e a variável e com o valor 4, pelo que a sua multiplicação teria o resultado de €374,10.
k. Diferente seria a eventual discordância do valor atribuído pela Administração Tributária a cada variável, porém, tal não equivaleria à sua falta de fundamentação.
Pelo que, entende a Fazenda Pública que o acto de liquidação oficiosa de IVA cumpriu os propósitos da fundamentação, constando da notificação as razões factuais e jurídicas que estão na génese daquele acto, pelo que deverá manter-se válido e eficaz e produzir todos os seus efeitos legais.»

3 – A recorrida não apresentou contra alegações.

4 – O Exmº Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer, no sentido de que se verificam os pressupostos do recurso de oposição de acórdãos e, quanto ao mérito do recurso, pronunciou-se no sentido de ser acolhida a doutrina do acórdão fundamento com base na fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
«(…..) Determina o artigo 268.°/3 da CRP que os actos administrativos lesivos carecem de fundamentação expressa e acessível.
Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
De acordo com o n.º 2 de tal artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Por força do art. 125.°/1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Uma fundamentação constitucionalmente adequada deve obedecer aos seguintes princípios:
- Princípio da suficiência, segundo o qual a fundamentação se deve estender a todos os elementos em relação aos quais a AT dispõe do poder discricionário de escolher, e o exerce, de modo a poder reconstituir o iter lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final;
- Princípio da clareza, segundo o qual a fundamentação deve ser inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura de um destinatário normal ou razoável que, na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão;
- Princípio da congruência, segundo o qual deve existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos normativos do acto, de facto e de direito, e os motivos do mesmo, pelo que se deve considerar que inexiste fundamentação quando são adoptados fundamentos que, por contradição, não esclareçam concretamente a motivação do ato (CRP, anotada, 4ª revista, 2º volume, página 826, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira).
A fundamentação deve, ainda ser contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori (Acórdãos do STA, de 2014.03.26-P.01674/13 e de 2014.04.23-P.01690/13, disponíveis no sitio da internet www.dgsi.pt).
Ora, como resulta do probatório, alínea D), resulta do ato de notificação da liquidação que a impugnante/recorrida foi notificada de que aquela tem por fundamento a falta de entrega de 4 declarações respeitantes aos períodos 0603T, 0606T, 0609T e 0612T e que o valor a pagar corresponde a € 1.496,40.
Como resulta da alínea B) do probatório, a recorrida foi notificada para efeitos do exercício do direito de audição prévia, sendo certo que de tal notificação constam as declarações em falta, o montante do imposto em dívida e a fundamentação dos elementos de cálculo do quantum do imposto.
De facto, resulta dessa notificação que a AT, para determinar o quantum do imposto em dívida relevou o rácio do setor de actividade da recorrida, que fixou em 3.32 a 1/4, do volume de negócios, de € 119/724, o valor de 374,10 correspondente ao mínimo de tributação por período e o número de declarações em falta.
Ressalta, também, que o montante devido em relação a cada uma das declarações em falta foi obtido pelo produto que resultou da aplicação do rácio de 3.32 a ¼ do volume de negócios referido, relevando o citado limite mínimo por período, sendo certo que o total do valor a pagar corresponde à multiplicação do limite mínimo pelo número de declarações em falta, no montante de € 1.496,40.
Termos em que deve dar-se por verificada a oposição de acórdãos, dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente a impugnação judicial com consequente manutenção na ordem jurídica das liquidações sindicadas.»

5 – Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência do pleno da secção.

6 – No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
A) A ora Impugnante não apresentou as declarações periódicas de IVA referentes aos quatro trimestres do ano 2006— facto admitido por acordo.
B) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, em sede de audição prévia, sobre a intenção da Autoridade Tributária emitir uma liquidação oficiosa de IVA, para o ano de 2006 no valor de € 1 496,40, nos seguintes termos (cfr. fls. 5 dos autos):

C) A Impugnante não exerceu o direito de audição prévia mencionado na alínea antecedente — facto admitido por acordo, tendo em conta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.
D) A Impugnante foi notificada da liquidação impugnada nos seguintes termos (cfr. fls. 4 dos autos):

E) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 1 em 05/03/2008 — cfr. fls. 2 dos autos

7. No acórdão fundamento, deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso nº 01074/13 foram dados como provados os seguintes factos:
a. A impugnante encontra-se colectada pelo exercício da actividade de Restaurantes tipo tradicional, CAE 56101, desde 31/12/2001, enquadrada, para efeitos de IVA, no Regime Normal, periodicidade trimestral (cfr. fls. 12 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA).
b. Por ofício datado de 10/04/2010 (cf. fls. 5 dos autos), a impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia — art. 60° da Lei Geral Tributária nos seguintes termos:

c) Por incumprimento da obrigação de apresentação da declaração periódica de IVA, foi emitida em 03/07/2010, a liquidação oficiosa de IVA nº 10161266, DUC nº 102010016126608, referente aos períodos de 0803T, 0806T, 0809T e 0812T, no montante de € 1.496,40, com a seguinte fundamentação (cf. doc. de fls. 4 dos autos):

d) A presente impugnação foi deduzida em 08/01/2011 (cf. doc. de fls. 3 dos autos).

8. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
Por despacho a fls. 118/119 o Exmº Relator considerou que poderá ocorrer contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil, podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12.
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos do recurso por oposição de julgados.
9. Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; – que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; – que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.

10. No caso vertente a Fazenda Pública suscita a oposição de julgados relativamente a uma única questão tratada no acórdão recorrido, mais concretamente a questão de saber se as operações de apuramento do tributo (IVA) liquidado oficiosamente estão (ou não) devidamente fundamentadas nos termos do disposto no art.° 77° da LGT.
Alega a Fazenda Pública que o acórdão recorrido, face aos mesmos elementos de facto e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário ao acórdão fundamento (Acórdão 1074/13 deste Supremo Tribunal Administrativo), porque entendeu que, considerando os elementos que foram fornecidos ao contribuinte (na notificação para o exercício do direito de audição), não é possível conhecer “como foi alcançado o valor liquidado (...)” e concluiu, portanto, que o acto não está devidamente fundamentado.
Defende a Recorrente que o assim decidido está em oposição com o acórdão fundamento o qual considerou que a notificação da liquidação oficiosa de IVA contém “de forma clara, os critérios que conduziram à determinação do tributo e denunciam, suficientemente, o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração, de molde que um destinatário normal e razoável — hipoteticamente colocado na situação do real destinatário e no concreto contexto circunstancial que rodeou a prática do acto — facilmente poderia apreender e sindicar.”

Vejamos, pois.

Como sustenta a recorrente, existe identidade de situações fácticas.
No acórdão fundamento estava em causa uma liquidação oficiosa de IVA do ano de 2008, feita ao abrigo do estatuído no artigo 88.° (correspondente à redacção do anterior artigo 83.° do CIVA).
No acórdão recorrido está em causa uma liquidação oficiosa de IVA do ano de 2006, ao abrigo do disposto no artigo 83.° do CIVA.
Em ambos os casos os elementos da fundamentação da quantum do imposto a pagar, notificados ao contribuinte são, exactamente, os mesmos, como resulta dos respectivos probatórios.
Está em causa a mesma questão de direito, consistente no facto de saber se as operações de apuramento do imposto oficiosamente liquidado estão suficientemente fundamentadas, nos termos do disposto no artigo 77.° da LGT.
E existem decisões expressas opostas.
Na verdade, perante os mesmos elementos de fundamentação, no acórdão fundamento entendeu-se que a liquidação estava suficientemente fundamentada, enquanto que no acórdão recorrido se decidiu, exactamente, em sentido contrário.

Verifica-se assim, quanto a esta questão, a invocada oposição de soluções jurídicas.

10. E verifica-se também o segundo requisito do recurso por oposição de acórdãos, pois atenta a questão suscitada - saber se as operações de apuramento do imposto oficiosamente liquidado estão suficientemente fundamentadas, nos termos do disposto no artigo 77.° da LGT - e os respectivos contornos fácticos, não se pode, com segurança, afirmar que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Estão, assim reunidos todos os requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.

11. Do mérito do recurso
Deste modo, verificada a oposição, cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se as operações de apuramento do imposto oficiosamente liquidado estão suficientemente fundamentadas, nos termos do disposto no artigo 77.° da LGT.

A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
A fundamentação do acto administrativo deverá obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser lógica.
Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas.
A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será pois o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação.
Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs. e António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 2º edição, Quid Juris editora, pags. 382 e segs.)

Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
A fundamentação de um acto administrativo também não pode ser contraditória ou incongruente, o que se verificará sempre que são invocadas razões de facto ou de direito que entre si se desdizem ou se revelam incompatíveis, discordantes ou incoerentes.

No que concerne à decisão do procedimento tributário dispõe o artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária dispõe que deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
Por sua vez, no que se refere aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação.
Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (Neste sentido vide Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag.677 e José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Meneses, Lei Geral Tributária anotada, Ed. Almedina, pag 836.).
No caso subjudice está em causa a invocada falta de fundamentação do acto liquidação sindicado, por alegadamente ser ininteligível a ratio decidendi da Administração Tributária.
O acórdão recorrido perante os elementos que foram fornecidos ao contribuinte na notificação da liquidação e na notificação para o exercício de audição, e que constam do probatório sob as alíneas B) e D), considerou que o acto impugnado não estava devidamente fundamentado por “desconhecer como foi alcançado o valor liquidado”.
Não conformada alega a recorrente que o acto de liquidação oficiosa de IVA cumpriu os propósitos da fundamentação, constando da notificação as razões factuais e jurídicas que estão na génese daquele acto, pelo que deverá manter-se válido e eficaz e produzir todos os seus efeitos legais.
Vejamos, então, os concretos motivos de facto e de direito constantes do acto sindicado, pois é perante eles que podemos aferir a suficiência da fundamentação.
No caso presente, como se alcança do probatório, a notificação da liquidação de fls. 4 dos autos, emitida em 09/06/2007, tem por fundamento a falta de entrega de quatro declarações periódicas de IVA, respeitantes aos períodos de 0603T, 0606T, 0609T e 0612T sendo o valor a pagar de € 1.496,40.
Antes porém, e como igualmente se extrai da alínea b) do probatório, a recorrida fora notificada para exercer o direito de audição prévia, pelo ofício de 21/04/2007, de que se encontra cópia a fls. 5 dos autos.
Desse ofício consta, além da identificação das declarações em falta determinantes da liquidação oficiosa, o montante em dívida apurado e a fundamentação dos indicadores de cálculo, de onde se pode retirar, sem margem para dúvidas, que para alcançar aquele valor a Administração Tributária tomou em consideração o rácio do sector de actividade da impugnante (que fixou em 3,32%), o volume de negócios (no montante de € 119.724), o valor de € 374,10 correspondente ao mínimo de tributação por período, e o número de declarações em falta.
Ressalta também dos indicadores de cálculo expressos nessa fundamentação que o montante devido relativamente a cada uma das declarações em falta foi obtido pelo produto que resultou da aplicação do rácio da actividade a ¼ do indicado volume de negócios, tendo em conta o referido limite mínimo de € 374,10, bem como o total do valor a pagar e corresponde à multiplicação desse valor mínimo de € 374,10 pelo número de declarações em falta (4), o que perfaz o montante de € 1.496,40, que veio a ser liquidado.
Neste contexto, não podemos deixar de concluir, tal como se concluiu no acórdão fundamento, que do mencionado ofício constam, de forma clara, os critérios que conduziram à liquidação do imposto e que indiciam, suficientemente, o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração, em termos tais que um destinatário normal e razoável – hipoteticamente colocado na situação do real destinatário e no concreto contexto circunstancial que rodeou a prática do acto - facilmente poderia apreender e sindicar.
Daí que se entenda que o acto de liquidação sindicado não padece do invocado vício de falta de fundamentação, pelo que o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento que lhe é imputado e deverá ser revogado.

12. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o Acórdão recorrido e julgar improcedente a impugnação judicial com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação sindicada.
Custas pela recorrida apenas em primeira instância, uma vez que não contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Lisboa, 7 de Junho de 2017. – Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Ana Paula Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.

Segue acórdão de 20 de Dezembro de 2017:

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. Vem a Fazenda Pública, requerer a reforma quanto a custas do acórdão Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido nos presentes autos a fls. 149/163, invocando o disposto no nº 1 do art. 616º e nº 1 do art. 666º, ambos do Código de Processo Civil.
Alega, em síntese, que pelo acórdão reformando foi concedido provimento ao recurso de oposição de julgados por si interposto, revogado o sindicado Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e julgada improcedente a impugnação judicial com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação impugnada, tendo sido a recorrida condenada em custas apenas na primeira instância, uma vez que não contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.
E que, apesar do Tribunal ter revogado a decisão recorrida (do Tribunal Central Administrativo Norte) e ter julgado improcedente a impugnação, a Fazenda Pública foi onerada com o pagamento da taxa de justiça devida (pelo impulso processual do recurso) sem a possibilidade de vir a ser ressarcida da mesma pela parte.
Isto porque, segundo a alínea a) do nº 3, do art.º 26 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) a parte vencida é condenada, nos termos previstos no código do processo civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do decaimento;"
Requer que, em consequência, que o Acórdão seja reformado quanto a custas passando dele a constar o seguinte: «Custas pela recorrida em ambas as instâncias, com dispensa do pagamento de taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.»

2. A recorrida, notificada do pedido de reforma, nada disse.

Com dispensa de vistos dos Ex.mos Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão a apreciar, cumpre decidir.
3. Nos termos Acórdão de fls. 149/163 foi concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que julgara procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, contra a liquidação oficiosa de IVA referente a 2006, no valor de € 1 496,40, tendo sido revogado o Acórdão recorrido e julgada improcedente aquela impugnação judicial com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação sindicada.
Porque a recorrida não contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo foi apenas condenada em custas apenas na primeira instância.

A Fazenda Pública pretende agora, por via do presente pedido de reforma do acórdão, obter a alteração da condenação em custas em sede de recurso invocando o disposto na alínea a) do nº 3, do art.º 26 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e alegando que não deve ser onerada com o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, pois que fica sem a possibilidade de vir a ser ressarcida da mesma pela parte.

Tem razão a Fazenda Pública.
De facto, em sede de recurso, não havendo contra-alegações do recorrido, não é devida taxa de justiça pelo mesmo. Porém caso seja vencido, suportará a taxa de justiça paga pelo recorrente, através do instituto de Custas de Parte. É o que decorre do artº 26, nº 3, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais.
Haverá, pois, que rectificar a condenação em custas nos termos pedidos pela Fazenda Pública já que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artsº 529º do Código de Processo Civil e 3º do Regulamento das Custas Processuais).
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, deferindo o pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos a fls. 149/163, condenar a recorrida nas custas em ambas as instâncias, salvo quanto a taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. - Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Casimiro Gonçalves – António José Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – José da Ascensão Nunes Lopes.



Fonte: http://www.dgsi.pt